1 - Ódio
Giselle
Cheguei ao Rio de Janeiro pronta para recomeçar a minha vida. Terminei de pagar a minha pena em Fortaleza e resolvi sair de lá. Sabia que não conseguiria permanecer na cidade diante da possibilidade de cruzar com a felicidade da Alice com aquela Isabella sem recair e querer prejudicar as duas. E eu estava me sentindo ótima trabalhando com as crianças, me senti útil e feliz de verdade, mas mesmo assim não podia arriscar. A Alice despertava o pior de mim... não por culpa dela, era algo aqui dentro que me transformava em uma versão piorada de mim mesma, pois nunca fui peça boa. Mas eu queria melhorar e para isso eu preferi sair de perto, pelo menos até que aquela sensação de derrota que insistia em me corroer por dentro se dissipasse e eu pudesse olhar na cara dela de novo sem sentir ódio.
Pedi indicação no instituto onde paguei a minha pena — fui condenada a prestar serviços comunitários por calunia e difamação — e me falaram sobre o Instituto Anjos de Resgate, no Rio de Janeiro.
Agora... antes de continuar, sei que devem estar pensando: "Nossa, tadinha da Giselle, gente! A cafajeste da Alice a usou e depois a descartou como se ela fosse um garfo de plástico, depois partiu para a presa seguinte". Pois é... se pensou isso e agora está esperando pela heroína clichê que luta a história inteira para encontrar o amor perfeito, mas sem ferir os princípios, a ética, a moral e blablablá... melhor atualizar as configurações do seu cérebro sobre protagonistas de romances, pois esta aqui que vos fala de santa não tem nada. Eu não fui iludida, injustiçada ou sacaneada pela Alice. Eu mereci ser processada, pois a verdade é que fui uma tremenda escrota com ela.
Se você chegou aqui e não sabe do que estou falando, essa história aconteceu em if true love – o código da atração, da Linier Farias. Foi lá que a minha história começou a ser contada. Sugiro que leiam, é muito bom. Mas não vale sentir ódio de mim lá. Se isso acontecer, não esqueça que agora eu sou uma salvadora de bebês e volte aqui para me amar.
Enfim, mas vai demorar muito até vocês lerem tudo lá, então deixa que eu resumo para você:
Alice e eu mantivemos um relacionamento sexual por uns meses. Ninguém era fiel a ninguém, a gente se encontrava apenas para fazer sexo. O máximo que fazíamos como casal era jantar em um restaurante antes de ir para um dos nossos apartamentos, o meu ou o dela, transar. Até aí tudo bem, né? Pois é, o problema é que trabalhávamos na mesma empresa. Transamos algumas vezes na mesa de reunião, inclusive.
A Alice era o tipo de mulher que não se levava a sério. Eu nunca imaginei vê-la namorando alguém e sendo fiel, pois nunca ficou com ninguém por mais de uma semana. Acho que é até exagero eu falar dessa forma, mas a única pessoa, até onde sei, que havia passado tanto tempo com ela, mesmo nessas condições, fui eu. Do nosso jeito, éramos fiéis ao nosso prazer. Ela tinha os encontros de sexo dela e eu tinha os meus, mas sempre que dava vontade nos encontrávamos e ficávamos juntas.
A gente se encaixava perfeitamente, nossa química era incrível. Cheguei a brincar que éramos almas gêmeas de foda. Alice era uma tarada, não tinha pudor nenhum. E eu nunca deixei por menos. Fazíamos de tudo. Depois de satisfeitas ia uma para cada lado.
