Capítulo 2
— Você é da área jurídica, imagino.
— Não, sou detetive particular. Já trabalhei no governo, mas não me adaptei muito bem ao sistema.
— Eu te entendo perfeitamente. Resolvi virar juíza pelo mesmo motivo. Estar do outro lado do tribunal faz com que eu consiga mudar um pouco as coisas, mesmo que seja apenas em meu tribunal.
— É de juízes como você que esse estado precisa. Doses de justiça bem aplicada faz um bem danado para o lado justiceiro. E vossa excelência faz isso como ninguém.
Massageando meu ego com minha competência… esse cara fez o dever de casa.
— Seu nome é?
— Marco. Marco Ferrara.
— É um prazer conhecê-lo! Mas… o que te traz aqui?
— Vim encontrar um velho amigo, resolvemos nossas questões e já estava indo embora.
— Entendi. Bem, tenho que ir. Mais uma vez muito obrigada.
Seu olhar muda um pouco e noto uma certa hesitação antes de falar.
— Gostaria de insistir em lhe acompanhar até seu carro, ainda acho muito louco o fato de estar sem uma equipe de seguranças.
— Na verdade eu até tive uma equipe, só que eu detesto ter gente me seguindo o tempo todo. Mas já que insiste em me acompanhar, vamos lá. O carro está bem pertinho.
Ele assente com a cabeça e assim começamos a caminhar.
O barulho do estalar dos meus saltos no chão é a única coisa que quebra o silêncio entre nós. Esse homem é cavalheiro demais pra sua idade e bonito demais pra sua profissão. Geralmente homens jovens, bonitos e musculosos não estão escondidos atrás de postes fotografando mulheres infiéis. Resolvo quebrar o gelo e pergunto:
— O que de fato te fez sair da polícia? Homens como você não costumam se contentar em descobrir traições para maridos inseguros.
— Não é isso que eu faço doutora. Trabalho com alguns colegas em uma operação que caça assassinos de crimes hediondos. O sistema criminal brasileiro é uma piada, então resolvemos fazer as coisas do nosso jeito. É uma força tarefa bem grande.
— Isso é muito interessante, mas se vocês não são pagos pelo governo, quem está financiando isso tudo?
— Meu pai. Desde que minha irmã foi sequestrada, ele montou uma operação gigantesca para procurá-la. Infelizmente ainda não tivemos sucesso.
— Lamento muito, se eu puder fazer algo para ajudar, é só me dizer.
— Tudo o que dá pra fazer já está sendo feito, obrigado. Mas o fato é que com isso acabamos esbarrando em diversas operações criminosas, o que motivou a mim, meu pai e todos os envolvidos entrarem nessas missões e fazer justiça à moda antiga. Resolver as coisas do nosso jeito eliminou muito mais assassinos do que dentro do sistema judiciário, então as operações acabaram virando uma certa missão de vida do nosso pessoal.
Ouvir isso me arrepiou de uma forma estranhamente excitante. Engulo seco e digo:
— Imagino que o negócio da sua família faça parte da máfia italiana!
— Acertou no país, mas errou no seguimento. Meu pai tem uma rede de restaurantes italianos, La casa Ferrarense.
— Tentarei conhecer um dia, gosto muito de comida italiana.
De italianos também, confesso.
— Fazemos macarrão quase tão bem quanto eliminamos bandidos.
— Pagarei pra ver!
— Nem pensar, será minha convidada.
Ele tira um cartão do bolso e me entrega. Nele estava escrito seu nome e seu número.
— Um cartão de visitas sem o nome do seu seguimento?
— Não tem um nome certo para a profissão de “faço justiça com minhas próprias mãos e seguindo minhas próprias regras” — ele sinaliza as aspas com as mãos — e também não saio por aí distribuindo meus cartões para qualquer pessoa.
— Eu escreveria “justiceiro” no cartão.
— Clichê demais pra mim. Mas obrigado pela dica.
Guardo o cartão na minha bolsa e aproveito para pegar a chave do carro.
— Bem, chegamos. — aperto o botão da chave para destrancar as portas.
— Assim que quiser visitar o restaurante ou precisar de um serviço extra oficial, é só ligar pra esse cara aí do cartão.
— Pode deixar. Obrigada pela conversa e por me salvar daquele doido.
— Não foi nada. — ele pede permissão pra segurar minha mão — posso?
