Capítulo 9: As Últimas Gotas de Esperança
"A esperança é como o
sal, não alimenta, mas
dá sabor ao pão."
— José Saramago
Era difícil estar no mesmo cômodo que ele, Charles me fitava com o canto dos olhos meio desconfiado sempre que estava por perto, mas eu continuava a ignorá-lo. Parecia não entender o que havia acontecido, e talvez fosse melhor não haver nenhuma explicação. Em contraponto, Anna Taylor estava radiante. Sempre com algum comentário sobre como estava feliz pelo noivado de seu filho mais velho e um sorriso no rosto para me provocar. A batalha dentro de mim com meus próprios sentimentos era mais real do que nunca.
Certo dia estava retirando a mesa do chá da tarde, empilhei os pires e as xícaras sobre a bandeja, porém, quando fui retirá-la da sala de jantar acabei deixando se espatifar tudo no chão. O estrondo das louças quebrando contra o piso foi o suficiente para instalar um silêncio constrangedor no ambiente. Charles se levantou imediatamente, fazendo um barulho quando sua cadeira arrastou contra o piso de madeira. — Se machucou Srta. White? —Perguntou com a voz tremula, ele sabia bem que os olhos de sua mãe estavam em cima dele.
— Me desculpem eu vou arrumar a bagunça. — Comecei a catar rapidamente os cacos espalhados, quando notei que ele havia se abaixado ao meu lado para me ajudar. O encarei com o canto dos olhos, praticamente implorando para que fosse embora, para que me ignorasse também. Seria mais fácil.
— Charles. — Sra. Taylor pronunciou seu nome com a voz pesada e rígida, um frio subiu pelo meu peito me avisando o quanto eu estava nervosa. Ele a ignorou, continuou me ajudando a juntar as louças quebradas em cima da bandeja. Notei Anna lançando um olhar para o Sr. Taylor, ambos pareciam incomodados com a boa ação do filho. — Charles Taylor, volte para a mesa imediatamente.
— Eu cuido disso. — Murmurei, sentindo seus olhos sobre mim por alguns instantes. Ele então se levantou e andou calmamente de volta para seu lugar, mas eu me senti observada até chegar à cozinha.
Momentos mais tarde eu me permiti desabar na despensa, quando fui buscar açúcar para a torta de pêssego de Esther. Fechei a porta e deixei com que as lágrimas rolassem livremente pelo meu rosto, no meio da escuridão e aromas de temperos como canela e sálvia. Respirei fundo, não podia demorar sem que notassem minha ausência. Então logo coloquei um sorriso no rosto, limpei meus olhos marejados e voltei à cozinha. — Muito obrigada Helene. — Sra. Harris respondeu com um sorriso quando lhe entreguei o saco pesado de açúcar. Ela não parecia notar a minha tristeza.
Isabelle continuava me ignorando, meu coração se apertava cada vez que tínhamos que fazer algum serviço juntas. Queria chamá-la para conversar, abraçá-la, dizer para esquecermos todas as dificuldades e obstáculos, mas parecia que sempre que estava prestes a falar algo, as palavras sumiam.
É claro que não escapei de uma lição de Grace por ter deixado a bandeja cair durante o chá da tarde, escutei tudo quieta e assenti com a cabeça sempre que necessário. Eu havia cometido um erro, não podia deixar meus nervos tomarem conta de mim daquela forma. — Espero que isso não se repita Srta. White, é preciso ter atenção no que está fazendo, entende? A Sra. Taylor ficou extremamente nervosa com o acontecido, pobrezinha.
— Eu compreendo Sra. Grace, não irá se repetir. — Lutei para que as palavras saíssem, meus pensamentos não consentiam com que eu estava dizendo. Estava com raiva, queria quebrar todas as louças da casa somente para me sentir melhor. Poderia quebrar o mundo inteiro com os conflitos dentro de mim.
❣
O dia havia sido mais longo e cansativo do que o normal, minha respiração era lenta e pesada conforme andava para a casa dos funcionários no fim do dia. O céu também não parecia estar muito feliz, nublado sem uma estrela para me mostrar uma luz. Uma brisa fria soprou as mechas do meu cabelo, estava com uma sensação estranha, um frio no estômago parecia gritar para me dizer que algo estava prestes a acontecer.
Não havia ninguém por perto, o caminho de terra até a casa estava completamente deserto e escuro, senti o medo chegar aos poucos e tomar conta de mim. Apressei o passo, cruzando os braços para tentar me aquecer, talvez estivesse ficando louca, pensei. Quem sabe o incidente da floresta tivesse mexido comigo mais do que eu havia imaginado, não tinha porquê ter medo, fazia aquele caminho todos os dias.
Assim que me aproximei da parte do trajeto onde a casa dos Taylor sumia de vista, e a estradinha de terra era rodeada pelas árvores, escutei um galho se quebrar. Poderia ser qualquer coisa, pensei na tentativa de me acalmar, um animal ou quem sabe o vento. Comecei a andar mais rápido e quanto percebi já havia começado a correr. Porém, algo me agarrou, uma mão se fechou no meu braço e me obrigou a parar de forma bruta. — Não... — Sussurrei, não tinha mais forças para lutar.
