Capítulo 1
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— Bianca não se atreva a sair por essa porta!
Sem se importar com os protestos da mãe, a moça cruzou o grande hall ricamente mobiliado em direção a porta.
— Bianca!
Já com a mão no trinco da enorme porta de madeira, ela olhou para a mulher loura e elegante parada no alto da escadaria de mármore.
— Não perca seu tempo, eu não vou demorar. Adios mamá.
Antes que a mãe pudesse dar mais um passo, a bela e indomável Bianca passou pela porta como um raio.
— Maria! Onde está aquela imprestável quando preciso dela! Maria!
Cassandra, rainha consorte de Olímpia, desceu a escada aos gritos pela governanta.
— Sim, Vossa Majestade! — a serviçal já de idade avançada apareceu correndo por uma porta.
— Onde estava?
— Na cozinha, terminando de supervisionar os preparativos para o almoço. — ela respondeu alisando o impecável uniforme azul marinho.
— Meu marido deu notícias?
— Não senhora.
— Ainda bem. Bianca saiu de novo desacompanhada para andar a cavalo. Não sei mais o que fazer com aquela menina. Ela tem que entender que não é mais uma criança, tem responsabilidades e deveres.
— Bia ainda é... — a mulher usou o apelido da jovem, pois era assim que a chamava quando estavam sozinhas. Mas tratou de reparar seu erro, ao ver a rainha arquear a sobrancelha. — Sua Alteza ainda é jovem, vai aprender com o tempo. — Maria disse calmamente enquanto sua patroa se sentava no sofá de couro preto com a pose de rainha que gostava de ostentar, pegou uma revista e começou a folhear.
— Ela é assim por sua causa.
— Desculpe senhora, mas eu...
— Não se faça de desentendida Maria. Sei que você mima essa menina e acoberta as mentiras dela. Mas isso vai acabar logo, minha filha carrega o brasão do reino e tem obrigações a cumprir. Agora vá, se precisar, eu a chamarei.
— Sim, Vossa Majestade. — Maria assentiu fazendo uma reverência antes de sair.
...
Curvando-se sobre o belo animal, Bianca incitou a montaria a cavalgar cada vez mais veloz.
— Mais rápido Ártemis! — gostava de sentir o sol quente de verão aquecendo-a, o vento em sua pele agitando seus longos cabelos castanhos. Ela era uma excelente amazona, alguns diziam que era a melhor de todo o reino. Bela e de um carisma marcante, era admirada e adorada pelos súditos, pois lembrava muito sua avó, a princesa Lizandra, que também fora muito querida pelos olimpianos.
A égua cor de caramelo, com crina e cauda brancas, parou na entrada de uma trilha recoberta de pedras, que subia por entre um grupo de oliveiras. À medida que o animal ia subindo, o caminho tornava-se mais íngreme. Bianca se segurava com cuidado na sela para não cair.
Alguns metros adiante o caminho afilava-se em uma espécie de cume. Um silêncio entranho pairava no ar. O canto das cigarras cessou, dando lugar ao murmúrio da brisa que soprava das árvores.
Bianca conhecia aquele lugar desde pequena, era ali que vinha quando queria ficar sozinha com seus pensamentos. Desmontou deixando a égua pastar a relva baixa que crescia. Uma poeira marrom-avermelhada elevou-se em pequenos redemoinhos quando ela subia os últimos metros até a estreita passagem que dava ao pico da colina.
A partir dali o terreno formava uma concavidade rochosa, com árvores e arbustos espalhados em suas encostas íngremes. Na base da montanha, como uma joia em uma taça, via-se um pequeno templo em ruínas, o templo de Afrodite, erguido há séculos por viajantes gregos que ali residiram.
Algumas de suas colinas ainda estavam intactas, mas o telhado desaparecera, provavelmente há mais de cem anos. Pilhas de alvenarias espalhavam-se por toda parte no piso elevado, batido pelo sol e pelo vento, era quase impossível imaginar como fora a construção antes. Ali, naquele lugar, ela sentia-se cercada por forças que não compreendia.
Caminhou com cuidado, pois a trilha a partir dali era precária, não se arriscaria a cair e se machucar, ou arranhar-se nos arbustos espinhosos.
E então ele saiu detrás de uma rocha. Lindo, moreno e com um sorriso estonteante no rosto perfeito.
Bianca andou os últimos metros até parar na frente dele.
— Amore mio. — o rapaz sussurrou e seus lábios colaram aos dela mostrando toda a paixão que sentia.
— Paolo! — ela gemeu o nome do amado de encontro aos lábios dele.
Suas mãos enlaçaram seu pescoço, se perdendo nos cabelos negros e compridos. Paolo envolveu-a com seus braços colando seu corpo másculo e forte ao dela. Entre gemidos e suspiros, embriagada pela paixão, Bianca retribuía os beijos com ardor e voracidade.
