— QUE BA-BA-DO! Quer dizer que aquele boy maravi-lindo agora tá solteiro na pista, é?

— Sim, Tonto, eu tô bem aqui ainda. — Fernando jogou uma bolinha de papel na cabeça do namorado. Estavam os quatro na praça de alimentação do shopping. Após toda a confusão no período da manhã, Tássia correu para avisar seu esquadrão e marcou de se encontrarem.

— Ave, até parece que eu ia te trocar por aqueles músculos, aquele perfume incrível, o jeito nerd, a forma de arrumar os óculos, aqueles braços, aqueles...

Raquel pegou um guardanapo e passou na boca do amigo.

— Cuidado pra essa baba toda não cair na roupa, migo.

— Acho que mais alguém quer ficar solteiro, isso sim...

Hilton deitou a cabeça no ombro de Fernando.

— Ai, ai, Quem me dera se que conseguisse te esquecer, chuchu. Mas já estamos grudados, né? Agora, meu filho, ferrou-se!

O quarteto sorriu, uma felicidade que atraía a atenção das outras pessoas. Tássia agradeceu por ter eles com quem conversar em um momento como aquele. De fato, quem os via devia ter inveja mesmo. Em tempos tão estranhos, de relações sociais tão frágeis, ter um grupo de amigos como aquele, há tantos anos, era uma dádiva.

Ainda mais um grupo que aparecia como num piscar de olhos assim que um dos membros precisava desabafar.

— Tu já soube notícias dele depois de tudo?

A garota olhou para Fernando e suspirou.

— Nada. Antes de chegar aqui, eu até cheguei a ligar pra saber se estava tudo bem, mas ele não atendeu. E eu também não quero ficar ligando toda hora. Acho que a situação dele já é bem delicada pra ainda ter que ficar atendendo ligação de ex-namorada.

— Coisa que vocês dois nunca foram, né, more?

Raquel cruzou os braços.

— Hilton, o Fernando tem razão: tu és de uma delicadeza bovina.

— Hum, agora eu vi. Até parece que a senhorita também não falava a mesma coisa que eu.

— Sim, eu falava mesmo. Mas não assim, sem tato.

— Pois quem muito tateia fica sem dedo — os outros sorriram. — Eu sou igual a Hebe Camargo.

— Rica e famosa?

— Não, engraçadão. Eu sou é direto. E se eu fosse a Tássia, eu ligava era mesmo. O boy precisa de ajuda nesse momento, gente! Não é tão simples se declarar assim pra família.

— Com a gente foi — Fernando disse, pensativo. — Foi uma sorte.

— Óbvio, né? Eu fui uma criança viada. Minha mãe disse que quando eu nasci, ao invés de chorar, berrei feito sirene de ambulância. Uôôôôôô... — Tássia e Raquel caíram no riso. — Mamãe ia receber o troféu Rainha da Lerdeza se esperasse algo diferente de mim. Gente, com cinco anos eu pegava os lençóis e fazia vestidos, por favor.

— E tu, Fernando? — Raquel perguntou.

— Ah, comigo também não foi muito traumático.

— Ave, lá vem a reencarnação de Freud! Se preparem...

— É sério. Quando eu percebi que ao invés de olhar pras meninas eu era atraído mais pelos meninos e que eu só andava com meninas, por exemplo, a ficha caiu de uma vez. Aí, no dia que dei meu primeiro beijo num outro garoto, disse logo pra minha mãe.

— Com quantos anos?

Fernando olhou para Tássia e sorriu, zombeteiro.

— Oito.

— Oito anos? — Raquel chegou até a bater na mesa. O grupo ao lado até parou de conversar para olhar assustado para ela. — Eu me empolguei, desculpa. Gente, com oito anos eu só queria saber quando é que as férias iam chegar pra poder brincar de boneca.

