— Não sei o que seria de mim sem você — digo a Kevin.

— Eu também não, Chéri. — Meu amigo sorri, orgulhoso, mas logo seu sorriso desvanece e ele me olha hesitante. — Você vai me dizer o que aconteceu, agora?

— É uma história muito longa. — Fico de pé, recolhendo as embalagens de comida e levando para a cozinha.

     Não quero falar sobre isso. Ainda não. Ontem já foi o suficiente para uma década. Eu sei que devo isso a Kevin, ele conseguiu arranjar um apartamento para mim apenas três horas após eu ligar para ele pedindo esse favor, mas ainda não estou pronta para desenterrar tudo de novo.

— Tudo bem. Eu entendo. — Kevin entra na cozinha, suspirando. — Apesar de não saber o que aconteceu, estou feliz em vê-la de novo. Você parece ter esquecido dos velhos amigos.

    Reviro os olhos, virando para abraçá-lo. Kevin tem uma queda por melodrama.

— Eu jamais esqueceria de você — digo. — Não há como esquecer Kevin Fisher.

— Ainda bem que você sabe.

    Rindo, me afasto para jogar as embalagens no lixo. É meio da tarde e tivemos um almoço tardio enquanto ajeitávamos o apartamento. Eu também trouxe meus antigos móveis para cá. Freya irá precisar de uma cama para dormir e de forma alguma eu a faria dormir no chão.

— Mamãe.

    Falando nela…

— Aqui não tem fi-fi? — Freya entra na cozinha também e empurra meu celular para mim, coçando um olho.

    Dou risada novamente e pego-a no colo.

— Não. Aqui não tem wi-fi. — Lanço a Kevin um olhar. Ele está rindo dela.

— Na casa do Eros tem fi-fi — ela resmunga, descansando o rosto em meu ombro.

    Solto um suspiro.

— É, mas não estamos mais lá. Vamos morar aqui agora, lembra? — Tivemos essa conversa hoje cedo. Ela ainda estava sonolenta, mas expliquei que estávamos indo embora. É óbvio que ela chorou. Muito e isso quase, quase me fez ficar, mas eu já havia tomado minha decisão. E mesmo doendo em mim vendo ela chorar tanto que estava até soluçando, viemos embora.

— Quando o Eros vem ver a gente?

— Não sei. Quando ele puder.

— Por que ele não pode agora?

— Porque ele está ocupado.

— Com o quê?

    Solto um suspiro. Isso está sendo mais difícil do que eu imaginei. Eu fico feliz que Freya goste de Eros, que se importe com ele, apesar de todo a preocupação que tive no início. Mas eu estava certa em me preocupar. Não sei o que será de Eros e eu daqui para frente, mas Freya já está sendo afetada.

     E tudo isso é culpa minha.

— Eu não quero dormir — Freya diz quando a coloco na cama dela, no quarto que será dela agora. O apartamento não é muito grande, mas fica em um bairro bom, tem dois quartos e um aluguel que agora posso pagar. O proprietário é um grande amigo de Kevin e deixou eu me mudar rapidamente.

— Tudo bem. Podemos só ficar deitadas aqui.

    Deito ao lado dela e ficamos olhando uma para outra. Ela é tão preciosa, com seus olhinhos azuis, suas bochechas redondinhas e os cabelos laranja avermelhados. Seus fios são mais enrolados que os meus, lembrando de quando eu era criança. Sinto muito orgulho e alívio que Freya é parecida comigo e não com… ele.

— Seu coração também tá dodói? — Freya pergunta.

    Pisco para ela por alguns segundos.

— O seu coração está doendo? — pergunto com cuidado. Não sei se ela está falando figuradamente ou se está sentindo alguma dor no peito.

    Freya anue.

— De saudade. Do Eros e dos cachorros — ela está sendo tão sincera. — O seu coração também tá dodói, mamãe?

    E com uma simples pergunta, eu desmorono.

    Eu havia parado de chorar quando Eros saiu de casa e não derramei mais nenhuma lágrima. Até agora. Eu sempre evito chorar na frente de Freya, mas ela me pegou desprevenida agora, com essa pergunta.

— Eu sinto muito — digo a ela. Eu não queria que seu coração estivesse doendo. Eu não queria ter escondido a verdade de Eros. Não queria que ele tivesse descoberto dessa forma, muito menos queria sair de lá daquele jeito.

— Tudo bem, mamãe. — Freya vem me abraçar e eu aperto seu corpo pequeno. — Seu coração vai sarar logo. Só fica quietinha. Tá bom?

— Tá bom — sussurro sem parar de chorar.

