19. O TÉRMINO (PARTE 2)
A PALAVRA CAOS NÃO CONSEGUIRIA DEFINIR O QUE TINHA VIRADO O CENTRO DE SÃO LUÍS. Dizer que parecia "um nó muito bem apertado" indicaria com mais precisão o que era aquela quantidade de veículos e de pessoas pelas ruas. Por sorte, o motoqueiro chamado pela doutora Belinda já estava acostumado a se virar. Tássia não se sentiu tão confortável em ver o cara subir em calçadas, entrar em becos minúsculos e até andar na contramão. Seu lado certinha berrava para que descesse daquela moto imediatamente. Porém, ao lembrar do que tinha visto no WhatsApp, voltava a se encher de coragem para prosseguir nas contravenções. E foi assim que chegou ao cursinho.
Estava tudo deserto, algo que ela constatou assim que entrou pelo portão e deu de cara com o segurança. O funcionário a olhou e fingiu não olhar, voltando a atenção para o folheto que tinha nas mãos. Mesmo assim, quando a garota caminhou em direção às escadas, sentiu os olhares em suas costas O clima estava tenso. Foi só ao segurar no corrimão que olhou para o corredor da cantina e estancou.
Havia certa bagunça ali, como se tivessem afastado as mesas e as cadeiras para fazerem uma limpeza. O bebedouro estava fora da tomada, amassado de um lado e com uma das torneiras faltando. A responsável pela cantina não estava à vista. Tássia percebeu que alguns cacos de vidro estavam sobre o balcão. Pensou em voltar para perguntar ao segurança o que tinha acontecido, mas não foi preciso. Ao olhar para o alto, Breno descia acompanhado do diretor do Geração. O garoto exibia um corte no lábio superior, o olho direito envolto por tons arroxeados e massageava o ombro esquerdo.
Quando se deu conta de quem era a pessoa boquiaberta diante dele, o novato forçou o rosto a assumir uma expressão de fúria.
— Olha só quem apareceu! Veio acudir teu namoradinho descontrolado, foi?
O diretor massageou as têmporas.
— Breno, por favor. Chega. Tá bom? Acabou a história. A gente já teve um início de manhã bem agitado.
— Por causa de quem, o senhor saberia dizer? — o rapaz soltou, irônico.
Tássia subiu um degrau.
— O... O que aconteceu?
O professor Geraldo abriu a boca para falar, mas Breno desceu um degrau e esticou o corpo como se quisesse se jogar sobre a recém-chegada.
— O teu amado Patrick não aguentou escutar umas verdades e decidiu resolver as coisas no braço — passou a língua pelo ferimento na boca e fez uma careta. — É, até que ele bate bem quando escuta umas verdades na cara.
O diretor fez menção de intervir. Tássia se adiantou.
— Professor, eu posso conversar com o Breno sozinha?
O homem olhou para ela com ar cansado. Pelo visto, já não bastava a loucura da cidade para lhe perturbar a paz, os alunos haviam decidido se engalfinhar nas dependências do cursinho. Com ar resignado, talvez até feliz de ter um segundinhos de tranquilidade, assentiu e deu dois tapinhas nos ombros do aluno.
— Juízo, hein, rapaz. Por favor.
— Professor — a garota deu um passo acima —, e o... o Patrick? — Olhou para o estado do rosto de Breno e também para os músculos do rapaz. Assustou-se. — Ele está...
— Está vivo, sim! — ajeitou os óculos sob o nariz, mas pareceu se condoer do rosto apreensivo da namorada do outro rebelde. — Ele está lá na minha sala esperando a mãe dele vir para que...
— A mãe dele?
Se não fosse pela situação na qual se encontravam, seria risível ver o diretor revirar os olhos e erguer os braços como se pedisse ajuda aos céus. Geraldo resmungou alguma coisa sobre "descontrole" e "hormônios demais", deu as costas aos dois e desapareceu no silêncio do prédio.
Breno olhou para Tássia e passou por ela. Desceu em direção às cadeiras em frente a cantina e esperou que a garota fizesse o mesmo.
***
— TÁ, O QUE FOI DESSA VEZ? O que foi que tu disse pra ele?
— Eu? O que te faz achar que eu foi quem começou com essa palhaçada?
— As últimas semanas em que tu tens provocado o Patrick, será isso?
Breno cruzou os braços e fez cara de dor.
— Eu tava ali — indicou o bebedouro com o queixo — bebendo minha água quando o maluco chegou feito um touro. Aí, ele foi logo me empurrando, perguntado o que eu tinha falado pra ti e me chamando de idiota. E... bom, e aí aconteceu de a gente começar a trocar socos. Eu não sou Cristo pra dar a outra face.
— Eu vou te perguntar de novo: afinal de contas, qual o problema entre vocês dois? — e acrescentou. — Ah, e não me vem com essa historinha de assuntos do passado e perguntar pro Patrick. Sério. A gente já deu voltas demais e olha no que deu.
Breno assentiu. Envolvidos por aquele vazio, somado aos machucados, ela viu diante de si um garoto bem diferente daquele que conversara com ela na biblioteca. Agora, ele parecia mais cansado e, Tássia se surpreendeu, até triste.
— Lembra da tal foto? Aquela que saiu do nada e deu início a tudo isso? — A garota concordou. — Bom, o cara na foto junto com a gente, o Hélio, era namorado do Patrick. É isso. O clichê dos clichês. Só não viu quem não quis.
Tássia abriu a boca, mas nada saiu. Óbvio que, depois de toda a boataria em torno do namorado, havia uma desconfiança sobre a sexualidade dele. Contudo, era algo que ela não chegou a cogitar de verdade.
Ou, pensou em seu silêncio, talvez não quisesse cogitar.
— Esse boato é...
— Não é boato, Tássia. É a verdade. Aceita. O Hélio é irmão da minha ex-namorada, a Élida. Como eu te expliquei, o Patrick já era amigo deles antes de eu aparecer. E ele e o Hélio namoravam, só que escondidos. São os fatos.
— Isso... Isso não faz sentido! Quer dizer: por que ele não me contou?
Breno respirou mais fundo.
— Você sabe muito bem, por favor — a imagem de dona Gigi piscou na mente dela. — Olha, eu sei que é difícil aceitar que, bem, que ele te usou...
— Espera: tu quer dizer que esse... esse Hélio continuou com ele mesmo depois que a gente...
— Não. Você entendeu errado. Eles terminaram faz tempo. — Uma nuvem passou pelas pupilas de Breno, mas Tássia, apesar de ter percebido, optou por ignorar a sensação. — Eles não estavam mais juntos há um bom tempo.
Ela se levantou e caminhou de um lado para o outro. Por mais que a obviedade transparecesse em cada um dos seus gestos, a teimosia ainda tentava encontrar saída.
— E... Certo. Ok. Ele tinha um namorado. Ora, por favor, isso não é nenhum problema, não é? Ele pode ser... bissexual. Ou pansexual ou ter tido uma curiosidade e...
— Tássia...
— Não e ele pode muito bem ter um motivo pra não ter me dito, não é? Pode... Pode pensar que eu, bem, que eu ia pensar alguma besteira, como todo mundo fez. As pessoas são muito preconceituosas. E tu ficar provocando ele por causa disso só mostra que...
— Ei, espera aí! Eu não estava provocando o Patrick. Tudo bem, eu perdi o controle nas indiretas que eu jogava pra cima dele, mas era só porque eu percebia que ele estava, de novo, comento o mesmo erro.
— Qual erro?
— Não gostar de si mesmo. E pior: de novo, levar alguém para junto do mesmo poço onde ele se enfiou.
— De novo?
Breno desviou a atenção para a cantina vazia.
— Olha, o meu problema com o Patrick é que a covardia dele prejudicou muito o Hélio e a Élida. Os pais deles não eram lá muito mente aberta, entende? Por isso, eles namoravam escondido. Aí, chegou a um ponto em que o pai deles descobriu e, enfim, você deve imaginar a confusão. O problema é que, quando o Hélio foi confrontado e decidiu se declarar gay, o Patrick deixou ele na mão, fingiu que era mentira que eles namoravam e... e...
Breno titubeou e encarou Tássia. As palavras pareciam engasgadas na garganta dele.
— E o quê? Fala!
— Certo. Foi aí que ele surgiu com o teu nome na história. Eu estava na casa da Élida quando a mãe do Patrick foi lá conversar com os pais deles e... Bom, o Patrick disse que tudo era mentira, que o Hélio só vivia atrás dele, chegou até a falar em assédio.
— Meu Deus!
— Pois é. Aí, ele disse que uma tal de "Tássia" era namorada dele há anos. Falou que vocês estavam juntos desde o fundamental. Enfim, muita coisa aconteceu depois, com todo mundo. Depois desse tempo todo, eu pensei que ele não estivesse mais acorrentado a essa mentirada toda. Mas assim que eu pisei aqui eu vi que o Patrick não mudou nada...
Ele ergueu os ombros. Estava dito. Paciência. O resto da história poderia ser deduzido sem a ajuda dele. Estava claro que Patrick, como os amigos tanto teorizaram para Tássia, escondia a própria sexualidade e usava a namorada como um escudo.
— Eu preciso falar com ele.
— Impossível. O professor Geraldo não vai deixar você entrar naquela sala nunca. Ainda mais por causa de uma certa pessoa.
Breno apontou para a portaria. Ali, uma bolsa à tiracolo que daria para carregar um bebê dentro, óculos escuros e um crucifixo pendendo do colar, dona Gigi havia acabado de entrar no prédio. Falou algo com o porteiro. Enquanto esperava o homem interfonar para o diretor, a mulher relanceou a atenção em volta até parar no fundo do corredor. O olhar pousou sobre a nora. Tássia prendeu a respiração. Talvez tivesse sido uma impressão causada pela distância, mas teve a sensação de que a mulher balbuciou um palavra contra a ela. Um minuto depois, o segurança assentiu e indicou a escada. Dona Gigi sumiu de vista.
— Tássia, o Patrick vai precisar muito, muito de ti.
E esse era o medo da garota.
***
[Como dizia o escritor Isaac Asimov, "a violência é o último recurso dos incompetentes". E nesse caso o que não faltam são incompetentes, né? Ufa... Deixe seu voto, refresque a mente e tome um gole d'água. Esse término ainda não terminou.]
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