De repente, depois de um tempo, as coisas começaram a ficar esquisitas, e notei que ela passou a me evitar. Não entendi bem o motivo, até tentei forçar a barra algumas vezes, mas ela estava estranha, mudada. Achei até que fosse acabar tão naturalmente como havia começado, sem mi mi mi, sem sentimentalismo estúpido... Mas uma noite ela chegou na minha casa sem avisar. Tinha fogo nos olhos, mas era um fogo escuro. Não era simplesmente tesão, como sempre. Era algo primitivo, intenso... ela ofegava, o corpo estava febril... sei lá, foi estranho, mas incrível. Ela não falou nada e nem me deixou falar. Apenas entrou e fez o que tinha que fazer. Quase me matou de tanto prazer e depois... puff, o encanto quebrou. Ela ficou estranha, pareceu arrependida, pediu desculpas e saiu. Fiquei sem entender e confesso que até me senti suja, pela primeira vez. Não gostei de ser tratada daquela forma, mas não tomei satisfações, ela não me devia.
No dia seguinte ela me chamou para almoçar e bang! Terminou comigo. Não se termina um namoro que não começou, né? Termina, sim. Ela simplesmente disse que não queria mais e pronto.
Pronto? Pronto é o caralho. Eu fiquei parecendo um siri em uma lata, não consegui aceitar aquilo. Foi aí que a ficha caiu. Ela estava apaixonada por outra... e essa outra só podia ser a tal da Isabella, uma baixinha sem sal que o Leandro contratou para gerenciar um projeto com ela.
A bicha até que era bonita, não posso negar isso, mas hétero e toda fresca, nada a ver com a Alice. Mas comecei a ligar os pontos e não tive mais dúvidas. Alice, a maior predadora sexual do universo, estava interessada nela. E não era um interesse sexual, simplesmente. Era bem pior que isso. Era amor.
Enfurecida, tentei pagar para ver, mas a desgraçada negou na cara de pau.
— Quem é ela? Eu conheço? — perguntei depois do fora e da mini discussão que tivemos.
— Ela quem?
— A garota por quem você tá apaixonada.
— Tá doida? Não tem garota nenhuma.
— Se não tem, então por que você precisa terminar um relacionamento que nem existe? — Fui irônica para não perder a minha pose. Ela estava reticente demais para não ter outra mulher, e mulher importante para fazê-la agir daquela forma.
— Honestamente? Giselle, acho que as coisas estão ficando mais intensas do que deveriam.
— Quê? Como assim? Você tá me deixando confusa. Não tô entendendo mais nada.
Eu quis tecer um fio de esperança de que ela falaria que tudo era uma brincadeira e almoçaríamos rindo daquilo.
— Olha, Gi, desculpa, não quero parecer prepotente. Mas acho que... bem, eu acho que você tá mais envolvida nessa história do que eu. E não parece justo com você continuarmos.
Não acreditei no que estava ouvindo. Depois de tudo o que vivemos, eu vivi para ouvir a Alice terminar um lance comigo e ainda usar um possível envolvimento meu como desculpa. Eu não aceitava. Meneei a cabeça negativamente.
— Gi, eu...
— Não, Alice. Agora sou eu quem vai falar. — interrompi-a sentindo o nó da minha garganta se tornar amargo.
— Ok, fala então.
— Não posso mentir, você tem razão. Eu tô mais envolvida nessa história do que deveria. Confesso que ontem à noite, quando você chegou lá em casa daquele jeito, cheguei a acreditar que estava sentindo o mesmo, mas eu não faço o tipo bobinha apaixonada que se ilude com o mínimo, Alice. Logo que acabamos e você se apressou pra ir embora, saquei que estava errada...
— Eu sinto muito, eu não devia...
— Não, espera. Ainda não terminei.
— Desculpe.
— O que quero dizer é que você está certa, eu realmente estou apai... — Engoli o resto daquela palavra e disfarcei. — Muito envolvida com você, mas isso não é motivo para pararmos de ficar juntas. Eu não te cobro nada, Alice. Nunca te cobrei e nem pretendo cobrar. Sei que você é do mundo e que tentar te prender é dar um tiro no pé. Eu não ligo que saia com outras garotas, mas vou ligar e muito se parar de sair comigo.
Fomos interrompidas pelo garçom trazendo a nossa comida. Eu não estava me reconhecendo. O fim iminente de algo sem início me deixou desorientada.
Engoli saliva sentindo como se nada fizesse sentido. A Alice não podia fazer aquilo comigo. Eu não estava mais raciocinando direito. Quis insistir, implorar que reconsiderasse e mudasse de ideia. Argumentei, me humilhei e a ouvi me provocar. Então parti para ofensa, pois ela teve a cara de pau de dizer que jamais se apaixonaria por mim.
— Você não é do tipo que se apaixona, Alice. É uma conquistadora em série. Vive disso. É incapaz de se envolver emocionalmente com alguém, porque é uma menininha mimada e imatura que não consegue enxergar um palmo além do nariz. — Eu sentia a minha garganta doer de tanto ódio que eu estava sentindo.
Queria gritar, chorar, desabafar tudo o que eu estava sentindo naquele momento. Ela ainda falou mais coisas e meu ódio só crescia.
Eu, Giselle Novaes, levando um fora de alguém. Era o fim do mundo mesmo.
— Você não passa de uma sacana, filha da puta, insensível e desprezível, sabia?
Eu estava indignada. Minha vontade era virar aquela mesa e pegar a Alice na mão.
— E você sabia disso desde o início, Giselle. Nunca menti pra você.
Foi o suficiente para eu pegar a minha taça de vinho quase cheia e acertar a cara dela. Não ficaria ali nem mais um segundo, me levantei, peguei meu blazer, a bolsa e disparei:
— Vá pro inferno, você e a suas vadias. E nunca se esqueça da lei de causa e efeito.
Essa lei era minha, eu mesma pretendia fazer a Alice pagar por aquilo. A prepotência dela ao me falar tudo aquilo me fez chegar em casa e quebrar todas as coisas quebráveis. Chorei. Gritei. Xinguei. Planejei coisas inconfessáveis.
— Pensa que é quem? — gritei e virei uma garrafa de vinho na boca. — Não sou digna de alguém se apaixonar por mim?
Machuquei o pé em vidros pelo chão e virei a garrafa novamente, quando vi que não tinha mais nada ali, eu a joguei com força na parede. Fui até minha pequena adega e peguei outra.
Naquele dia eu bebi até adormecer. Sozinha. Largada. Não havia paixão nenhuma. Eu poderia ter evitado ouvir tudo aquilo da Alice, mas odeio perder. E eu tinha certeza que a Alice estava se afastando de mim para ficar com aquelazinha. E era isso que eu não aceitava, o fato de ela ter mais poder do que eu sobre a minha Alice.
No dia seguinte eu acordei me sentindo horrível. Avisei na empresa que estava hospitalizada e não fui mais o resto da semana.
Depois de me recompor um pouco, eu liguei para o meu pai.
— Paizinho!
— Oi, filha, tá tudo bem?
— Não. Aconteceu um acidente. Vou precisar que compre algumas coisas pra mim.
— Acidente, Giselle? O que houve?
— Eu tô bem, pai. Só vou precisar de uma TV, um vídeo game, uma mesa...
— O que aconteceu?
— Quando você pode vir aqui?
Meu pai nunca me disse "não", sempre que eu aprontava algo, ele só falava para eu não repetir. Então eu prometia não fazer de novo e ele simplesmente me perdoava. Comprou tudo o que quebrei, inclusive meus vinhos. Ele era dono de uma rede de supermercados em Fortaleza. Particularmente nunca me interessei pelos negócios dele, mas ele era podre de rico.
Quando retornei à empresa, evitei, de todas as formas, cruzar com a Alice. Seria bom fazer falta. Ela queria uma cachorrinha atrás dela, se humilhando e levando chute, e eu não era aquilo.
Não foi difícil evita-la, pois ela havia viajado para o Rio de Janeiro, a trabalho... com a Isabella.
Eu estava bancando a indiferente, mas a real é que por dentro eu estava convulsionando de ódio. Mesmo assim me mantive firme. A minha pose só desmoronou completamente quando vi uma foto no Instagram dela com a tal Isabella, toda romanticazinha, voando de asa delta no Rio. Aquilo me enfureceu de tal forma que achei que fosse infartar.
≈
Música:
Rolling In The Deep (Adele Cover) - The All Ways
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