     Meu coração está doendo, sim. Como Freya, sinto saudades de Eros. Muita. Principalmente depois da noite que tivemos… antes de tudo. Talvez eu não devesse ter ido embora, mas apenas senti que precisava. As coisas estão confusas entre nós agora e ficar na mesma casa não seria bom para nenhum de nós três.

    Mas isso não significa que não sinto saudades dele. De acordar e encontrá-lo na cozinha. Ou melhor, acordar em seus braços. Descobri na noite antes de ontem que acordar com Eros é uma das minhas sensações preferidas. Eu sinto falta dos seus beijos e do seu carinho, do seu sorriso e até do seu mau humor.

— Eu também sinto falta dele — confesso a Freya em algum momento.

    Depois de um tempo, minhas lágrimas cessão e eu solto um suspiro, acariciando as costas de Freya. Ela dormiu. Uma pequena vitória.

     Com cuidado, levanto da cama, tomando cuidado para não acordá-la. Ainda são  15h, mas eu lhe acordei cedo para que pudéssemos vir para o apartamento antes que Eros chegasse, então ela está cansada.

    Deixo Freya em seu quarto, o único cômodo da casa que eu fiz questão de arrumar primeiro, para que Freya se sentisse mais à vontade e pudesse brincar a hora que quisesse, ou dormir, como está fazendo agora.

    Volto para a sala, onde Kevin está sentado no chão. Não tenho muitos móveis para a sala por causa do teto que desabou no meu antigo apartamento. A TV está no chão, única coisa que sobrou, graças a Deus. Ela ainda está funcionando, mesmo tendo ficado dois meses no porão de Eros.

— Essa não é aquela ex do seu bofe? — Kevin pergunta, os olhos pregados no celular.

— Quê? — Sento ao seu lado, arrastando uma caixa comigo.

— Olha. — Kevin me entrega seu celular.

     Estou olhando para um vídeo. Aparentemente, quem está filmando está em um casamento. Com o decorrer da filmagem vou compreendendo de quem é o casamento, ligando os pontos com o que Kevin disse.

    Assisto, um pouco chocada, America e Noah discutirem no altar.

— Você está fazendo uma cena! — Noah diz. Imagino que ele pensava que estava sussurrando, mas a pessoa que filmou estava perto o suficiente para capitar o som. — Pare com isso agora mesmo!

— Não. — America se solta do aperto que Noah mantinha em seu braço, dando um passo para trás. — Eu disse: não quero me casar com você. Eu nunca quis!

— America…

— Acabou. Eu não quero ver você nunca mais.

    No final do vídeo, ela sai correndo, sem olhar para trás. O vídeo corta para a cara de Noah. Nenhuma tristeza ou lamento pela sua noiva tê-lo abandonado no altar, apenas seu rosto contorcido de raiva.

    E acaba aí.

— Minha nossa. — Devolvo o celular para Kevin, chocada com o que acabei de ver.

— Pois é, maior babado.

    Era para Eros e eu estarmos nesse casamento, lembro-me quando volto para a caixa que peguei. Eros não tocou mais no assunto depois que falei das joias do casamento, e eu fiquei feliz porque também não queria ir.

    Balanço a cabeça, o casamento – ou quase casamento – de America e Noah não me importa nenhum um pouco agora. É irônico porque foi por causa deles que tudo isso começou, mas eu não podia estar me importando menos.

    Percebi tarde demais que a caixa que peguei foi aquela que Eros me deu…. cheia de livros.

    Uma forte emoção passa por mim, mas consigo me controlar ao engolir em seco e pegar um dos livros: "O Melhor de Você".

    Abro em uma das citações que Eros marcou, bem no final do livro. Eu deveria estar preocupada em pegar spoiler, mas não ligo para isso agora.

   A marcação que ele frisou é:

"Deitados na quietude do quarto, com nossos corpos nus pressionados levemente um contra o outro, eu olhei para seus olhos desguarnecidos e vi uma força firme que apenas tremeluzia antes. E, por mais impossível que pudesse ser, eu me apaixonei ainda mais por ela. E ouvi o mesmo sussurro em minha alma que ouvi na primeira vez em que nos encontramos: ela é minha.

Minha para cuidar. Minha para amar."

    No postit que ele colocou, está escrito:

"Quando te vi pela primeira vez em meu escritório, senti como se já te conhecesse. Agora sei que foi porque eu tinha visto você na boate na noite anterior, mas…  não muda o que eu senti, aquela sensação de você pertenceria a mim um dia, para eu amar e cuidar."

— Você se emociona mesmo com esses livros, né? — Kevin questiona. Só assim percebo que estou chorando de novo.

— Eu sou uma idiota. — Ponho o livro de volta na caixa, fechando-a.

