Dose número 24
A Bienal do livro era o meu casaco de cashmere e virou o meu caso de amor mais profundo desde que eu soube que o lançamento do livro da Cinderela seria durante o evento. Seriam 10 dias de bate-papo, fãs enlouquecidos e autógrafos e tudo o que eu sabia fazer era roer as unhas, enquanto observava meu chefe/quase namorado, negociando com os organizadores. A onda de esperança chegou batendo na porta da editora e deixou toda a equipe eufórica, inclusive o próprio Marcos que desde que começamos a nos relacionar, teve o humor melhorado em 90%. Exceto nas segundas feiras.
Eu odiava as segundas-feiras e principalmente odiava os surtos psicóticos do meu chefe nas segundas. Tudo era mais caótico e as coisas na empresa se arrastavam ao longo do dia para serem iniciadas somente na terça. Até o meu cafezinho tinha gosto de água suja e o único lado bom era ver a cara da Amanda se torcendo, toda vez que ela o tomava.
Passamos dias sem olhar uma na cara da outra. Amanda sumiu. Desapareceu do mapa sem deixar pistas, graças a Deus. Boatos se espalharam pela editora de que ela foi encontrada dias depois discutindo com o gerente de um restaurante chic após tentar sair sem pagar. O Escândalo alcançou as revistas tão rápido, que fez com que sua vida social fosse ladeira abaixo. Não posso dizer que não fiquei surpresa quando a vi atravessando o corredor do prédio totalmente desfigurada. Seu rosto estava sem maquiagem e as rugas estavam mais evidentes. Seu cabelo, dessa vez mais curto, estava ruivo e suas roupas pareciam ter saído direto de um clipe de rock dos anos 90.
Observei-a estalar os saltos contra o chão do banheiro e se aproximar do espelho, há poucos centímetros de distância do meu corpo.
Cogitei a hipótese de aproveitar a privacidade para resolver as nossas diferenças, mas minha opinião mudou assim que olhei para a sua cara de merda.
Eu não era trouxa, assisti muitas novelas das nove, para saber que Amanda poderia muito bem me lançar uma surra de outro mundo, bem ali, naquele chão frio. Afinal, minha experiência com brigas também não era muito boa. Uma vez uma menina em minha escola me acusou de ter beijado o seu namorado. Logo eu, a BV enrustida. Fomos para o pátio da escola e eu, assustada, me agachei no chão e comecei a chorar em posição fetal na frente de todo mundo. Foi a maior vergonha da minha vida. Depois disso, me tranquei no banheiro e nunca mais arrumei nenhuma confusão.
Ignorei meus pensamentos suicidas e voltei a atenção para o meu reflexo contra o espelho. Amanda passou as mãos pelos cabelos, arrumando os fios bagunçados e sorriu, dócil, mas ordinária.
Aqui não Walcir Carrasco! Hoje não.
Pra piorar, toda a equipe estava concentrada na reunião do fim do dia, onde iríamos discutir os últimos detalhes do livro. Seu Paulo estava de licença e Ayla deveria estar aos beijos com Armane, como de costume.
Eu estava sozinha.
— E então…— Ela colocou os olhos em mim incitando todas as minhas defesas. — Somos duas moças civilizadas Isabela, apesar da nossa educação ter sido diferente.
Eu podia ver aquela língua venenosa dançando em sua boca, como a de uma serpente, embora Amanda pudesse ser comparada a muitos outros animais peçonhentos. Ergui o corpo e cruzei os braços tentando não demonstrar fraqueza.
— Vamos ser sinceras uma com a outra. Quero que você tire as suas mãos sujas de cima do Marcos e termine esse casinho asqueroso antes da bienal.
Eu não sei o que deu em mim. Talvez tenha sido medo ou pânico que não me deixou conter as emoções. Mas eu sei que eu soltei uma risada tão estridente que até o Papa me escutou.
— E porque você acha que eu faria isso?— perguntei, antes de ver minha confiança se espatifar no chão, em mil pedacinhos.
— Porque eu sei muito mais do que você imagina. E acho que você é esperta demais pra pelo menos tentar um acordo comigo.
Meu deus, fui descoberta.
