18. O TÉRMINO (PARTE 1)
TÁSSIA DECIDIU APROVEITAR O FINAL DE SEMANA PARA FICAR LONGE DAS REDES SOCIAIS. Desligou o celular, passou longe do computador e relaxou. A única coisa que se permitiu fazer foi enviar uma mensagem para Patrick:
"A gente precisa conversar segunda-feira. É urgente. Não pode passar."
A qual obteve como resposta uma pergunta:
"É o que eu estou pensando?"
"Não sei. O que tu está pensando?"
Porém, não houve mais contato. Em prol da própria sanidade, ela decidiu ignorar e se manteve afastada. Sentia-se muito mais confiante diante das suas decisões, mais assertiva. A conversa com o pai a deixara mais tranquila em relação ao que deveria fazer em relação ao namoro. O resultado imediato foi que, pela primeira vez em semanas, conseguiu estudar sem que a mente pendesse para os problemas. Até chegou a pensar que o seu objetivo, enfim, estava nos trilhos. E foi com essa certeza na mente que ela foi para o cursinho naquela segunda-feira.
Há certos dias em que o trânsito de São Luís parece disposto a colaborar para moldar o destino dos ludovicenses. Foi Tássia entrar no ônibus, passar pelo cobrador e sentar-se para entrarem em um engarrafamento de desafiar a paciência até do mais tranquilo dos seres humanos. Enquanto esperava junto aos outros passageiros desolados e resmunguentos, ela até tentou aproveitar para ler alguma coisa. Não deu certo. Decidiu estudar e até mesmo jogar no celular. Contudo, nada a deixou confortável. E não era por causa da situação urbana ao seu redor.
Saiu de casa disposta a resolver a situação com Patrick. Ponto final. Encerraria o namoro naquele dia. Já até tinha preparado um discurso de "não está dando certo" e "espero que tu saiba que continuo de braços abertos". Quando terminassem as aulas, convidaria o garoto para se sentarem na praça Gonçalves Dias, um lugar apaziguador banhado pelo pôr-do-sol, e abriria o jogo. Se ele quisesse se abrir também, ótimo. Ela estava disposta a escutar, sempre de mão aberta. Senão... bem, paciência.
A cidade, porém, não estava disposta a contribuir. À medida que o relógio corria e o atraso se tornava evidente, Tássia começou a sentir um incômodo, uma vontade até de descer do ônibus e correr pelas ruas em direção ao cursinho. Pensou se não seria o indício de uma nova crise de ansiedade, quando o celular pescou algum sinal de internet e vibrou diante da chegada de uma mensagem.
"O que tá acontecendo aí?"
Fernando tinha enviado a mensagem há cerca de trinta minutos. Um gelo caiu pelo estômago dela. Era aprovável que o amigo pensasse que ela já estivesse no Geração. Abriu o grupo do cursinho. Ficou surpresa ao ver que havia várias fotos enviadas quase no mesmo horário que Fernando tentara falar com ela. Tássia tentou abrir uma, mas os dados móveis não ajudaram. Entre as imagens, havia mensagens que só serviam para a confundir ainda mais.
"Não acredito que ele fez isso!"
"Gente, esse menino tem um problema!"
"Isso é um cursinho ou um ringue?"
"Espero que seja expulso"
Ela olhou para o lado de fora. Estavam parado a pelo menos vinte minutos sobre o Elevado do Trabalhador. Nas avenidas, os rios de veículos apontavam para a gravidade daquela situação. Ninguém andava nem um metro sequer, a não ser as motos.
Tássia tornou a olhar para o a quantidade de mensagens nos grupos. Balançou a cabeça. Quando deu por si, já tinha descido do ônibus e corrido para a faixa divisória entre as vias. O que estava fazendo? Se os pais a vissem ali, pensariam que tinha enlouquecido. Nunca fora de ter rompantes como aquele. A questão é que, a depender do que a vida impõe, é preciso fazer coisas impensadas para tentar se adaptar e sobreviver.
"Ou salvar os pedaços de alguma coisa que sobrou...", concluiu.
Ignorou os olhares dos motoristas, curiosos ao verem aquela corajosa (leia-se "maluca") no meio do trânsito, e fez sinal para a primeira moto que avistou. Por pouco, não foi atropelada. Encostou-se a um carro, o coração na boca.
— Sai do meio da rua, filha de Deus! — a senhora dona do veículo colocou a cabeça para fora.
— Eu... Eu preciso chegar a um lugar.
Outro moto passou tirando um fino da adolescente.
— Só se for no céu... — a mulher fez uma cara de desgosto, mas pareceu se condoer. — Vai, entra aí por enquanto.
Tássia escutou o som do destravar das portas e entrou no banco traseiro ao mesmo tempo em que outra motocicleta quase a levou com tudo. A motorista estava com o rádio ligado no jornal, cujas notícias indicavam que alguns motoristas do transporte coletivo, do nada, haviam parado no Centro para protestarem contra os assaltos aos ônibus. Esse era o motivo do atravancamento da capital.
— Tu estuda onde? — a senhora perguntou pelo retrovisor.
— Faço cursinho. No Centro.
— Vixe! Pois esquece. Já tem até polícia por lá.
— Eu preciso ir assim mesmo. É importante...
O suspiro que a mulher soltou podia ter sido tanto por cansaço diante da juventude transgressora, como também por pena. O caso é que ela se esticou sobre o banco do passageiro, abriu o guarda-volumes e retirou uma agenda. Buscou por alguma coisa entre as folhas até encontrar um cartãozinho. Entregou para sua convidada.
— É uma empresa de motoqueiros que sempre faz entrega lá no hospital. UBER com esse trânsito deve estar o olho da cara.
A jovem pegou o papel, mas se acanhou.
— É... Bem... É que, sabe... Eu não tenho crédito pra ligação... Esqueci de...
— Tá, tá — puxou o número de volta, pegou o próprio celular e ligou. Minutos depois, confirmou onde estava. — Pronto, um deles já vai vir. Está pertinho daqui.
— Obrigada mesmo.
— Qual o teu nome, bem?
— Tássia.
— Certo. Sou a Belinda.
Tássia se lembrou daquele nome.
— A senhora disse que os motoqueiros entregavam no hospital. É... médica?
— Sim. Psicóloga. No...
— ... Hospital Universitário.
— Hum, sim — parou de olhar para a garota pelo retrovisor e virou-se no banco. Sorriu. — Já me conhece, é? Não sabia que eu estava tão famosa.
— É que eu fazia terapia com a doutora Travassos na clínica dela. E uma vez ela mencionou o seu nome, disse que vocês duas tinham um projeto pra difundir mais a terapia entre os adolescentes.
— Apodere-se da certeza de que você está segura e vai ficar tudo bem — Belinda repetiu o mantra da doutora Travassos. — Ah, Jânia é ótima. Ajudou muitos adolescentes a encarar a vida com mais serenidade.
— Sim. Eu bem sei. Precisei muito dela quando tive um problema por causa das provas e tudo.
A médica assentiu.
— Eu imagino mesmo. A sociedade exige muito de vocês. Eu acho um absurdo essa loucura de alguém de quinze, dezesseis, dezessete anos ter que decidir o que vai fazer pro resto da vida. Ninguém sabe. O bonito é como amadurecemos, nos alimentamos de experiências e, só lá na frente, descobrimos o que realmente queremos. Eu mesma! Eu só fui me dar conta de que queria mesmo era Psicologia já com trinta anos nas costas.
— A senhora fazia o que antes?
— Eu cresci com todo mundo dizendo que eu ia fazer Direito ou Medicina. O clássico. Fiz o vestibular, passei pra Medicina e... Foi um horror! Ainda bem que na universidade tinha atendimento psicológico, terapêutico, e foi um médico de lá que me impulsionou a ir atrás do que eu queria. E eu fui. Como que alguém de 17 anos vai saber o que quer pro resto da vida, gente? As pessoas mudam muito. Eu só tive convicção do que eu queria mais de dez anos depois, mais madura, com mais experiência de vida. E, mesmo assim, não é cem por cento de certeza.
— E ainda tem todo o resto... — Tássia falou mais para si do que para a psicóloga.
— Amores, os pais, os amigos; ter que se sustentar, ter que ser legal nas redes sociais, publicar fotos, sorrir; assistir às séries mais bombadas para ter o que conversar, tentar se inserir nos grupos, perguntar-se se é legal o suficiente; sexualidade, lidar com as perdas, não saber quem é...
— Nossa! A senhora é uma psicóloga boa mesmo!
— Não, meu bem. Longe disso. Tem mais a ver com o fato de nunca esquecer de quando fomos adolescentes. Quando ficamos adultos, temos a mania de achar que somos melhores, mais inteligentes, imunes ao que consideramos como "besteiras da juventude". Mentira! No fundo, no fundo, somos todos iguais, só que com um pouquinho a mais de experiência nas costas.
— Tem um amigo meu que ia adorar estar aqui nessa conversa. Ele quer fazer Psicologia.
— Ah, mais um colega. Que bom — ela olhou pelo retrovisor. — Moto azul com listras brancas. Acho que já é a tua carona. Não te preocupa que eu já paguei a corrida.
— Mas...
— Nada de "mas", Tássia. Como a minha mãe sempre me dizia, "de vez em quando, faça um favor a alguém sem esperar nada em troca. É bom para a cutis".
A garota ficou envergonhada, mas sorriu. Muitas pessoas reclamam de São Luís, caótica como qualquer metrópole. Porém, talvez pelo fato de ser uma ilha, talvez pelo fato de a população não chegar nem a um milhão e meio de habitantes – isso considerando os quatro municípios da região metropolitana que dividiam esse espaço reduzido -, a vantagem da cidade era que a chance de encontros como aquele acontecerem aumentava consideravelmente.
Não à toa, a frase mais dita pelos ludovicenses é "São Luís é um ovo".
Quando o motoqueiro se aproximou, a doutora pôs o braço para fora para indicar onde estavam. O motociclista, então, parou no espaço à frente, entre o carro e o ônibus.
— Obrigada mesmo, doutora Belinda.
— Ah, que é isso. Tá na tua cara que, seja lá o que for, é assunto sério. Vá e resolva. Não durma com dúvidas, Tássia. Isso dá insônia. Às vezes, é melhor causar logo uma implosão no prédio que dá problema do que tentar reformas mirabolantes que só trazem dor de cabeça.
A menina assentiu. Dessa vez, com mais cuidado, prestou atenção ao corredor central e saiu. Ao passar ao lado da janela da motorista, a mulher a interceptou com um cartão.
— Qualquer coisa que precisar, é só me procurar.
— Certo. Obrigada mesmo.
Tássia correu para subir na moto e, sentindo-se estranhamente empoderada, rumou para o Geração.
***
[Eita, que teve treta. E, pelo visto, foi coisa grande. Rumando pelo trânsito "maravilhoso" da capital maranhense, Tássia se lança em direção ao olho do furacão. Força na peruca e vamos ver o que virá disso tudo - e o que aconteceu, afinal!]
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