— Tive medo de que não viesse mia ragazza! — murmurou ele com voz rouca e os olhos cheios de desejo.
— Minha mãe não queria me deixar sair.
— Tenho medo do que eles podem fazer com você se descobrirem sobre nós. — com urgência, ele a apertou em seus braços querendo ter certeza que ela estava mesmo ali.
— Não se preocupe mi amor, ninguém desconfia de nada.
— Fuja comigo Bianca! Fuja comigo para la mia terra!
— Para a Itália?!
— Sì! Podemos construir la nostra vita!
— Não posso Paolo! Lo siento mucho. — triste, ela deu as costas ao amado para que ele não visse seus olhos marejados.
Tudo que mais queria era fugir com ele e passar a vida inteira ao seu lado, mas não podia fazer isso com sua família, seu reino.
— Perchè amore mio? — aproximando-se por trás, ele envolveu sua cintura e seus lábios capturaram o lóbulo de sua orelha.
— Deixe-me amá-la e cuidar de você. — a respiração baixa e quente causava arrepios em sua pele clara.
— Não podemos. — virando de frente para ele, Bianca afagou aquele rosto moreno que tanto amava. Os olhos negros endureceram.
— É por causa do seu dinheiro, não é?!
— Claro que não!
— Você é uma princesa! Tem sangue azul, nasceu e cresceu em meio ao luxo e eu não tenho nada para lhe oferecer! — nervoso, ele não deu ouvidos aos protestos dela e se afastou chutando pequenas pedras que encontrava no caminho.
— Paolo! – ela o agarrou pelo braço forçando-o a olhá-la. — Você sabe que não sou assim, jamais me importei com dinheiro!
— Então por que não pode fugir comigo? — a expressão dura dos olhos negros se desfez e agora expressavam toda a tristeza que sentiam por não ter por perto a mulher amada.
— Minha família e meu reino. Não posso fazer isso com eles, é uma desonra muito grande.
— Então o que vamos fazer amore mio?
— Me dê um tempo, eu vou falar com minha família, eles terão que entender que eu o amo e quero ficar com você.
— Queria poder ter a mesma esperança que você mia ragazza. — mais uma vez seus braços envolveram a cintura delicada. Ele beijou levemente os lábios macios, sentindo a textura suave e o gosto doce.
— Confie, vai dar tudo certo. Eu preciso ir, não posso demorar.
— Não vá amore mio!
As bocas ansiosas voltaram a se unir. Esquecidos por um momento de tudo, eles desfrutaram do êxtase de amar e ser amado. Os beijos intensos e as mãos aflitas por descobrirem mais a cada toque. Ali, no templo da deusa do amor, sentiam-se protegidos e abençoados.
...
— Já está quase na hora do almoço e nada dessa garota! — Cassandra andava inquieta de um lado para o outro em um dos escritórios do enorme castelo. Seu marido estava quase chegando e Bianca ainda não tinha voltado.
— Vossa Majestade.
— O que você quer Maria? — a raiva borbulhava dentro de si.
— O assessor de Sua Majestade ligou avisando que ele já está chegando.
— Dios mio! É hoje que o teto desaba sobre nossas cabeças! — passando a mão por entre os cabelos em um gesto nervoso, ela olhou para a governanta que torcia as mãos nervosamente. — Torça para que sua menina chegue antes do pai dela, caso contrário terá uma guerra neste castelo.
Cassandra saiu do escritório deixando Maria nervosa e preocupada.
— Mi señora, protege a mi niña.
...
Michael de Bourbon y Villanueva, monarca do pequeno reino de Olímpia, incrustado como uma delicada joia entre a Espanha e o Mediterrâneo, abriu a janela da limusine real e admirou o mar azul que se estendia a se perder de vista.
Seu reino tinha uma relação amigável com os vizinhos, o solo fértil e produtivo lhe permitia exportar diversos produtos, inclusive o seu famoso vinho do Mediterrâneo, o Perla Olímpia, um dos mais famosos de toda a Europa.
Ele havia subido ao trono depois da morte de seu tio Augusto III, que não deixou um herdeiro.
No começo, fora difícil, o reino não estava em uma boa situação financeira, mas depois de anos de trabalho duro, os frutos estavam começando a render. Amava muito sua mulher Cassandra e os dois filhos, Nicholas e Bianca.
Seu primogênito e sucessor ao trono, Nicholas Alejandro de Bourbon y Villanueva, estava nesse momento na Dinamarca, representando o reino em uma missão diplomática, acompanhado da esposa Melissa.
Bianca, a filha caçula era o seu xodó, sua princesita. Faria de tudo para vê-la feliz, mas sabia o quão teimosa a jovem era, afinal, era tão parecida com ele próprio.