Um frenesi se espalhou por cada célula do meu corpo me levando ao extremo da ansiedade, mas eu me mantive firme, intacta e não desviei os meus olhos dos seus um segundo sequer.
Se faz de sonsa Isabela, é blefe!
— E do que você sabe?
Amanda sorriu, feito um demônio encarnado, jogando aquele rabo de cavalo para trás dos ombros. Ela trocou o peso entre as pernas e se apoiou sob a pia.
— Vou te dar a chance de escolher seu futuro querida. Ou você termina esse romance com ele ou eu conto pra todo mundo que você é a Cinderela. Imagina só, o que ele vai fazer quando descobrir. É a sua carreira ou o Marcos! Você escolhe!
Algo apertou minha garganta. Num piscar de olhos me vi presa em suas garras, e tomada pela chateação, me afastei com as pernas bambas do seu olhar olhar frio e calculista.
— É realmente uma piada imaginar vocês dois juntos. Olha só pra você! Cabelo seboso, roupas cafonas. Altura 1,59 e 60 quilos. Me diz, como você pode conviver todos os dias olhando pra isso? E ir além, pensando que um cara como o Marcos está te levando a sério.
Meu coração esmurrava o meu peito e minha mente, oposta aos meus sentimentos, se esforçava ao máximo para me trazer de volta a lucidez.
"Faz alguma coisa, sua idiota! Reage imbecil!", dizia ela.
Mas eu não conseguia me mexer. Fiquei ali estática, sentindo as lágrimas deslizarem pelo meu rosto. E não, eu definitivamente não estava chorando pelos seus insultos. Era a raiva, ódio e irritação, que consumia cada centímetro do meu corpo e ao mesmo tempo me impedia de reagir. Mais uma vez.
— Pobre Isabela, caras como o Marcos não levam a sério garotas como você. Eles saem com as Amandas. Você quer saber o que ele vê em você?— perguntou.— Uma diversão pra procurar quando não tiver nada melhor pra fazer. E aí quando ele encontrar outra distração mais bonita e mais magra…ele vai te esquecer no alto de uma estante, feito um urso velho e empoeirado.
Amanda alcançou a alça da bolsa esquecida sob a bancada.
— Mas eu não te julgo. Você deve ter aprendido certinho com sua mãe, já que nem o Caíque ela deixou passar. Tal mãe, tal filha. Tudo galinha.
Perdi o controle da minha mão e ela foi parar bem no meio da cara dela. O som agudo do tapa ecoou pelo ar e o impacto foi tão forte, que acabou derrubando Amanda no chão. Em fração de segundos vi a raiva escurecer meus olhos e a palma da mão arder feito brasa, quando ouvi um grito abafado sair da sua garganta. Meu corpo foi tomado pela fúria e só um tapa não estava sendo suficiente para contê-la.
— Repete o que você disse Amanda! Repete!— gritei. — Acho bom você lavar a sua boca com sabão ou você vai chegar naquela reunião com a marca da minha mão na tua cara!
Amanda rosnou quando ergueu as mãos até a bochecha esquerda, devidamente desenhada pelo contorno dos meus 5 dedos.
Uma pena não serem os 10.
Ela levantou os olhos para mim, zangada, no momento que a porta do banheiro se abriu.
— Esse tapa vai te custar muito caro Isabela, você não sabe com quem se meteu, sua nojenta!
— Mas o tá acontecendo aqui?— Ayla se aproximou, e depois de escorregar os olhos para Amanda, me encarou assustada.
— Essa desumana me bateu.
—Bateu?— perguntou, me olhando de cima abaixo. A confusão em seu rosto e o silêncio que se instalou a seguir, me fizeram duvidar das minhas ações. — Bate Isabela, bate mais, eu vigio a porta— Ayla correu para a entrada e se jogou contra o batente. — Bate amiga!
— Sua cretina! — gritou Amanda do chão — Eu vou contar tudo pro Marcos, ele vai te expulsar daqui a pontapés feito a cadela que você é!
Eu sorri.
— Tá querendo mais pilantra?— perguntei. — Quer que eu bata do outro lado pra marca ficar igual?
Amanda se levantou, zonza pela queda e depois de jogar os cabelos para trás, sorriu, desafiadora. O deboche estampado em sua cara deformada e o sorriso cínico alimentaram ainda mais a minha vontade louca de colar a cara dela na privada.
— Sua biscate ordinária— Sussurrou baixinho se aproximando. — É isso que você é. ORDINÁ…
Não deu tempo de terminar a frase.
Amanda ergueu os braços tentando puxar meu cabelo quando joguei meu corpo sobre o seu. 1, 2, 3 bofetadas foram distribuídas em seu rosto impedindo que suas mãos encostassem em um único fio meu. De volta ao chão, ela chutou a bolsa para longe tornando os gritos mais altivos e evidentes.
— Para com isso sua louca!
Eu me sentia como o fogo. A raiva correndo em minhas veias, a adrenalina emanando para as minhas mãos e aquela cena da Amanda estatelada no chão, eram detalhes que eu não me esqueceria tão facilmente. Desferi mais 3 tapas, em ambos os lados da sua face quando puxei fios do seu cabelo falso em minha mão. Ergui meu corpo do chão, ofegante e ignorei seus xingamentos.
— Foi muito bom conversar com você — completei. Amanda se levantou, apoiando as mãos nos quadris, descabelada. — Espero que as coisas tenham ficado claras. Agora se me permite, eu tenho que me preparar pra uma reunião. Boa tarde.
Fiz questão de pisar com meu all star bem em cima de sua bolsa de pele de cobra de 30 mil reais, deixando-a ainda mais enfurecida.
Uma atitude horrível.
Horrível não, ilegal.
Sim, e só me dei conta disso quando saí do banheiro. Se me perguntassem quem era a Isabela de minutos atrás, eu não saberia dizer.
Fiquei a tarde inteira, com a bunda colada na minha cadeira tentando esquecer a situação deplorável em que eu me enfiei. Minutos após o terrível acidente — vamos chamá-lo dessa forma — Amanda saiu totalmente descabelada e manca de dentro do banheiro. Isso porque a troglodita acabou quebrando o salto durante a queda. De longe eu podia enxergar o pedaço que faltava do seu mega hair e a sua cara marcada com os meus 5 dedos. Dava pra contar. Todos os 5. E meu surto psicótico aumentou ainda mais quando a vi entrando na sala do meu chefe.
Liguei a TV da copinha esperando encontrar um refúgio para os meus pensamentos aflitos e tudo o que consegui foi atrair uma reportagem policial.
Em questão de segundos, a culpa em minha mente materializou cenas de um suposto corpo de delito, que Amanda poderia muito bem fazer. Como a desgraça estava pouca, eu ainda poderia ser presa! Justo eu! A garota que se escondeu no banheiro da escola por meses!
Que as delegacias estejam muito ocupadas hoje!
No meio desse furdunço ainda tinha o Marcos. Marcos e a minha carreira, que de jeito nenhum eu queria abrir mão.
Reorganizei os pensamentos e tentei me acalmar.
Fiz um chá de erva cidreira e encontrei uma playlist relaxante no YouTube. 1 hora depois, acabei vendo Amanda de volta ao corredor, desfilando em direção à sala de reuniões.
Ela nunca ficou mais de 5 minutos na editora e seu convite para uma das reuniões mais importantes do ano me fez acreditar que alguma coisa estava fora de ordem.
Tudo estava fora de ordem.
Eu me acomodei no canto da sala, minutos depois, e esperei Marcos me expulsar a pontapés, ali mesmo, na frente de todo mundo. Mas não foi isso o que aconteceu. Marcos se endireitou na cadeira e com os olhos fixos no computador decidiu fazer algo muito pior do que me demitir:
— Isabela, quero que você vá para o Rio com a gente — Ele vomitou as palavras tão rápido, que eu engasguei com o meu próprio ar.
Metade da equipe estava atrasada, enquanto a outra se acomodava ao redor da mesa. Quisera eu nem ter aparecido na editora naquele dia. Teria sido melhor ficar em casa cuidando da Sueli.
Céus.
—Algum problema?— perguntou ele, erguendo os olhos para mim.
Sim, tem sim, não posso ir pro Rio de Janeiro com você fingindo ser duas pessoas ao mesmo tempo.
A frieza em seu olhar cortou o meu coração em mil pedaços. Mas eu não me abati. Ignorei meus sentimentos conflituosos em relação a ele e tentei reverter a catástrofe que eu mesma provoquei.
— Na verdade eu não entendo porque você quer que eu vá — argumentei. — Eu sou só a moça do café, não acho que a minha presença vai ser necessária.
Todos os olhos da sala se voltaram para ele, ansiosos para vislumbrar de perto a nossa primeira DR.
— Acho que vai ser bom pra você — Marcos se jogou contra o encosto da cadeira inserindo um tom ressentido na voz. — Você sempre reclama que não te damos muitas oportunidades. Será que dá pra aceitar?— reclamou. — A menos que precise estar em outro lugar…nesse caso, sugiro que arrume um emprego que não ocupe tanto o seu tempo.
O tom perverso aliado à sua expressão severa, acabou me atingindo mais do que eu imaginei. E eu só me dei conta quando senti meus olhos se encherem d'água. Era difícil imaginar que depois de uma semana construindo uma relação tão bacana, ele fosse capaz de chutar o balde e voltar a ser o mesmo imbecil de sempre. E o motivo estava bem ali, sentada em sua diagonal, exibindo curativos da cabeça aos pés.
Eu precisava sair dali, antes que meu chefe fosse a testemunha chave de uma inundação.
— Ok. Então acho que podem continuar a reunião sem mim.
Marcos hesitou por um momento, o suficiente para me fazer acreditar que ele voltaria atrás em sua decisão, enquanto me observava alcançar a porta. Mas ele não o fez.
Assim que eu saí, observei a editora vazia e me deixei levar pelas minhas emoções. Eu não podia fingir que seu desprezo não havia me machucado, mesmo sabendo que eu tive culpa em suas atitudes. Eu estava cada vez mais ligada a ele e todo aquele aperto em meu peito, era a prova disso. Eu alcancei a minha mesa e deixei que todo o peso do meu corpo caísse sobre ela, enquanto escondia meu rosto vermelho entre as mãos. Eu estava sem ar. E Marcos conseguiu me tirar muito mais do que isso.
—Ei…— Ayla chegou de mansinho, colocando suas mãos sobre o meu cabelo. — Saí pra saber como você estava.
—Ele não reclamou?
Ergui o olhar para ela, deixando a mostra os meus olhos inchados e a blusa molhada.
—Seria estranho se eu dissesse que ele pareceu aliviado?
—Droga!— xinguei baixinho, enxugando as lágrimas com o dorso das mãos — Nem papel higiênico tem nessa empresa pra gente poder chorar em paz! Estamos mesmo na miséria.
Ayla gargalhou, embora demonstrasse preocupação. Eu funguei o nariz e olhei para ela, me divertindo com a sua risada gostosa e me lembrando de como era bom ser sua amiga. Mesmo com sua personalidade avulsa e contrária à minha, nosso match foi instantâneo logo no primeiro dia de aula, ou quase instantâneo. Demorou alguns meses para convencê-la da ideia de morarmos juntas e ela só aceitou depois de me obrigar a fazer um mapa astral. Tudo era signo, almas gêmeas e energia e ela fazia parecer tão fácil que semana passada me peguei pesquisando sobre a compatibilidade do meu signo e o do Marcos, por pura curiosidade.
98%, dizia o teste.
Certeza que esses 2% era a Amanda.
— Me promete que vai conversar com ele?
Dei um pulo da cadeira em total desaprovação.
— A única parte do meu corpo que quer conversar com ele no momento é a minha mão.
— Amiga, você sabe que aquela rata tá por trás disso né?— perguntou. — É isso o que ela quer, separar vocês! Poxa cara, depois de mim e do Armane, vocês dois são o meu casal preferido no mundo todo! Dá um jeito!
Eu gargalhei, me recostando na cadeira. Ayla uniu as mãos e sorriu, como se fosse capaz de me convencer a não dar um chute naquele homem.
— Ok, mas meu problema não acaba aí. Se eu aceitar, como é que vou estar em dois lugares ao mesmo tempo? Não posso ser a Cinderela e a Isabela!— Eu enterrei a cabeça em minhas mãos sentindo a agonia me consumir.