— Eu fui meio precoce. Mas, enfim, mamãe conversou bastante comigo, disse todo aquele papo de não é a hora, etc, etc. e sempre deixou bem claro que estava tudo bem e eu não tinha que me importar com isso e nem deixar que as pessoas me levassem a achar que tinha alguma importância.

— Bafônica minha sogra. Prêmio RuPaul de Mãe Colorida do Ano. Agora, quanto a sogra de certas pessoas...

— Ex-sogra — Tássia corrigiu. — Por favor, ex-sogra. Mas, sério, não é possível que dona Gigi vai dar um pé na bunda do próprio filho. Há limite pra tudo.

Fernando e Hilton trocaram olhares misteriosos, sem dizer mais nada. Raquel decidiu quebrar o rumo que a conversa tomava em direção a assuntos tensos.

— Olha, eu acho que o Patrick vai conseguir. Se, como tu disseste, ele estava mesmo tão afogueado pra enfrentar a situação, eu acho que já é meio caminho andado.

— E ele tem a gente pra apoiar — Fernando garantiu. — Apesar de tudo, a gente não vai deixar ele ficar pra baixo. Nessas horas, é todo mundo se dando as mãos e fazendo corrente pra puxar o amiguinho de dentro do poço.

— Bom, eu só acho que se a gente for fazer corrente humana pra salvar alguém de um poço, vai todo mundo é cair lá pra dentro.

Raquel deu um tapa na cabeça de Hilton no exato momento em que o número do pedido deles apareceu na tela da lanchonete. Fernando e Tonto foram buscar os lanches.

— Tássia, e o Breno?

— Está inteiro.

— Depois de tudo o que aconteceu, eu fui dar uma investigada, sabe?, e vi que deve ter sido uma barra pra ele, né?

— Por quê?

— Bom, eu encontrei o perfil do Hélio no Instagram. E ele tá mesmo na Legião Estrangeira, como o Patrick disse. Mas, em umas fotos mais antigas, ele fazia uma homenagem pra gêmea dele, a tal da Élida.

— Bom, até aí normal. O que isso tem a ver com o Breno?

Raquel respirou fundo.

— Tássia, a Élida morreu.

— Eu já sabia disso. O Patrick me contou.

— Pois é. Mas, no final do texto, ele marcou o Breno e disse... como foi? Espera, eu tirei print — mexeu no celular e encontrou o que buscava. — Aqui: "@Bren_nou espero que você já tenha superado tudo e encontrado a força necessária pra retomar o sentido de viver. A Eli continua conosco e, tenho certeza, torcendo pra que todos nós voltemos a sorrir. Não desiste dos teus sonhos, cara."

— De quando é isso?

— Bom... deixa eu ver, deixa eu ver... Um pouquinho mais de dois anos atrás.

— Dois anos... Coincide meio que com a época de quando sai o resultado final das provas, né? — Tássia pediu para ver a data da publicação e depois procurou algo pelos portais de notícias do Maranhão. — Aqui: essa publicação é de depois do resultado final do ENEM mesmo. Olha aqui as reportagens sobre o sucesso do Breno e a nota perfeita na Redação.

Raquel olhou os garotos voltando com as bandejas.

— Será que o Breno desistiu de tudo por causa da morte da namorada?

Tássia negou, sem saber o que responder.

Tinha consciência de que ainda faltava uma peça, a peça final, para ela concluir aquele quebra-cabeça deixado por Patrick. A questão era: queria de verdade embarcar nessas intimidades?

Às vésperas do ENEM, queria mesmo tomar para si mais uma dor de cabeça como aquela?

***

O CLIMA NO GERAÇÃO MUDOU APÓS A SAÍDA DE PATRICK FORIN. Ninguém admitiria na cara dura que era por causa da expulsão do colega. Apesar disso, era inegável que o encerramento das provocações entre ele e Breno oxigenou o cursinho. Num estalar de dedos, tudo voltou ao normal.

Ou quase.

Tássia ainda não soubera notícias de Patrick. Três dias depois, sem obter respostas pelo WhatsApp, ousou até ligar para a casa dele. Contudo, quando dona Gigi atendeu, a garota não teve coragem de falar nada e encerrou a chamada. Só sabia que ele estava vivo porque, em uma madrugada quando terminou de estudar, teve a ideia de entrar no World of Warcraft, jogo preferido do ex-namorado, e viu que ele estava online. Tentou conversar, mas Patrick foi escorregadio. Limitou-se a afirmar que tudo estava "caminhando a passos lentos", seja lá o que isso significasse. Ela até pensou em aparecer na casa dele, uma ideia que jogou para escanteio logo que mais um Simulado Geral foi marcado. Seria o último.

Dessa vez, os professores prometeram, iriam fazer a simulação nos mesmos moldes que no ENEM: provas com o mesmo nível de dificuldade, em dois finais de semana, com a mesma divisão de matérias, o mesmo tempo de execução, mesmo horário de chegada. Depois de tanto esforço, era uma oportunidade de ouro para testar como andava o ritmo de estudos e o que ainda precisava de ajuste.

E foi assim que a turma começou a se dividir em grupos de estudo e marcar fora do cursinho para darem aquela estudada. Quando Tássia e os amigos perceberam que Breno tinha ficado de fora, muito devido a sua fama de festeiro bem distante do aluno dito exemplar que tinha sido um dia, o quarteto decidiu chamar o rapaz para estudar.

Breno parecia estranho aos olhos deles. Após o circo com Patrick e a revelação de várias de suas intimidades do passado, todos pensaram que o rapaz mudaria de atitude, talvez quisesse até retomar suas glórias de quando era aplaudido por ser um exemplo de aluno. Longe disso, quando Fernando disse para ele que se encontrariam no sábado pela manhã na Biblioteca Pública Benedito Leite, no centro de São Luís, Breno deu a entender que seria difícil ele ir.

— Por quê, homem? — Raquel quis saber.

— Porque é sábado, ora. Vocês não aproveitam as noites de sexta-feira?

Os quatro pensaram que ele estivesse de brincadeira. Buscaram nas feições do atleta algo de ironia, porém, só encontraram seriedade.

— Querido — Hilton franziu o cenho —, eu tô guardando minhas energias pras calouradas da Universidade. O sacrifício de agora é pra gente conquistar algo lá na frente.

— Lá na frente? — Breno balançou a cabeça. — Sinceramente, eu acho que o "lá na frente" de vocês é longe demais. E não é garantia de nada. Vocês tão aqui, sorrindo e evitando várias coisas por causa do ENEM. Beleza. E aí, de repente — estralou os dedos —, acabou.

— Cara, se tu tem esses pensamentos, o que é que tu ainda faz aqui? Sério. Tá parecendo o Patrick.

Breno voltou a balançar a cabeça em discordância de Fernando. A cantina do cursinho fervilhava aos primeiros minutos do intervalo, com muitos alunos em busca de comprar um lanche.

— Eu não tô aqui só por mim.

— Vixe, o bofe tem um encosto!

Até o rapaz sorriu, mas não falou mais nada a respeito daquele tema. Mudou de assunto.

— Eu vou fazer um esforço pra ir com vocês, certo? Todo mundo feliz?

Quando os colegas assentiram, Breno se despediu e embrenhou-se por entre os demais famintos. Enquanto fazia seu pedido, Tássia olhou para a tatuagem no braço do rapaz.

Algo lhe dizia que aquele rosto era o motivo para ele estar no cursinho.

*** 

[Alguém se roendo de curiosidade para saber a história por trás dessa tatuagem? Já está óbvio de quem é esse rosto, né? Mas qual o MOTIVO de estar nessa pele, nesse contexto? Sim, deixe seu voto e embarque na mente do Breno. Temos um encontro que será, hum... peculiar.]