Sua comitiva se aproximava do castelo de Alcaluz, residência oficial da família real.
...
Cassandra terminava de pentear os longos cabelos louros em frente ao espelho quando ouviu passos subindo a escada. Deixando a escova prateada sobre a penteadeira, ela abriu a porta do quarto a tempo de ver a filha entrando em seu próprio quarto.
— Bianca!
— Agora não mamá.
— Eu estou falando com você!
A jovem não deu ouvidos e entrou no quarto batendo a porta, Cassandra entrou logo atrás. Observou enquanto a filha tirava as botas de montaria sujas de poeira.
— Onde você estava?
Bianca não respondeu e entrou no closet, tirou a camisa e a calça jeans, o corpo alvo coberto apenas por um conjunto de lingerie cor de rosa. Cassandra foi atrás dela e puxou seu braço.
— Eu estou trocando de roupa! Posso ter privacidade?!
— Você terá privacidade quando a merecer. Eu lhe perguntei onde estava! Responda sua menina teimosa!
As duas se olhavam como dois gladiadores prestes a se enfrentar em uma arena. Bianca puxou o braço e vestiu um robe de seda lilás.
— Eu estava andando a cavalo, não aguento mais ficar presa nesse castelo! Eu só quero um pouco de liberdade mamá. — com lágrimas nos olhos, ela caminhou até a janela, não daria o prazer a mãe de vê-la chorar.
— Você sabe que pode sair a hora que quiser acompanhada, mas insiste nessa rebeldia sem motivos. Sempre dá um jeito de despistar os seguranças, eu não sei mais o que fazer com você. Se arrume para o almoço e não demore, seu pai já está chegando.
A porta foi fechada com força e Bianca deixou-se cair na poltrona ao lado da janela. A angústia lhe corroía por dentro, odiava ter que se esconder para encontrar o homem que amava, mas por enquanto, não havia outro jeito. Esnobe e orgulhosa, sua mãe jamais aceitaria um pobre pescador como seu pretendente, sua única esperança era seu pai, e talvez sua tia Penélope, a condessa de Valência.
Aquela vida de glamour também não lhe agradava, os compromissos reais onde tinha que se comportar como a princesa perfeita, apenas um enfeite de luxo que deveria manter-se calada e apenas sorrir em complacência, mesmo que não concordasse com algo. Sua voz nunca era ouvida, suas ideias consideradas tolas.
Era a segunda na linha de sucessão e sabia que nunca governaria Olímpia, primeiro por ser mulher, e segundo porque Nicholas foi preparado para isso desde que nasceu e jamais abriria mão.
...
Michael acabava de chegar ao castelo, eram raras as ocasiões em que conseguia almoçar com a família na residência real, sempre algum compromisso necessitava de sua atenção.
— Marque com o Primeiro-Ministro para depois do almoço.
— É claro Vossa Majestade. — o assessor pessoal do rei assentiu enquanto atualizava a agenda de compromissos no tablet.
— Há algo mais para hoje além dessa reunião?
— Não Majestade, o senhor Morales disse que seria uma reunião longa e eu deveria reservar metade do seu dia.
Michael apenas assentiu sabendo que seria um encontro desagradável. Vicente Morales, o Primeiro-Ministro não era um homem fácil de se agradar e dificilmente aceitava com bons olhos suas ideias.
— Tudo bem Jaime, pode ir almoçar, nos vemos depois.
— Com licença Majestade.
O rapaz magro e moreno fez uma reverência e seguiu na direção da sala jantar.
Michael virou-se a tempo de ver a esposa descendo as escadas. Estava bela como sempre, usando um elegante vestido verde que destacava a pele alva e os cabelos louros que ele tanto apreciava.
— Estava esperando por você querido. — Cassandra disse com voz amável indo ao encontro do marido.
— Mi amor, você está maravilhosa, como sempre.
O casal real trocou um beijo rápido como de costume.
— Estou feliz que tenha conseguido vir almoçar conosco, quase não o vejo.
— São os compromissos de um rei meu bem.
— Eu sei. — Cassandra sorriu ajeitando as lapelas do paletó do marido. — E eu tenho o maior orgulho de você.
— Seu apoio é o que importa. — Michael levou a mão dela aos lábios e depositou um beijo suave, sem desviar o olhar. — E Bianca, onde está minha princesita?
— Estou aqui papá.
A bela jovem foi ao encontro dos pais, seus passos graciosos pareciam flutuar enquanto cruzava o hall.
Bianca abraçou o pai demonstrando todo o amor e carinho que sentia por ele, porém o olhar trocado entre mãe e filha não foi tão afetuoso assim. Mas assim que encarou o pai novamente, ela sorria e seus olhos castanhos brilhavam.