— É simples! Quando você for viajar, quem estará do lado do Marcos será a Isabela. Você chega no hotel, faz o check in e pronto. Durante a bienal, você pode fingir uma indisposição, uma virose, sei lá e aí você assume seu posto de Cinderela.
— Isso tudo me parece muito incerto. Ele vai querer minha presença no evento.
—Tá — Ayla torceu os lábios enquanto pensava em mais uma de suas ideias brilhantes, sempre as responsáveis por badalar a minha vida medíocre. —É, o jeito é você levar a cinderela dentro da mochila então. Dá um perdido no Marcos, vai no banheiro, troca de roupa e assume o teu posto. Se ele te perguntar onde você estava, diz que estava olhando outros stands.
Torci a cara expressando meu descontentamento. Fiquei tão obcecada em conseguir publicar um livro que acabei me esquecendo das consequências dos meus atos e me coloquei nessa furada. Agora eu tinha um chefe maluco, um crime de falsidade ideológica e uma denúncia por agressão.
E isso ficou muito claro durante o resto da tarde.
Depois da reunião, Marcos passou por mim feito cão tinhoso e se trancou por horas dentro do seu escritório. Tudo o que eu sabia fazer era me martirizar enquanto repassava em minha mente as cenas da última semana e seu comportamento controverso das últimas horas. Eu já havia provocado um furo imaginário na parede da sua sala, de tanto olhar, quando decidi arriscar minha vida e ir atrás de respostas.
Eu precisava enfrentá-lo e se por um milagre divino, eu ainda tivesse chances, me decidir entre ele ou a minha carreira. Uma escolha injusta, imposta pela Amanda, para quem não saberia viver sem os dois. Pelo menos não mais. Em uma decisão rápida e lógica, alcancei um pedaço de papel e escrevi com todas as letras aquilo que minha boca não seria capaz de dizer. Dobrei o papel inúmeras vezes até ser capaz de escondê-lo em minha mão e me dirigi até sua sala.
Àquela altura, bater na sua porta se tornou um peso tão grande, que fiquei ali, parada, de frente para ela enquanto escutava a minha mente bipolar e tentava me decidir. Não deu certo.
Vamos lá mulher, seja ousada.
Eu ergui a mão quando a porta se abriu.
Marcos apareceu atrás dela e me encarou, confuso. Eu odiava aquele semblante e odiava o sentimento que aquilo me causava, como se a minha presença fosse desnecessária.
—O que tá fazendo aqui?— perguntou, unindo as sobrancelhas.
—Será que podemos conversar?
Ele cerrou os olhos para mim antes que eu pudesse me arrastar para dentro da sua sala e me apoiar em sua mesa, arrependida. Papéis rabiscados espalhados tornavam o ambiente inapropriado para alguém como o Marcos e embora a minha ficha empregatícia estivesse no meio, não pude deixar de notar a bolsa de Amanda estacionada em uma das cadeiras. Aos poucos minha decisão, começou a queimar em minha mão, tornando toda aquela conversa uma simples obrigação.
Nem cheguei e já me arrependi.
Marcos enfiou as mãos no bolso da calça, envergonhado, quando percebeu a dona da minha atenção.
—Ela esqueceu aí— reclamou. —To pensando o que fazer com ela, não quero que Amanda use como um pretexto pra ficar no meu pé.
— Já pensou em queimar?
Ele sorriu, embora o desgaste fosse mais visível do que antes.
—Você tem um isqueiro?
—Não, mas eu tenho uma vizinha que adoraria ganhar uma dessas…
Seu rosto se aliviou um pouquinho. Marcos me avaliou por alguns segundos, o suficiente para ver arrependimento em seu olhar, tornando a sua culpa um pouquinho menor.
—Não quero que me odeie e acredite, isso não tem nada a ver com o que rolou entre a gente— suspirou, deixando o cansaço tomar conta de si. —Só preciso que confie em mim.
—Isso inclui me demitir quando sou contrária às suas decisões?
—Não. Eu agi como um imbecil e eu peço desculpas por isso.
Ok, eu já tinha entendido que ele não ia me contar e muito menos me colocar contra a parede. Sua escolha e retração me tornaram insegura e me fizeram sentir mais uma vez culpa e tormenta por estar mentindo sobre o livro. Apesar da sua decisão me intimidar, eu não podia julgá-lo já que eu também não estava sendo sincera e pior ainda era admitir que a minha sinceridade falha não era somente profissional.
— Não tá me falando isso só pra ganhar meu perdão não né?— perguntei.
Marcos riu, deixando que a onda de preocupação em seu rosto desse lugar à diversão e abrandasse os seus traços. Ele se aproximou, em silêncio, antes de me cercar entre os braços e me prender nas sensações. Nada seria capaz de dissipar aquele sentimento estranho que eu tanto evitava decifrar e era tão intenso que havia se tornado uma droga para mim.
— To fazendo isso pra ganhar você. Ou você ainda não percebeu que tudo sempre foi por você? Isabela…
Seus olhos repousaram em minha boca criando ainda mais tensão entre nós dois. Marcos ergueu uma de suas mãos até minha cintura, me trazendo lentamente para mais perto enquanto eu me embriagava em seu perfume. Era incrível a forma com que nossos corpos se encaixavam, tão perfeitamente como se fossem peças de um quebra cabeça. Ele ergueu o polegar até o meu lábio inferior e observou, paciente, cada reação minha, enquanto deixávamos nossas respirações ofegantes tomar conta do ambiente.
— Eu acho que eu te am…
Eu não o deixei terminar. Enrosquei minhas mãos em seus cabelos puxando-o para mais perto e silenciei seus lábios como se essa fosse a única maneira de conter o óbvio. Eu não estava pronta para enfrentar o real significado dos meus sentimentos, e, escutar aquelas 3 palavrinhas mágicas, tornava tudo mais complicado e assustador. Marcos respondeu faminto aos meus instintos retribuindo de forma desesperada, como se aquele fosse o nosso último encontro e em seguida enterrou a cabeça na base do meu pescoço, suplicando por cada beijo depositado. Involuntariamente soltei um gemido em resposta aos seus estímulos comprovando tudo o que eu já imaginava: eu estava vulnerável e totalmente entregue à ele. Ele sugou o meu lábio inferior antes de acalmar o incêndio que eu havia começado e diminuir o ritmo, tornando aquele beijo, algo puro e gentil. Suas mãos percorreram pelo meu corpo, incendiando com delicadeza cada pedacinho da minha pele e provocando arrepios por onde quer que passassem. Eu estava alucinada, viciada em seu sabor, quando ele decidiu, sem a minha permissão, interromper o beijo.
— É melhor a gente parar — sussurrou, com a voz rouca e grave. Havia fogo em seu olhar, sua pele estava quente e toda a minha atenção estava voltada para a sua boca. — Você precisa parar de me provocar assim — Ele se afastou, transformando aquela distância entre nós em um martírio.
Eu estava sem fôlego, atônita e desesperada por mais e embora a minha razão estivesse sendo mascarada pelo meu coração bandido, eu não podia deixar as coisas irem além.
Não depois de ver que eu ainda tinha uma chance.
…Até a bienal.
Abaixei o olhar me lembrando do prazo estipulado pela Amanda e do real motivo para ter ido até ali, quando decidi lhe entregar o papel.
— Eu aceito ir pro Rio com vocês — respondi ofegante, quando ele pegou a folha milimetricamente dobrada de minhas mãos. — E eu escrevi algo para você mas prefiro que leia quando eu sair.
Marcos estreitou os olhos, curioso, e sem lhe dar chances para perguntas, me afastei.
Confesso que não foi fácil sair da sua sala e atravessar a editora como se nada tivesse acontecido, principalmente depois de ter tomado a pior decisão da minha vida. Mas embora a tristeza estivesse escrita em minha testa e as lágrimas fossem a comprovação da minha derrota, havia uma esperança para a Cinderela. Pelo menos pra ela.
Eu estava desesperada quando me joguei sob a mesa e enterrei minha cabeça nas mãos, sendo pega novamente por aquela angústia de horas atrás.
E foi naquele momento, no silêncio da minha mente, que decidi ser sincera e responder a sua afirmativa:
Eu também Marcos, eu também te amo.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro