Capítulo 5: A Surpresa
"Não é porque está nublado
que as estrelas morreram."
— Chico Buarque
Charles me segurou pela mão e me arrastou até que estivéssemos do lado de fora da casa, bem em frente ao jardim de rosas brancas. Não era exatamente assim que pensei que as coisas fossem se desenrolar, nem sequer havia passado os meus quinze minutos. Primeiramente ele não disse nada, esperou até chegarmos em um lugar quieto, um vento gelado bateu contra nossos corpos e pude sentir um cheiro de grama molhada. Ele me encarou sério e então levou as mãos até o laço que segurava minha máscara, o desamarrando devagar.
Seria condenada a forca, ao hospício, quem sabe até me mandassem de volta para o orfanato. Não saberia dizer qual das opções era pior. Pensei em sair correndo, impedir que ele me revelasse, mas para onde iria? Não havia muitos lugares para onde eu pudesse fugir, ainda mais por não conhecer bem aquelas terras.
Isabelle estava certa. Droga, como eu odiava admitir aquilo.
— Helene? — ele disse meu nome como se fosse uma pergunta, como se exigisse alguma explicação. Só que eu não sabia a resposta certa. — O que está fazendo?
— Eu... Queria aproveitar a festa, dançar... — Ele soltou uma risada, mas não era de felicidade, parecia ser o tipo de som automático que você faz quando não tem palavras restantes. — Me desculpe, foi uma ideia idiota.
— Sim, certamente foi. — Seu olhar severo agora cruzava com o meu, e o arrepio que eu sentia não era de euforia nem de felicidade, era de receio.
— Por favor, não me mande de volta para o orfanato! — Supliquei — Nem me condene a forca, por favor!
Lágrimas escorriam pelo meu rosto e eu nem sequer lutava para contê-las. Olha onde eu havia chegado, me sentia tão tola fazendo um papel daqueles na frente de Charles, ele certamente nunca mais iria querer olhar na minha direção.
— Você tem ideia do que teria acontecido se alguma outra pessoa te reconhecesse? — Ele riu, soltando a sua propria máscara e me encarando incrédulo. Não respondi nada, estava ocupada demais tentando parar de chorar e controlar a minha respiração. Encararia qualquer castigo que viesse de queixo erguido.
— Eu aceito qualquer punição, só por favor, não me mande de volta a Londres. — Cortei o silêncio, limpando as últimas lágrimas e levantando o rosto.
— Você acha que eu seria capaz disso só porque você estava afim de dançar? — Balançou a cabeça, como se eu estivesse dizendo a coisa mais absurda possível. — Minha mãe talvez, Charlotte provavelmente, mas não eu. O que você teve foi sorte Helene.
— Eu sei. — Respondi, sentindo meu coração pulando sob meu peito. O vento batia mais forte e mais gelado, pensei ter sentido um pingo de chuva bater contra meu rosto mas não sabia se era fruto da minha imaginação. — Obrigada por não me castigar. — Falei por fim.
— Posso ver que a Senhorita é mais corajosa do que eu havia pensado. — Charles sorriu, de forma carinhosa dessa vez, o que fez meu corpo sentir um choque de alívio.
— Talvez seja só burrice, você sabe, em vez de coragem. — Desabafei, dando um passo para trás, Isabelle devia estar me procurando precisava encontrá-la com rapidez. — Com licença Charles, preciso voltar ao trabalho, obrigada mais uma vez. — Sorri em agradecimento, minha mente girava com milhares de questionamentos e possibilidades. "E se?" eu me perguntava, e se Anna Taylor tivesse me visto? E se eu não tivesse tido tanta sorte? E se agora eu estivesse arrumando minha mala para voltar a Londres?
Eram muitas possibilidades diferentes, mas a realidade era que no final tudo parecia estar sob controle. Caminhei em direção a porta dos fundos, Isabelle estaria me esperando lá. Olhei para trás uma última vez e vi Charles ainda parado no mesmo lugar, me encarando com uma expressão pensativa. Continuei meus passos curtos e apressados em direção a cozinha quando escutei meu nome.
— Helene! — Parei, me virando a tempo de vê-lo correr em minha direção — É bom ver que alguém está disposto a correr riscos e cometer loucuras em prol da própria felicidade. Gostaria de ter um pouco da sua coragem.
Abri um sorriso no mesmo momento, nunca achei que veria alguém falar uma coisa daquelas para mim. Era sempre um falatório tentando nos encaixar em moldes e costumes que éramos forçados a aceitar. Não sabia se havia feito a coisa correta, pelo menos não naquela noite, mas fiquei com a sensação de que havia dado um passo na direção certa.
❣
Quando abri a porta do jardim que dava para a cozinha avistei Isabelle na mesma hora. Estava em um canto cortando algumas maçãs em fatias, notei que estava ansiosa pela forma com que batia seu pé contra o chão repetidas vezes. E também pela frequência com que encarava a passagem que dava para o salão, provavelmente esperando que eu aparecesse falando que tudo havia dado certo. — Srta. Thompson, está incomodada com algo? — Esther perguntou com um tom de voz severo, enquanto colocava as batatas assadas com alecrim em uma travessa, deixando o aroma das ervas tomar conta do ambiente.
— Não Senhora Murray, me desculpe estou só meio avoada esta noite. — Ela respondeu na mesma hora dando uma última espiada na porta antes de ir ajudá-la com as batatas.
— Deixa que eu a ajudo Isabelle. — Falei casualmente entrando na cozinha. Havia ajeitado meu uniforme e recolocado meu avental e touca. Como se nada tivesse acontecido. Belle arregalou os olhos assim que me viu e tentou se recompor logo depois.
— Claro Helene! — Respondeu em um tom casual animado, passando por mim apressada, ela me agradeceu antes de correr jardim afora. Seja lá onde ela estivesse indo parecia ser urgente.
Terminamos de servir o jantar alguns minutos depois, Esther parecia orgulhosa de seu trabalho e sorria enquanto nos mandava levar as bandejas. Servimos todos os convidados rapidamente, enquanto estava lá segurando uma travessa que continha ervilhas frescas com manjericão, podia jurar que os mesmos olhos que antes me viam com uma máscara, agora estavam em cima de mim, me reconhecendo, me julgando. Pelo menos o velho que havia segurado meu braço nem sequer olhou no meu rosto quando o ofereci os legumes. Respirei aliviada assim que passei de sua mesa, continuando meu caminho pelo salão.
Havia uma cadeira vazia na mesa ao lado, o que achei estranho uma vez que todos os lugares eram marcados e as presenças confirmadas antecipadamente. Havia ali uma família, um casal com dois filhos homens entre idades de onze a quinze anos e uma cadeira vazia ao lado da mãe. Quando ofereci as ervilhas para a mulher, ela disse que sim e então me encarou nos olhos, foi quando a reconheci. Era a moça que eu havia visto no armarinho, que havia me alertado sobre as pessoas falsas da cidade e como as máscaras delas iam cair.
Não sabia se ela se recordava de mim, mas achei engraçado encontrá-la bem nesse tipo de evento, era no mínimo irônico. De qualquer forma passei por ali rapidamente, ela não parecia estar muito feliz com a ausência de quem quer que fosse que deveria estar ao seu lado.
De vez em quando dava uma espiada com o canto de meus olhos até a mesa dos Taylor, Anna conversava animada com o marido ao seu lado enquanto comia um pouco das batatas. Charlotte não parava de falar um segundo no ouvido de Charles, que cutucava a comida como se não estivesse com a mínima fome.
Estava quase saindo do salão quando resolvi dar uma última espiada até sua mesa, foi quando seus olhos encontraram os meus. Os mesmos olhos que eu havia observado tão de perto enquanto dançávamos, mas dessa vez eu não conseguia decifrar seu rosto. Me fitava com suas pupilas fixas nas minhas, mas sua mente parecia estar a quilômetros de distância. Sua expressão era neutra, com a boca reta como uma linha. Desviei os olhos para o chão e fui em direção a cozinha. Tomara que ele não mudasse de ideia e me entregasse, pensei.
Conforme o tempo ia passando e os convidados iam embora, os funcionários pareciam mais felizes. Ainda não conseguia entender o motivo, porque Isabelle havia feito todos prometerem que não iriam me contar, o que me fazia sentir um pouco excluída. Especialmente por ela ainda não ter voltado de seu compromisso.
Já estávamos arrumando a cozinha quando a avistei no batente da porta dos fundos, com um sorriso de orelha a orelha. — Me parece que seu compromisso a alegrou. — Falei baixo quando passei por ela. Isabelle veio atrás de mim conforme eu varria o piso.
— Ora Helene, a vida é feita desses momentos entende? Uma hora está tudo arruinado, e na outra tudo se acerta. — Deu de ombros, se encostando na parede ao meu lado. — É o que minha mãe costumava me dizer.
— Fico fascinada pela sua felicidade, mas se puder me contar o que está deixando esse povo feliz eu agradeço. — Deixei a vassoura de lado e a encarei nos olhos. — Odeio surpresas, que fique claro para uma próxima vez. — Ela riu, como se nada pudesse tirá-la do sério.
— Tudo bem, tudo bem, vamos, você precisa ver eu não posso simplesmente falar. — Isabelle me pegou pela mão e me conduziu até a casa dos funcionários. Conforme nos aproximávamos tudo parecia ficar mais claro em minha mente.
Havia música, não de qualquer tipo, música animada que fazia as pessoas dançarem de forma contagiante. E um enorme brilho, assim que cheguei mais perto notei ser uma fogueira que esquentava a todos naquela noite fria. Era uma festa, concluí.
— Bem, os Taylor podem ter o baile chique deles mas nós temos o nosso jeito de nos divertir também. — Isabelle sorriu e me puxou para dançar.
O céu estava mais estrelado do que nunca, todos estavam dançando aquecidos pelo fogo ou comendo da mesa que Grace havia feito. Haviam algumas coisas que sobraram do jantar, como as batatas e as ervilhas, e também alguns doces que Esther havia preparado especialmente para nós.
Isabelle dançava com um sorriso imenso colado no rosto enquanto o vento passeava ao nosso redor, não sabia dizer se sua felicidade vinha da festa ou de seu compromisso mais cedo. De qualquer forma ficamos um bom tempo ali. Só nós, a música, o vento e o fogo que crepitava da fogueira.
Todos estavam felizes, o que era surpreendente após uma noite tão longa e cansativa de trabalho. Nada do que havia acontecido mais cedo foi suficiente para nos tirar ânimo ou a felicidade, até Grace havia se arriscado a dar alguns passos de dança com as outras meninas. Podia dizer que definitivamente eu nunca havia presenciado tanta alegria junta. Era inspirador.
Estávamos sentadas em um dos bancos posicionados entre a mesa e a fogueira, comendo um pedaço de torta de maçã, quando Esther se levantou falando que estava com sono. Lentamente as pessoas foram se dispersando e se recolhendo para dormir, afinal amanhã seria um novo dia de trabalho como qualquer outro.
Após um tempo todos já haviam ido para a cama, menos eu,devia estar tarde e ainda estava deitada no banco observando o céu. O dia havia sido tão bom que não gostaria que acabasse, achei que se talvez ficasse ali mais um pouco pudesse fazê-lo durar mais. Respirei fundo sentindo o sono chegar e pensei que já estava na hora de ir dormir. Porém, assim que me levantei vi que não estava sozinha. Dylan estava lá, sentado na grama próximo a mim, ele me encarou sério assim que me levantei.
Andei em direção à entrada disposta a ignorá-lo completamente, porém, assim que estendi a mão para abrir a porta principal escutei sua voz soar grave atrás de mim.
— Eu sei o que você fez hoje. — Meu coração acelerou instantaneamente. — E também sei o que Isabelle anda aprontando, o destino de vocês não vai ser muito bom.
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