— Você está belíssima filha, como sempre.
— Gracias papá.
— Isso sim que é riqueza, ter uma família como a minha. — Michael disse orgulhoso encarando as duas. — Vamos senhoras? — ofereceu os dois braços que elas aceitaram.
A mesa de jantar estava arrumada, simples e elegante, do jeito que a rainha consorte gostava, principalmente em jantares e almoços familiares.
Michael ajudou a filha e a esposa a sentarem como o perfeito cavalheiro que era e logo depois sentou-se também.
— Pode servir Dália. — Cassandra orientou a empregada que assentiu fazendo uma reverência.
— Então, o que aconteceu hoje de interessante? — Michael perguntou bem humorado não percebendo o olhar trocado entre Bianca e a mãe.
— Nada de interessante querido. — Cassandra respondeu disfarçando. — As mesmas coisas de sempre.
— Ah sim. Eu tenho uma novidade para contar.
— O que papá?
— Teremos um convidado especial para a nossa Festa do Vinho este ano.
— Quem querido?
— O duque de Castilho y Sevilha, primo de terceiro grau do rei da Espanha.
— Que maravilha! — Cassandra comemorou animada. — Ter um membro da família real espanhola em nossa festividade é essencial para a nossa boa imagem.
— Sim querida, ele aceitou o convite a pedido do rei que não poderá vir.
— Que ótimo papá.
Michael olhou para a filha, um pouco preocupado com aquilo que iria pedir a ela.
— Bianca, mi amor, eu gostaria de lhe pedir algo.
— O que? Pode falar.
— Eu gostaria que você acompanhasse o duque enquanto ele estiver em nosso reino.
Cassandra tentou disfarçar, mas estava adorando aquela ideia.
— Sei que é pedir muito, mas quem melhor do que a princesa de Olímpia para acompanhar o duque? É apenas para lhe fazer companhia.
— Tudo bem papá, eu farei isso.
Michael fez um carinho no rosto da filha.
— Gracias meu bem. Também falei com Nicholas hoje de manhã, ele e Melissa estarão de volta a tempo para a festa.
— Hoje é o dia das boas notícias, vamos brindar! — Cassandra propôs erguendo sua taça.
Bianca aceitou o brinde e enquanto tomava um gole do vinho, pensava na melhor maneira de conversar com o pai sobre Paolo. Seu coração estava apertado, angustiado. O medo tomava conta de seus pensamentos.
...
O dia findava deixando o céu de Olímpia com uma cor alaranjada enquanto o sol se escondia por trás das colinas. Era um belo espetáculo.
Sentada no parapeito da janela, Bianca relembrava os momentos com seu amado Paolo. Se lembrava de seus beijos, seu toque quente que a deixava trêmula e ansiosa por mais.
Alguém bateu na porta e ela virou-se a tempo de ver Maria entrando no quarto carregando uma bandeja.
— Permiso mi niña.
— Hola. Você sabe que pode entrar a hora que quiser Maria.
Bianca foi ao encontro daquela que foi sua babá e hoje se tornou sua grande amiga e confidente.
— Eu lhe trouxe um lanche, você comeu pouco no almoço e passou a tarde no quarto. Que paso mi amor?
A expressão triste no rosto da garota deixava a velha senhora com o coração apertado.
— Hei, venha cá. — Maria sentou na cama e a chamou para que deitasse a cabeça em seu colo.
Bianca prontamente aceitou, o carinho dela lhe fazia muito bem, seus cafunés eram maravilhosos.
— Eu estou preocupada Maria.
— Com o que?
— Com o Paolo, com nós dois.
— Queria poder ajudá-la mi niña.
— Ele me chamou para fugir, para a Itália.
— O que você disse? — Maria perguntou preocupada.
— Não posso fazer isso, por mais que eu o ame, não posso.
— Você está certa, é uma desonra muito grande.
— Meu pai não merece isso. Eu preciso falar com ele, explicar tudo.
— Sabe que não será uma conversa fácil, não é?
— Eu sei Maria. — a garota disse aflita levantando. — Mas eu preciso fazer algo, minha mãe está de olho o tempo todo e insiste para que eu saia acompanhada pelos seguranças.
— Ela não está errada cariño, teme por sua segurança. Afinal, você é a princesa.
— Apenas um enfeite de luxo, é isso que eu sou. — Bianca murmurou consigo mesma olhando-se no espelho.
Maria também levantou se foi até ela, abraçando-a por trás.
— Você é muito mais que isso mi niña. É forte, corajosa, muito inteligente e eu tenho certeza de que chegará aonde deseja.
— Gracias Maria, por todo.
Bianca abraçou a mulher com carinho e beijou seu rosto. Era grata demais por tê-la em sua vida.
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