Dose número 14
Eu nunca, mas nunca em toda a minha vida imaginei que veria uma cena daquelas.
Eu já tive a oportunidade de ver todas as facetas do meu chefe e se eu bem me lembro, nenhuma delas incluía uma voz abobalhada e melosa. E foi naquele momento que eu me arrependi amargamente por não estar filmando pra mostrar pro restante da empresa. Eu me apoiei no batente da porta realizando um esforço enorme para controlar o riso e o observei agachado, de quatro, enquanto pulava com Miguel nas costas. Seus cabelos estavam bagunçados e pela segunda vez no mês o vi sorrir de verdade, graças ao sobrinho.
Miguel era um monstrinho devorador de energia, como toda criança. Tinha apenas 4 anos, cabelos loiros cacheados e tinha as bochechas mais apertavéis do mundo.
Ele empunhou sua espada de madeira na mão e gritou quando o tio parou.
— Tio, vamos de novo!
— Que energia infinita é essa? Seus pais sabem que você está explorando seu velho tio? — Miguel gargalhou, preenchendo todo o ambiente com aquela risada gostosa de criança. — Já deu por hoje amiguinho, mas na quinta eu prometo te levar naquele parque que você me pediu.
— A tia Bela vai com a gente, né? — perguntou, pulando sobre o tapete felpudo enquanto um largo sorriso abrangia boa parte do rosto. — Por favorzinho!
Marcos apontou os seus olhos em minha direção, tentando conter o seu sorriso vaidoso e apoiou as mãos nos joelhos. Eu nem precisava perguntar o motivo de toda aquela felicidade. A minha mentirinha cabeluda sobre o nosso namoro teve consequências irreparáveis em minha vida, quando decidi negociar com o próprio diabo e eu sabia que ele cobraria o favor mais rápido do que um leão africano faminto por sua zebra.
Agora eu estava em suas mãos. E a única culpada era eu. Eu e a minha boca, tão grandes quanto a da grávida de Taubaté.
— Eu sei como convencê-la, deixa comigo. Agora vai lá pra dentro que preciso conversar com ela.
Miguel concordou e correu até a porta para me abraçar. Eu me abaixei até a sua altura e envolvi meus braços em seu corpo pequeno, dando-lhe um beijo de boa noite. O som agudo de seus pés ecoaram pelas escadas e após desaparecer no andar superior, Marcos me encarou, esperando alguma reação da minha parte. Eu ainda me sentia desconfortável por estar ali, de volta ao seu apartamento e por mais que eu tentasse ignorar as circunstâncias, era difícil esquecer que ele era bem mais do que o meu chefe.
— Olha, eu achei fenomenal o seu fim de noite — gargalhei, tentando demonstrar uma tranquilidade que não existia.
O que era bem melhor do que o silêncio.
Minhas opções eram vagas e imaginei que ficar ali, sozinha com ele, não era a melhor escolha. Pela primeira vez senti na pele o significado da expressão popular “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”.
Marcos sentou em uma das banquetas do bar e apoiou os cotovelos no balcão me observando enquanto tomava mais um gole da sua bebida, terrivelmente esquecida ali.
— Esperava o que?
— Achei que ia passar a noite com algum par de pernas — respondi, sentando ao seu lado, o que com certeza era uma ideia terrível.
Um dos cantos da sua boca se ergueu em um sorriso narcisista, tornando seus pensamentos um tanto quanto óbvios para mim.
— Ah não, claro que não. Francamente Marcos, não estou com ciúmes. Não tem a menor possibilidade e eu realmente não ligo, você não faz o meu tipo. É chato demais pra me manter interessada.
— Chato?
Concordei.
Marcos apertou os olhos para mim tentando ler os meus movimentos antes de prosseguir.
— Não lembro de você ter dito isso naquela festa…quando a gente se beijou — sorriu. — Oh me desculpa, esqueci que temos um plural agora.
— Foi um acidente e eu estava bêbada, nas duas! Pessoas bêbadas não sabem o que fazem.
Ele girou o seu corpo de frente para o meu e me lançou aquele olhar perigoso, o mesmo que eu via todas as vezes antes de perder a razão. Suas mãos alcançaram novamente seu copo antes de empurrá-lo em minha direção.
— Então bebe comigo.
E foi ali que eu perdi toda a minha dignidade e segurança. Inevitavelmente, comecei a sentir os primeiros sinais de traição quando meu rosto ardeu em chamas. Eu desviei meu olhar dos seus que me observavam atentamente com desejo e paixão e tentei reorganizar as ideias.
— Eu disse que iria me controlar, não é? — respondi, com a voz trêmula e decidida.
Meu coração batia forte em meu peito. Eu prometi a mim mesma que não cometeria nenhuma loucura e nem me deixaria levar pelas situações embaraçosas que eu me metia, mas, naquele momento, senti uma necessidade enorme de me aproximar dele ainda mais. E foi só por isso que reuni as últimas forças que me restaram. Como uma covarde, eu empurrei o copo de volta e desci da banqueta, dividida entre ir embora ou ficar. Mas eu sabia que se eu escolhesse a segunda opção, as coisas poderiam ficar bem mais sérias entre nós dois.
— Eu preciso ir, Ayla deve estar preocupada comigo e eu acordo cedo amanh...
Marcos se aproximou ignorando toda a distância que eu havia lutado para impor e levantou uma de suas mãos até o meu rosto que já irradiava o rubor para as minhas orelhas. Eu fechei meus olhos tentando ignorar todo aquele mix de sensações e torci para que eu fosse forte o suficiente para resistir àquela tentação.
— Sempre fugindo de mim, não é Isabela? Se você ao menos soubesse o quanto eu quero você — Meus olhos se abriram novamente e encarei nossas bocas a poucos centímetros uma da outra. — Você me incendeia, de todas as formas possíveis.
Seus argumentos me deixaram sem ar. Seu hálito quente alcançou o meu rosto causando arrepios em cada centímetro da minha pele e antes que eu pudesse reagir, ele envolveu minha cintura e me puxou para mais perto. Por mais que eu quisesse estar ali, eu precisava ser fiel às minhas convicções. Eu estava mentindo, não só na editora, mas para mim mesma todas as vezes que eu dizia que não me importava com ele. Mas eu não queria dar o braço a torcer e muito menos me envolver com alguém que eu sabia que era problema. Então fui obrigada a reunir todas as minhas forças e tentar encontrar razões para não desejar tanto aquela boca.
— Porque está fazendo isso? — sussurrei. — Quer me beijar e depois me pedir pra esquecer?
Marcos fechou os olhos, incomodado.
— Eu estava preocupado com você.
— Jura? — perguntei, sentindo a aspereza tomar conta da minha voz. — Não foi o que você deixou claro hoje mais cedo quando disse que não se importava!
Eu me afastei abruptamente e me distanciei o mais rápido que eu pude, temendo uma reviravolta que eu não pudesse controlar.
— Você quer me enlouquecer, só pode! — reclamou. — Quem complicou as coisas não fui eu, Bela. Não fui eu que julguei o beijo como algo errado.
Eu abri minha boca surpresa sentindo pela primeira vez o meu ego se inflamar.
— Ótimo, então vou facilitar as coisas para você — Eu levantei as mãos em sinal de rendição e peguei minha bolsa, certa de que quanto mais tempo eu passasse ali, maior seria a catástrofe. — Você é meu chefe e eu só uma funcionária então eu acho melhor não ultrapassarmos essas definições.
— É, eu acho melhor mesmo — suspirou. — Mas sabe o que é uma pena? Eu não ter tido a oportunidade que o Bruno teve. Porque eu sei que eu teria feito bem melhor que ele e você não estaria aqui agora, tendo que fingir algo que está óbvio que sente. Acho que entre nós dois o covarde não sou eu.
Marcos esperou uma resposta minha que não veio. Na verdade eu não sabia o que responder. Aquela forma indecente de jogar os meus erros em minha cara ainda me irritava mesmo depois de anos e eu não estava disposta a repensar minhas atitudes. Não depois de ter o meu ego ferido.
Eu o odiava com todas as minhas forças e tudo o que eu queria era ser capaz de me manter longe dele, tempo suficiente para publicar meu livro e pedir demissão. Era impossível aquela relação e isso já estava bem claro desde o primeiro dia que o conheci. Eu não queria ultrapassar os meus limites de novo e só por isso decidi focar no meu trabalho e manter o máximo de distância possível, mesmo com o meu corpo pedindo o contrário.
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Olá amores, desculpa pela demora, foram dias corridos para mim. Mas tô voltando com tudo. Me contem aqui o que vocês estão achando da história e não esqueçam de votar. Beijão!
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