— Helene, calma! — Uma voz familiar soou de forma doce em meus ouvidos e meu coração se aqueceu. — Sou eu, Charles. — Abri os olhos devagar, observando sua silhueta ficar mais nítida com o tempo e o medo que sentia desaparecer.
— Você me assustou. — Falei, puxando meu braço para me soltar de seu toque, se alguém nos visse eu nem queria imaginar o que poderia acontecer.
— Me desculpe, eu precisava falar com você e ao mesmo tempo não sabia como... — Suas palavras pareciam sair apressadas, como se tivesse ensaiado o que iria dizer mil vezes mas esquecesse tudo de repente. — Nunca nos encontrávamos e quando estávamos no mesmo ambiente você sequer olhava em minha direção, não sabia como chegar até você.
— Talvez seja melhor assim Charles. — Respondi rápido, fitando seus olhos intrigados enquanto mantinha meus pés firmes sobre a terra batida.
— Do que está falando? Eu gosto de você, Helene, quero te ajudar. — Ele deu um passo para se aproximar, mas eu dei um para trás para manter a distância entre nós. Não falei nada, não sabia o que responder, era mais difícil ainda rejeitá-lo quando estávamos sozinhos no mundo. Dei um segundo passo para trás na tentativa de me afastar aos poucos, porém, Charles me segurou pela mão de forma leve. — Tenho algo a lhe dizer.
— Tudo bem, pode falar. — Continuei a encará-lo sem soltar sua mão, seu toque me dava uma sensação de segurança.
— Eu encontrei alguém em Londres, é um velho amigo do meu pai, Helene acho que ele pode ajudá-la a achar suas irmãs. — Charles soava esperançoso e empolgado ao mesmo tempo, conforme ia falando sua animação me contagiava e fazia um sorriso se abrir em meu rosto.
— Isso é incrível! — Respondi, soltando sua mão de repente e as levando até minhas bochechas.
— Ele é um detetive particular, muito esperto por sinal, ficou de me enviar uma carta assim que tivesse mais informações, eu o avisei que era urgente. — Nossa felicidade era tão densa que por alguns segundos pensei que fosse capaz de tocá-la. Eu tinha alguma chance afinal, talvez pudesse reencontrar Abigail e Emma.
Antes que pudesse perceber ou pensar duas vezes estávamos entrelaçados em um abraço, nunca havíamos estado tão próximos um do outro. A sensação de ter seus braços ao meu redor era secretamente maravilhosa, ninguém poderia saber ou sequer imaginar que uma coisa dessas havia acontecido. Demorei um tempo para arrumar forças para me afastar, mas era o certo a se fazer.
— Talvez seja melhor eu continuar isso sozinha, sabe? Sua ajuda foi muito boa, mas eu consigo seguir a partir daqui. — Falei, sem perceber que havia dado alguns passos para trás. O medo me dominava novamente, o que eu estava pensando? Abraçá-lo assim onde qualquer um poderia nos ver, minha vida teria acabado se alguém chegasse de surpresa. Não poderia me arriscar se quisesse encontrar minhas irmãs outra vez.
— Helene, — Charles ergueu as sobrancelhas, olhou para os lados para conferir se não havia ninguém a nossa volta e voltou a segurar minha mão — Eu sei que você é forte, mas queria que soubesse que juntos somos ainda mais. — Suas palavras eram tão doces e acolhedoras que faziam parecer que era o certo.
Ficamos uns bons segundos em completo silêncio, somente trocando olhares e sentindo o prazer de segurar a mão do outro. A brisa soprou mais forte, Charles deu um passo em minha direção, nossos olhos se mantinham no mesmo lugar e meu coração batia tão rápido que podia sentir cada batida sob o peito.
Ele abriu um sorriso fraco, quase imperceptível, sua outra mão tocou de leve meu queixo, e o ergueu devagar. O que estávamos fazendo? Onde estávamos com a cabeça? Éramos tão tolos achando que nada seria mais forte do que o nosso sentimento. E mesmo assim, naquele dia, iluminados somente pela lua cheia, Charles colou seus lábios nos meus, me deixando um beijo breve e um milhão de pensamentos correndo em minha cabeça.
Seu sorriso se manteve firme conforme se afastava, levei os dedos até a boca na tentativa de absorver o que havia acabado de acontecer. Paralisei, fiquei observando seus passos até que não pudesse mais vê-lo, e só então consegui respirar e continuar meu caminho. Olhei em todas as direções para me convencer de que ninguém havia nos visto, e realmente não tinha uma alma sequer na floresta ou perto das árvores. Porém, assim que cheguei na soleira da casa dos funcionários notei uma sombra se mover. — Ora, veja quem temos aqui. — Dylan abriu um sorriso maldoso e debochado conforme se aproximava. — Parece que temos uma vadia de sorte, está tentando ganhar uma promoção? — Ele começou a rir, sua gargalhada ecoava em minha cabeça e me fazia perder a respiração.
— Não sei do que está falando. — Respondi por fim, abrindo rapidamente a porta da frente.
— Acho melhor se comportar mocinha, não quer que ninguém fique sabendo do seu encontro, não é? — Riu uma última vez, antes de passar por mim e seguir em direção aos quartos, me deixando sem ar, sem esperanças e sem saber como seguir em frente. Ele sabia de tudo.
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