— Ai, desde quando você se autodeprecia por causa de homem?

— Desde que seja verdade.

    Deito no chão gelado do apartamento e encaro o teto. O que Eros deve estar fazendo agora? Eu ainda não chequei meu telefone. Estou com medo que haja mensagens de Eros ou ligações perdidas. Não sei se sou forte o suficiente para negar se ele pedir para eu voltar.

    Eu não sei para onde ele foi, mas já deve ter chegado, certo? Pedi para Kate estar lá quando ele chegasse. Em partes porque os cachorros não podiam ficar com fome, mas também para dizer a ele que fomos embora, caso ele não visse o meu bilhete na cama. Me sinto péssima por ter saído daquele jeito, mas novamente, eu sabia que ele tentaria me convencer a ficar.

— Puta merda — Kevin diz, do nada.

    Reviro os olhos.

— Será que você pode sair do celular por um minuto? Depois fica reclamando que…

— Cale a boca.

    Olho chocada para ele.

— Ei! — Lhe dou um chute leve. Kevin não se abala, porém.

— Puta. Merda — repete.

    Intrigada, volto a me sentar e tento olhar por cima do seu ombro. Kevin, por outro lado, se esquiva antes que eu veja o que ele está olhando.

— Acho que você não quer verisso, Chéri.

    Uma sensação estranha se forma em meu estômago e eu tomo seu celular.

    É outro vídeo. Mas ao invés de um cenário de casamento e como protagonistas America e Noah, o que estou vendo é dois homens brigando.

    Ou melhor, um homem batendo no outro, que não faz nada para revidar.

    Não demoro nem três segundos para reconhecê-lo. Noite retrasada eu estive trançando as tatuagens daquele mesmo braço que se ergue e depois desce, seu punho acertando a cara de Tobias.

— Eros, não… — sussurro, levando a mão à boca.

     Não dá para ouvir o que é dito entre os dois e o vídeo está tremido, mas vejo claramente quando policiais chegam no local e puxam Eros de cima de Tobias. Ou tenham, pelo menos. Eros luta com eles, chegando a agredir dois deles antes de se lançar para cima de Tobias outra vez. Não dura muito, mas sua raiva é nítida em todos os golpes. Os policiais se recuperam, pegando-o pelos braços e jogando-o no chão para poder algemá-lo.

    O vídeo acaba quando o colocam dentro da viatura.

    Deixo o celular no chão e corro atrás da minha bolsa. Será que Kate está sabendo disso? Ela sabia quando nos falamos hoje de manhã? A família de Eros sabe? Já o tiraram da cadeia?

     Quando ligo meu celular, encontro chamadas perdidas de Kate e de Anthony. Resolvo ligar para o segundo.

— Vamos lá, atende… — murmuro, andando de um lado para o outro. Porra, por que eu tive que ir embora? Será que Eros está bem? No vídeo, não vi Tobias devolver nenhum dos golpes. Isso deve ser um bom sinal, certo?

— Genevieve? — Anthony finalmente atende.

— Como ele está? Ele já saiu da cadeia? — pergunto apressadamente, meu coração acelerado.

— Você viu o vídeo.

— Como. Ele. Está — exijo.

— Bem. A advogada já está recorrendo.

    Sinto um enorme alívio, mas algo na voz dele me faz parar.

— O que você não está me contando?

    Anthony suspira do outro lado linha.

— Tobias está dificultando para nós. Ele tem contatos. Parece que o juíz está na lista de pagamento dele ou algo assim.

— Filho da puta. — Passo a mão pelo rosto. Isso é tudo que Tobias queria. Provavelmente ele estava esperando essa reação de Eros quando mandou aquele envelope.

     Respiro fundo e tento colocar minha cabeça no lugar. Eu disse a Tobias para não mexer conosco. Eu disse a ele que ele tem contatos, mas eu também. E se ele achou que aquilo foi um blefe, ele vai descobrir que estava errado.

— Vou resolver isso — digo a Anthony.

— Como?

— Vou resolver isso — repito antes de desligar.

     Assim que desligo, procuro outro nome em meus contatos. "Tio Phillipe".

   Parece que chegou a hora de reatar os laços com a outra parte da minha família.

💎

    Kate não atendeu nenhuma das minhas ligações. Eu queria apenas saber se Eros está bem, mas ela não me atendeu.

    Então ligue diretamente para ele.

    Eu queria, mas não posso ouvir sua voz ainda. Eu sei que vamos nos encontrar amanhã no trabalho, mas é diferente.

    Ou você só está dando um monte de desculpas porque não quer enfrentar a besteira que fez.

— Meu Deus, cale a boca — resmungo para mim mesma.

    São quase meia noite e eu não consigo dormir. Freya acordou depois do cochilo da tarde e me ajudou a arrumar mais algumas coisas já que Kevin precisou ir. Fizemos isso ao som de músicas infantis que eu coloquei no YouTube graças aos meus dados móveis.

    Agora Freya já está dormindo outra vez depois de um banho e um jantar com pizza e refrigerante. Preciso fazer compras o quanto antes.

    Vou para o meu quarto e deito no colchão no chão. Ainda não montei a cama. Mais uma coisa para fazer.

    Depois de encarar o teto por meia hora e ainda assim o sono não vir, pego meu celular outra vez. Não penso muito quando aperto em retornar a sua ligação.

    Eu conto as chamadas, sentindo uma enorme agonia. Ele pode me ignorar já que não atendi suas ligações. Na verdade, quero que ele faça isso, mas também quero que ele atenda porque…

— Genevieve? — Prendo a respiração quando ouço-o falar meu nome com sua voz rouca. Faz apenas um dia, mas como pode meu coração estar tão apertado? Como pode eu ter sentido tanta saudade de apenas ouvi-lo dizer o meu nome?

— Oi — praticamente sussurro. Tento imaginar sua expressão. Ele está surpreso? Feliz? Chateado?

     Eros não diz nada por um momento e começo a achar que ele desligou quando ouço seu suspiro.

— Como você está?

— Como você está?

    Ele ri, mas sai estranho.

— Uma merda. — Meu coração se espreme ainda mais porque Eros está assim por minha culpa. — Vocês foram embora.

    Engulo em seco, já sentindo meus olhos úmidos.

— Fomos, sim.

— Como Freya está? — O fato de ele perguntar por ela me tira um pequeno sorriso.

— Com saudade de você e dos cachorros.

— Também estou com saudade dela. De você. — Ele faz outra pausa. — Quando vocês voltam?

— Eros… — Fecho os olhos. Eu sabia que não deveria ter ligado. — Não vamos voltar. Não agora, pelo menos. Não até você e eu nos resolvermos.

— Nós sempre nos resolvemos. Você não precisava ir embora. Eu poderia ter ido ficar com o Anthony, se é de espaço que você precisa. Ainda posso fazer isso… Apenas volte.

— Achei que estivesse chateado comigo. — O que quero dizer de verdade é: como você consegue ser tão incrível?

— Eu estou. Mas não gosto da ideia de vocês duas morando em outro lugar.

— Aqui é um bom lugar. É seguro, eu prometo — acrescento a última parte porque quase posso senti-lo querendo debater mais. — Só liguei para saber como você está… depois do dia que teve.

     Eros volta a ficar em silêncio. Quando fala novamente, sua voz está angustiada.

— Você viu o vídeo.

— Sim. — Acrescento quando ele fica em silêncio: — Anthony me disse que Tobias estava dificultando as coisas.

— É. Obrigado, aliás. Seu tio parece ser legal.

    Rio um pouco.

— Aposto que ele foi desagradável.

— Eu não usaria essa palavra, mas já que você diz…

    Reviro os olhos mesmo que ele não possa me ver. Ainda estou sorrindo um pouco. É bom saber que ele está bem, mas não diminui a saudade que sinto dele.

— Nós precisamos conversar, Genevieve — quando diz isso, noto o cansaço na sua voz. Não perguntei se eu o acordei, mas provavelmente sim.

— Sim, mas não agora. Você teve um dia horrível, precisa descansar.

    Outro suspiro.

— Ok. Boa noite. Dê um beijo em Freya por mim, ok?

— Claro. Boa noite. — Queria poder lhe dar um beijo de boa noite, mas como não posso, então digo antes que ele desligue: — E Eros… Eu conheço você. Eu sei que você é um homem bom e não o condeno pelo que fez a Tobias. Para ser sincera, devo te dizer obrigada. — Engulo em seco. — Aquele vídeo não fez eu ficar menos apaixonada por você.

    Acho que Eros não está respirando. Pelo menos eu não o ouço respirar.

    Depois de uma longa pausa, ele volta a falar.

— Obrigado. Eu precisava ouvir isso.

— Durma bem, Eros.

— Boa noite, amor.

    Depois que desligamos, finalmente consigo dormir, um pequeno sorriso em meus lábios.

💎

Ooiiii, o que acharam do capítulo?

A cena da Freya falando que o coração dela tá dodói foi tão------😟💔😭😔😢😣

O capítulo foi mais curto do que o de costume, mas espero que tenham gostado!

Vou tentar postar terça, mas se não der, eu posto antes ou quarta💋

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2bjs, môres♥