(Million Reasons) Capítulo 1 - Diretoria
(Million Reasons) Capítulo 1 – Diretoria
Olhei para o teto, onde um ventilador branco girava preguiçoso. A abóbada oval da luminária no centro dele balançava para os lados, como se ninguém se importasse que ela estava mal encaixada e poderia despencar a qualquer minuto. Como a minha vida. Eu queria ir embora, largar tudo. Escapar. Toda a humilhação, as piadas, os apelidos... Eu me sentia diminuída a cada dia. De que serviria tudo aquilo? Nada! Porque eu sempre seria um grande nada.
– Raiele – a secretária velha, com óculos grandes demais para o seu rosto e roupas antiquadas chamou minha atenção – A diretora vai te atender agora.
Acenei com a cabeça, concordando, e levantei-me do sofá marrom puído que ficava na antessala da diretoria de minha escola. Eu deveria estar no auge da minha da minha vida. Concentrada nos estudos e me divertindo com minhas amigas. Era isso que minha mãe dizia. Os anos dela no colégio foram os melhores, foi lá que ela conheceu o papai. Eles se casaram dez anos depois, eu nasci na primavera seguinte e vivíamos felizes até hoje. É... vivíamos. Ou melhor, eles ainda vivem felizes. Eu não.
O ensino médio estava acabando com minha alegria de viver. Dramático, eu sei. Verdadeiro, no entanto. Eu era alta. Alta demais. Eu era magra. Magra demais. Eu era inteligente. Inteligente demais. Tudo demais que fazia eu me sentir de menos. Inferiorizada. Alvo de chacota.
Abri a porta de madeira desgastada. A diretora, uma mulher baixa de rosto redondo com a idade da minha mãe, sorriu para mim. Seu nariz, arrebitado demais, permitia que a gente visse muito de suas narinas e o tecido do seu terninho rosa estava apertado nos braços. Ela não sabia que os estudantes a chamavam de Peppa Pig pelas costas, e se sabia, não se importava. Eu queria não me importar. Ela apontou a cadeira para que eu me sentasse.
– Soube que você está faltando aulas – a diretora foi direto ao ponto, sem bom dia ou como vai?
Respondi em voz baixa, tímida:
– Uma aula.
Ela se levantou e deu a volta em sua mesa para sentar na desconfortável cadeira ao meu lado. Engoli em seco. Eu gostava da diretora Sônia, ela era uma das poucas pessoas agradáveis nessa escola infernal. Suas mãos de dedos rechonchudos e unhas vermelhas bem cuidadas seguraram a minha mão.
– Não minta para mim, jovem. Você faltou todas as aulas de educação física deste mês – ela pegou uma mecha do meu cabelo que caía pelo meu rosto e colocou atrás da minha orelha: – Por quê?
Ao invés de responde-la, lembrei-me do primeiro dia de aula:
Meus pais haviam mudado de bairro e me colocaram em uma escola nova, maior do que a anterior. Eu frequentava o mesmo colégio desde o maternal, já conhecia todos os alunos, professores e funcionários. Era quase a miss Simpatia. No novo, entretanto, eu era invisível. Eu queria abrir um buraco no chão e sumir de verdade.
Estava insuportável até eu descobrir que anexa ao prédio da escola, havia uma capelinha onde os alunos poderiam frequentar quando não estivessem em aula. Minha avó me ensinou a ser religiosa, ela dizia que se não tivesse se apaixonado pelo meu avô, seria freira. Me escondia lá quando não queria ser vista sozinha nos corredores, ajoelhava-me entre os bancos mais do fundo, no canto direito. Era mais quente, o vento dos ventiladores presos às colunas laterais não chegavam ali direito, porém eu não me importava. Era isolado e quieto.
As primeira sexta-feira, houve uma missa para os alunos católicos. Eu me sentei mais na frente, conhecera o padre João – um homem alto, ne forte e nem magro, de cinquenta anos e cabelos cinzas – no início da semana e estava curiosa para descobrir como seria sua missa. Fiquei animada com o que vi, era voltada para os jovens, descontraída e trazia a palavra de Deus para o nosso cotidiano. No final, ele passou entre os alunos uma prancheta com uma lista. Quem quisesse se voluntariar para ajudar nas missas seguintes, bastava assinar o papel. Esperei minha vez.
– Vai participar? – assustei-me com a pergunta repentina. Fiquei na dúvida se o garoto de cabelos pretos lisos tinha realmente falado comigo. Seu sorriso de dentes brancos e quase perfeitamente alinhados me deixou sem fala. Fiquei olhando para o dente da frente levemente torto, uma pequena falha naquele rosto exuberante. Seus olhos negros se fixaram em mim, sem obter uma resposta, ele franziu a testa: – Não vai? Achei que iria, parecia tão empolgada, Raiele.
Oi? Meu cérebro entrou em parafuso. Como diabos ele sabia o meu nome? Talvez ele fosse da minha antiga escola e eu não estivesse lembrada... Seu rosto era familiar, mas eu andava tão distraída nos últimos dias que não conseguia pensar direito. Eu tinha a mania de lembrar de rostos e esquecer dos nomes. Eu só precisava descobrir como ele me conhecia sem que o rapaz percebesse que eu não fazia ideia de quem ele era. Meu Deus, como pude esquecer o nome de alguém tão gato?
– Hummm... Sim, vou participar. Com certeza! Você vai?
– Acho que sim, parece legal – Ele deu de ombros. – Tá gostando daqui?
Foi a minha vez de dar de ombros e jogar uma isca:
– Mais ou menos, preferia a antiga escola. Se bem que lá não tinha como a gente participar de missas.
– A gente? – ele questionou.
Ok! Não era da minha antiga escola, então.
– É, a gente, eu e meus colegas – tentei disfarçar – Você veio na aula ontem?
Ele respondeu com a testa franzida:
– Claro, sentei ao seu lado – ele pegou a prancheta que a garota do banco de trás passou e começou a assinar o nome: – Você lembra de mim, né?
Não lembrava. Talvez não fosse invisível, talvez eu que não enxergasse as pessoas ao meu redor. Olhei para o papel de relance e quase suspirei de alívio.
– Claro que lembro, Pedro.
Sorri e aceitei a prancheta para adicionar o meu nome na lista também. Na próxima vez que fosse confessar, precisaria adicionar "mentir na igreja" à minha lista de pecados.
– Raiele! – A diretora me chamou de volta ao presente: – Não vai me responder?
Lágrimas brotaram em meus olhos. Bastou pensar em Pedro para eu começar a chorar. O motivo era ele. O garoto de sorriso maroto e voz grave. Aquele que alegrava os meus dias e fazia eu me sentir mais viva. Quando ele falava comigo, eu sentia meu coração bater mais rápido e, ao mesmo tempo, minha cabeça ficava mais leve. Ele... O lindo garoto da escola que notou a tímida novata. O problema é que quando ele me notou, elas me notaram também e depois disso, tudo desmoronou ao meu redor...
♥ ♥ ♥
Continua...
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