Dose número 10
Relutei ao máximo para não abrir os olhos. Minha cabeça estava mais pesada que uma bola de boliche então fiquei ali, sentindo a maciez da colcha e aquela sensação. O álcool da noite anterior destruiu tanto a minha sanidade que me fez esquecer o quanto a minha cama era boa.
Eu não estava acostumada a beber daquele jeito e a última vez que eu me lembrava de ter cometido tal loucura foi há exatos 5 anos atrás quando o deslumbre e a empolgação com o meu estágio ainda corriam pelas minhas veias. Mas a ressaca que agora caía sob a minha cabeça, me mostrava os motivos pelos quais eu nunca mais bebi. O fato é que a noite anterior foi um grande borrão. Eu estava com raiva, com o orgulho ferido e de quebra, queria chutar o pau da barraca e viver como se aquela fosse a minha última noite. E realmente, quase que foi.
Eu estiquei minhas mãos sob o lençol esperando encontrar o meu criado mudo quando percebi que o colchão parecia não ter fim. Era uma cama de casal. E eu não tinha uma cama de casal.
Mas que droga é essa?
Abri os olhos e pulei assustada.
Comecei a olhar ao redor na expectativa de me lembrar da noite passada e foi só então que os flashes dispararam em minha cabeça. A festa, Marcos e a chuva. Mas eu não lembrava de nada que pudesse ter me feito ir parar ali.
Instintivamente, levantei o lençol esperando encontrar algum resquício de roupa em meu corpo e para minha decepção eu encontrei: roupas dele.
Ai droga!
Eu transei com meu chefe?
Droga, tequila!
Eu desci as escadas na pontinha dos pés esperando fazer o mínimo de barulho quando dei de cara com a decoração. O apartamento dele era grande demais para uma pessoa só, e sofisticado, coisa que não combinava em nada com o seu estilo.
Passei minha atenção para o corredor escuro imaginando se ele estaria em casa e se de fato dormimos juntos. A cozinha estava vazia, porém um pequeno barulho vinha da área de serviço, onde algumas roupas estavam amontoadas, jogadas no cesto, enquanto outras secavam na secadora. Infelizmente não vi nenhum sinal das minhas e já começava a me perguntar se Marcos tinha algum feitiche por roupas usadas. Eu não queria continuar ali e correr o risco de encontrá-lo, então decidi que iria embora vestida daquele jeito.
Eu voltei para o corredor procurando os meus pertences e a porta de saída quando me deparei com a sala.
Achei você.
Eu estava a poucos metros de ser uma mulher livre e fingir que isso nunca aconteceu, quando, de repente, escutei alguém limpar a garganta. Com o corpo petrificado e com a bolsa agarrada nas mãos, girei o meu rosto na direção do barulho e enxerguei o meu chefe sentado em uma das poltronas.
Marcos estava lá, admirando a cena como se fosse a coisa mais normal da vida dele e eu podia jurar que ele tinha estampado no rosto uma cara de deboche. Ele bebeu um pouco do café e sorriu se divertindo com a minha confusão.
— Céus, quer me matar de susto? — reclamei.
— Tá parecendo um ladrão andando por aí desse jeito.
Que jeito?
Ele se aproximou analisando as minhas roupas e eu senti a minha cara queimar.
Péssima hora pra ficar com vergonha, Bela.
Marcos parou bem na minha frente mas eu não me movi. Ele me encarou por alguns segundos enquanto observava minha pele ruborizar e então bebeu mais um gole do seu café.
— O que aconteceu ontem Marcos?— perguntei, utilizando o último resquício de coragem em meu corpo.
— Você desmaiou — Eu apertei meus olhos para ele e ele prosseguiu. — Eu resolvi te trazer pra cá porque eu não encontrei Ayla. Depois você vomitou em toda a sua roupa e por isso eu tive que tirá-la, me desculpe por isso. Você não se lembra de nada?
Eu balancei a cabeça negando e sua expressão mudou. Marcos apertou os olhos para mim e sorriu, sarcástico, deixando de lado a xícara de café. Não havia mais diversão em seu olhar e eu comecei a me perguntar o que eu tinha feito de errado.
Seria um crime muito grande não se lembrar das coisas depois de um porre?
Eu observei os seus movimentos, confusa e então continuei.
— E porque eu estava com você?
— Nós estávamos conversando. Só isso. Você exagerou no álcool e aí...desmaiou.
Eu não me lembrava de nada. O tom frio em sua voz me atingiu, alimentando ainda mais a minha desconfiança. Era como se em algum momento ele tivesse assumido o Marcos de antes, e eu fiquei ali, tentando forçar minha mente na esperança de lembrar qualquer coisa que fizesse sentido e justificasse o seu mau humor. Como a tentativa falhou, tentei me agarrar à única explicação disponível: a dele.
— Eu coloquei as suas roupas para lavar, então elas devem estar limpas e secas daqui alguns minutos — Ele desviou o olhar. — Você pode esperar aqui e depois pode ir pra casa.
— Mas eu preciso trabalhar — reclamei.
— Pode ir depois do almoço — Marcos alcançou as chaves do carro e se afastou — Vou resolver umas coisas e depois ir pra editora. Bom dia.
Eu abri a boca mas me contive quando ele se virou em direção à porta. Eu não sabia como agir então decidi ignorar aquela estranha sensação de culpa no cartório e levar o meu dia como uma pessoa normal.
Só porque eu tinha a manhã de folga, eu tinha certeza que as horas passariam voando por mim e logo mais eu estaria na empresa fingindo que nada tinha acontecido enquanto eu aturava o mau humor do meu chefe e servia cafezinhos. Além do mais, a minha atenção estava toda direcionada para a reunião que teríamos à tarde, que eu logicamente não participaria como um membro da equipe. Todos estavam eufóricos pelo feedback do post e comigo não era diferente.
Parei os meus pés em frente a uma banca de jornal para alimentar o meu vício diário quando percebi olhares tortos em minha direção.
Que isso? Será que estou suja?
Ignorando a paranóia, me dirigi ao dono da banca. Não foi necessário um diálogo para entender o que as pessoas tanto olhavam.
Meu Deus, me segura que eu estou passando mal.
Ser famosa com certeza era uma das consequências que eu esperava ter depois de publicar meu primeiro livro, mas ser famosa por ter beijado o editor-chefe da editora Contágio, não me parecia muito interessante. Eu peguei a revista e analisei a foto estampada na capa onde eu e meu chefe estávamos explicitamente nos beijando. Involuntariamente, toda a minha memória voltou, me fazendo enxergar o pecado incrivelmente tentador que eu havia cometido.
Porquê ele não me contou nada?
Uma onda de raiva preencheu todo o meu corpo e a situação só piorou quando eu li a manchete:
“Marcos Tavieira é flagrado aos beijos com sua amante”
AMANTE? AMANTE?
— Moça — chamou o dono da banca — Eu sei que não é da minha conta, mas beijar homem comprometido não é certo!
Sorri em desespero e apertei os olhos para ele tentando controlar o resto de dignidade que me sobrou. Eu queria esfolar o Marcos e chutar o balde. Se possível chutar ele e o balde juntos!
Eu não estava com paciência para encarar os olhares curiosos na rua, então segui direto pra empresa. Eu fitei o chão da redação, ignorando todo mundo e me dirigi determinada até a sala do meu chefe, que estava aos gritos no telefone. Marcos parou assim que me viu.
— Quando ia me contar que sou sua amante?— Eu parei na sua frente cruzando os braços e ele fechou os olhos cansado.
— Eu não tive culpa Bela, não fui eu que publiquei a matéria — respondeu baixinho. — A revista de fofoca do Nelson foi bem incisiva quando pedi que retirassem a notícia.
— E como eu fico? Eu também não tive culpa Marcos e você não tem ideia de como eu me sinto. Tem gente me julgando na rua por algo que eu nem sabia que eu tinha feito, e que obviamente foi um erro ter acontecido!
Sua expressão mudou.
— E quem disse que eu me importo com isso?— Suas palavras me atingiram como um raio e eu me afastei.
— Droga Bela, me desculpa, não foi isso que eu quis dizer — Ele enfiou as mãos no bolso envergonhado. — Você não se lembrava! Eu não queria complicar a tua vida com mais esse “erro”. Podemos por favor esquecer isso tudo?
Esquecer? O beijo também?
Confesso que me senti culpada pela expressão infeliz que eu havia usado mas não me desculpei. Não era a intenção daquela discussão julgar se foi certo ter beijado o meu chefe e sim expelir a minha raiva por ter sido a última a saber. Eu me sentia enganada e vê-lo esconder algo tão importante me fez imaginar que talvez eu tenha sido só uma distração. Somente por isso, disse coisas que eu sabia que iria me arrepender futuramente.
— Não vou discutir se foi errado porque acho que já está mais do que claro. Mas eu esperava ao menos que você tivesse me contado, porque era o certo. Mas tudo bem, não vou mais tocar no assunto, até porque como você disse, você nem se importa, eu sou só a garota do café!
Ele fechou os olhos incomodado quando finalmente decidi encerrar aquela situação. Eu me virei em direção a saída, e bati a porta com a maior força que eu consegui quando na verdade, eu queria bater na cara dele.
Olá bebês, tudo bem com vocês? Espero que sim. O que estão achando da história? Comentem aqui pra eu saber a opinião de vocês ❤️ beijão ❤️
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