Eu concedo e ele deposita um beijo nela. Fico um pouco desconcertada, mas acabo lhe respondendo com um sorriso. Ele chega mais perto e eu não sei por qual motivo eu não me afasto. Seu rosto se aproxima do meu, minha mente grita para empurrá-lo, mas meu desejo vence e eu acabo ficando. O cheiro do seu perfume amadeirado me convida a me entregar sem que ele precise por nada em palavras. A centímetros de um beijo, eu coloco meu dedo nos seus lábios e digo.
— Boa noite detetive.
Ele entende meu sinal e diz:
— Boa noite meritíssima.
Ele chega pra trás e eu entro no meu carro. Sinto meu corpo aquecer, porém eu foco no que deve ser feito. Viro a chave, piso no acelerador e saio do estacionamento. Olho ele através do retrovisor e sinto meu coração acelerar. Assim que viro o volante e paro no sinal vermelho penso: o que Deus está querendo jogando um homem como este no meu caminho? Espero que a receita desse macarrão italiano não me dê indigestão.
Deitada na cama, procuro o sono nos quatro cantos do meu quarto e não encontro. Só consigo pensar no que teria acontecido se eu não tivesse interrompido aquele beijo. Tem muitos meses que eu não saio com ninguém e mesmo quando eu saí em nenhuma das vezes eu me senti balançada dessa forma, até mesmo porque eu não estou mais nessa fase de relacionamentos. Fiquei pra titia e não me sinto mal por isso. Só que o rosto desse maldito detetive não sai da minha cabeça! Por que eu quero tanto ver ele de novo? É só um cara num bar Dandara! Mais nada! Vai dormir! Me deito de bruços e coloco o travesseiro na minha cabeça me segurando pra não ir na minha bolsa pegar aquele maldito cartão, mas não consigo me convencer. Me levanto, alcanço a bolsa na minha mesa e pego o cartão. Passo alguns minutos olhando seu nome e seu número, releio tantas vezes que já até consegui memorizar os primeiros dígitos. Pego meu celular e digito o número depressa, olho para o visor e vejo as opções “ligar” e “salvar” e fico tentando decidir qual apertar. Salvo o número dele, deixo o cartão de lado, fecho os olhos e me forço a dormir.
Abro os olhos e vejo que a manhã finalmente chegou! Virei de um lado pro outro a noite inteira! Meu corpo oscilava entre frio e calor o tempo todo enquanto o cheiro do perfume daquele maldito detetive martelava na minha memória. Enfio qualquer roupa no corpo, viro uma xícara de café e vou logo pro mercado comprar as coisas pra Cíntia fazer o tal bobó de camarão, pois a lista estava no meu WhatsApp às sete da manhã. Não importa a hora que essa mulher durma, ela sempre levanta cedo pra correr e manter seu corpo irritantemente perfeito! Queria eu ter essa disposição!
Resolvo ir no mercado próximo de casa, que assim não precisaria ir com o carro. Pego um carrinho e vou direto pra fila do camarão, aproveito o tempo pra checar novamente a lista de ingredientes e dentre eles me deparo com azeite de dendê. Onde eu vou achar isso? Quero saber se a Cíntia sabe mesmo onde moramos. Aperto o botão de áudio do WhatsApp e digo:
— Cíntia, amor da minha vida… você esqueceu de me avisar que eu teria que pegar um avião e ir pra Bahia comprar o seu azeite de dendê!
Os dois tracinhos ficam azuis logo, ela manda um emoji de risada e vejo que está gravando um áudio. Deixo o celular de lado, pois sou chamada pelo atendente e o peço um quilo de camarão descascado. Em seguida sou surpreendida com uma voz dizendo:
— Não tem como você ir pra Bahia, reservei uma mesa no restaurante do meu pai para esta noite.
A familiaridade da voz me arrepiou! Era ele! Me viro pra trás torcendo para não estar ouvindo coisas. Aquele par de olhos azuis me analisavam de uma forma nada discreta, o que me faz responder:
— Tem alguém te pagando pra me seguir detetive?
— Se estivesse, estaria jogando seu dinheiro fora, não dividiria essas informações com ninguém!
— Cuidado senhor detetive, desse jeito eu posso achar que você está iniciando um flerte.
— Costumo ser descuidado quando me deparo com alguma coisa que me deixa a noite inteira sem dormir.
Ele também não dormiu? Senhor… se não fosse a minha pele negra, eu estaria corada como um pimentão.
— Que coisa, dormi como um bebê esta noite. — minto descaradamente.
— Bebês não costumam dormir a noite toda, meritíssima.
O atendente me chama bem na hora e me entrega os camarões. O agradeço e viro o carrinho na direção do corredor de hortaliças pra pegar o cheiro verde que é o próximo item da lista. Marco acompanha meus passos e logo eu digo:
— Apesar de estar grata por ter me salvado ontem, não me sinto confortável em saber que tem um detetive me seguindo.
— Eu vim apenas comprar meu velho e bom café. — ele pega um na prateleira próxima a nós.
— Venho neste mercado há mais de quinze anos e nunca te vi aqui.
— Tá bom, não estou sendo um bom mentiroso. Descobri onde você morava e resolvi te fazer uma visita. Mas quando me aproximei do seu prédio, a avistei andando na direção do mercado e te segui.
Não sei se estou preocupada ou feliz.
— Se continuar me seguindo eu terei que colocar minha equipe de seguranças na ativa novamente.
— Pode ter certeza que nenhum deles me impediria de te chamar para jantar.
Um calafrio corre minha espinha.
— Bem, de fato ninguém te impediu.
Ele apoia no meu carrinho e pergunta:
— Oito horas é um bom horário?
— O que te faz achar que eu aceitei?
— Sua pele arrepiada, sua respiração e a intensidade com que olha pra mim.
O filho da puta sabe mesmo ler as pessoas e eu sou péssima mentindo.
— Eu costumo comer mais cedo. Sete horas é melhor. Não se atrase!
— Eu não seria louco!
Ele chega perto e me dá um beijo no rosto, deixando meu corpo implorando por mais! Como ele consegue fazer isso?
— Até mais, meritíssima.
— Até mais, detetive.
Ele coloca o café que havia pegado no lugar e sai do mercado. Depois de recuperar o oxigênio, sigo colocando as coisas da lista no carrinho e aproveito para pegar umas coisas que estão faltando em casa. Cíntia me avisa que ela tem o tal azeite em casa e que vai levar. Graças a Deus! Passo no caixa, pago tudo e sigo para o meu apartamento.
Assim que chego deixo as coisas na cozinha, corro para abrir meu computador e fazer uma pesquisa com o nome dele. Acesso o sistema, jogo os dados e vejo que ele realmente falou a verdade. Seguiu carreira na polícia por cinco anos e depois pediu demissão, cumprindo todas as exigências. Sem antecedentes criminais e nada que manche sua ficha. Ufa! Pesquiso sobre o restaurante da família e realmente a rede é grande! Eles têm restaurantes espalhados por vários bairros nobres do Rio de Janeiro. A rede social deles é bem famosa! Pratos lindos! Nível de masterchef! Como pode eu nunca ter ouvido falar de lá? Preciso mesmo voltar a ter vida fora daquele tribunal! Me perco rolando o feed da página até que o “blim-blom” da campainha me traz de volta a realidade. Me levanto e abro a porta.
— Bom dia chefa! — diz Cíntia.
— Ah, resolveu usar a campainha hoje?
— Esqueci a minha chave no carro!
— E eu crente que você tinha começado a usar seu bom senso!
— Só depois que você começar a namorar!
— Eu mereço! — esbravejo — Cadê as meninas?
— Estão subindo, não tranca a porta!
Olho pra trás e vejo Luciana, Jéssica e a ruiva de ontem a noite.
— Bom dia gente! — digo com simpatia.
Todas me cumprimentam com beijinhos e abraços.
— E não é que você veio pra ficar? — digo pra ruiva.
— Pois é, sua amiga é um tanto quanto… viciante! — faz cara de sacana.
— Ah você não é a primeira a dizer isso!
Jessi me dá uma cotovelada e diz:
— Mas já vai começar a me desmoralizar?
— Relaxa, meu amor. Eu posso perfeitamente conviver com seu passado. — diz a ruiva sendo fofa.
— Mas já estamos assim? Jessi minha querida, eu preciso da sua receita! — diz Cíntia — O dia que eu pegar um boy e ele me chamar de “meu amor” no dia seguinte, vou saber que gabaritei a prova da vida.
— Exagerada como sempre! — implico — Mas me conta ruiva, qual é mesmo o seu nome?
— Pâmela.
— Ah sim. Bem Pâmela, fica à vontade, a casa é sua.
— Muito obrigada Dandara. Seu apartamento é lindo!
— De nada adianta, ela não trás ninguém pra cá! — diz a chata da Cíntia.
— Vou fazer você dobrar a língua!
As três olham pra mim.
— Como assim? — elas dizem ao mesmo tempo.
Vou na geladeira, abro umas cervejas e começo a contar pra elas o que aconteceu ontem e hoje. Conforme eu ia contando, os olhos delas iam se arregalando. Dona Cíntia quase cortou os dedos cortando os camarões.
— Você já escolheu o que vai usar? — pergunta Lu.
— Ah é, não dá pra vestir aquelas tediosas blusas sociais e as famosas saias lápis. — completa Jessi.
— Gente eu sou uma mulher de 37 anos, eu sei me vestir pra ir num encontro!
— Mas as coisas com esse cara são diferentes! Ele te impressionou a cada instante que vocês estiveram juntos. Tem que estar vestida pra matar! Sedução em modo on! Nada de ficar sendo controlada e comedida! — ordena Cíntia.
— Gente eu sei que cheguei agora no rolê, mas se o cara se impressionou com ela sendo quem ela é, continuar agindo normalmente é a maior arma que ela tem. — diz Pâmela.
— Viu? Até ela que chegou agora me dá melhores conselhos que vocês! — dou um beijo na testa dela.
— Ela pode até falar bonito, mas vamos agora no seu guarda roupa decidir o que você vai vestir!
A minha tropa de amigas se colocou na direção do meu quarto e eu não tive escolha a não ser ir junto. Jéssica abre meu armário jogando de lado todas as minhas roupas de trabalho e vai direto na parte dos vestidos, realmente tenho que concordar que vestido é uma boa opção mesmo. Como a Lu me conhece melhor nessa questão de roupa, ela puxa um vestido azul longo que eu tenho e sugere.
— Este!
Cíntia diz:
— Não, ela precisa mostrar essas pernas!
Ela vai na minha pilha de saias e pega uma saia preta que ela mesma me deu que tem uma abertura na lateral.
— Até que eu gosto desta! — comemoro.
— Ok, se ela vai mostrar as pernas, tem que tampar o decote…
Lu puxa uma blusa verde de cetim do cabide e elege:
— Prontinho. Ainda vai mostrar os ombros sem ser vulgar.
— Sou obrigada a concordar, a blusa é linda! — concorda Cíntia.
Elas jogam as roupas sobrepostas na cama e combinam com alguns acessórios enquanto eu fico observando e vendo que elas estão mais empolgadas pra este encontro do que eu. Olho pra cama e vejo um look perfeito!
— Bem, eu adorei! Muito obrigada minhas fadas-madrinhas!
Elas fazem pose de “missão cumprida” e assim fomos para o nosso almoço.
Tudo corre bem durante a tarde. Cíntia mais uma vez super acerta na comida e brilha exibindo seus dotes culinários. Elas me ajudam com a louça e com a organização da cozinha e quando chega a tardinha elas vão embora. Assim que fico sozinha, me deparo com a maldita ansiedade! Me sinto uma adolescente! Que ridículo Dandara!
Olho pro relógio e o ponteiro já está próximo do sete. Me encaro no espelho e fico muito feliz com o resultado. Minhas “personal stylists” mandaram muito bem! Pra completar o conjunto, dou duas borrifadas do meu perfume favorito no pescoço e nos pulsos. Pego a minha bolsa e vou até a janela para ver se ele já está lá embaixo e tenho minha resposta positiva. Aperto o botão do elevador e comemoro quando as portas abrem rápido. Os andares passam mais devagar do que o de costume, ou será que é só minha ansiedade de novo? Chego na portaria, cumprimento o porteiro e me direciono para a calçada até que bato os olhos nele! Blusa de botão azul, calça preta e sapatos sociais. Não sei como, mas ele conseguiu ficar ainda mais bonito! Me aproximo e noto que ele está tão impressionado quanto eu. Será que ele também teve uma força- tarefa de amigos para vestir ele? Noto uma discreta corrente dourada no pescoço com um pingente de crucifixo, gostei bastante desse toque elegante. Sem falar no belo relógio combinando em seu pulso! Ele era um misto de elegância, beleza e pecado! É Dandara… pelo visto o tal do destino finalmente resolveu lhe sorrir!
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro