Não tome meu coração, não despedace meu coração
1987
Na vida, nada poderia ser perfeito. Mas havia uma exceção, e aquela exceção era o amor, porque, mesmo com as diferenças, ainda com discussões bobas, e apesar de tudo, ele conseguia continuar intacto. Pelo menos, foi o que Bright pensou por anos enquanto Win era o seu namorado.
Bright conseguiu suportar ver Win escolhendo um caminho que não era certo. Tentando não se intrometer na vida do namorado, deu poucos conselhos e decidiu se manter no próprio lugar, observando as decisões de Win. Agora, ele se arrependia de não ter invadido a vida dele. Talvez, agora, em 1987, as coisas estivessem diferentes. Se tivesse tido um pouco mais de atitude, provavelmente, agora, Win não estaria conhecido com uma banda que pensava mais em drogas do que em realmente seguir o sonho de fazer música. Bright detestava Mike agora por ter se tornando uma péssima influência ao seu namorado.
Os anos passaram em um piscar de olhos e Bright se formou em Jornalismo. Win não compareceu em sua formatura porque participou de um show em uma festa universitária no fim do mundo. Não era o primeiro compromisso importante que Win faltava. Ele faltou ao aniversário surpresa de Bright, organizado por Nani e Dew, que não deixaram de avisar que faltava pouco para que Bright se magoasse. Mesmo assim, o amor que sentia por Win continuou intacto.
A vida adulta havia chegado e Bright conseguiu o emprego dos sonhos em uma cidade nova. Trabalharia escrevendo em um jornal e estava disposto a levar Win consigo, caso largasse os vícios e a banda. Sabia que aquele seria o ano da separação porque a certeza de que Win não deixaria tudo aquilo para trás por Bright martelava na sua cabeça. Era hora de dizer adeus, ou, ao menos, um até logo.
— Você tem certeza disso? — Nani questionou ao amigo, no quarto do dormitório, o ajudando com as caixas e malas. — Você o ama e vai mesmo deixá-lo? Quer dizer, quanto tempo você esperou para conseguir namorá-lo?
— Eu não queria concordar. — Disse Dew, passando fita em algumas caixas para fechá-las. — Mas é o Win. É o cara dos seus sonhos. Você vai mesmo abandoná-lo?
Bright parou de amarrar os cadarços do coturno para olhar os amigos. Eles o encaravam de volta e os olhares estavam cheios de preocupação.
— Por que diz que eu vou abandoná-lo?
— Sabemos que o Win não vai embora com você para outra cidade. — Dew continuou. — Ele tem uma vida aqui.
— Ele pode ter uma vida em outro lugar.
— Você está sendo egoísta, Bright. Ele tem um trabalho, que é a banda dele. É o ganha-pão dele. Você pedir que ele deixe tudo para trás por sua causa é um pouco egoísta da sua parte.
Bright não disse mais nada, e continuou a arrumar todos os seus pertences. A hora do encontro com Win se aproximava e Bright nem mesmo havia dito que mudaria de cidade. Jogaria uma bomba atrás da outra em cima dele, e tinha medo da reação. Esperava, ao menos, que Win estivesse sóbrio para que pudessem ter uma conversa decente.
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Em geral, Win estava sempre com um cigarro na boca, nos dedos, ou seguro na orelha. De vez em quando, Win bebia mais cervejas do que o normal e não conseguia ficar sóbrio o suficiente para andar em linha reta. Bright não conseguia descrever como odiava tudo aquilo. E se odiava ainda mais por não conseguir tirar Win daquela bola de neve.
Na época da escola, há mais ou menos quatro anos, Bright era alguém que parecia ver tudo nublado. Ele não tinha perspectivas de vida e não sabia exatamente como era se sentir feliz. Ele precisava de ajuda. Desejava ter alguém ao seu lado que o mostrasse como a vida valia a pena. Quando conheceu Win, todos os seus sonhos, de repente, foram realizados. Win era tudo o que pediu, e Bright se viu curado e esperançoso. Foi tão errado. Dependência emocional poderia ser considerado um crime. Só que, Bright amava Win, e era aquilo que enxergava, e nada mais.
O mundo deu voltas e agora era Win quem parecia precisar de ajuda. Bright, no entanto, não poderia fazer nada, não quando Win achava não precisar de ajuda. Talvez mudar de cidade e se afastar dele fosse a coisa certa. Era melhor estar longe e evitar ser magoado.
De manhã cedo, no dia da mudança, Bright se encontrou com Win na casa dele. Dew e Nani esperavam Bright dentro do táxi. Na calçada, Win apareceu vestido com moletom da cabeça aos pés e um cigarro sendo aceso na boca. Era de manhã cedo e ele já estava fumando. Bright quis fechar os olhos para não ver a cena, mas decidiu mantê-los abertos, assim seria mais difícil esquecer dele.
Win o beijou na boca e depois tragou o cigarro. Bright o observou com a garganta fechada. Faria de tudo para a conversa ser rápida.
— O que a Love acha sobre os seus cigarros?
— Você sabe que ela sempre foi careta.
Rindo, Bright não acreditou no que ouviu.
— Meu Deus, Win, quem é você?
— Como assim? — Perguntou, virando o rosto para soltar a fumaça.
— Eu estou indo embora.
Bright não teve certeza se ele estava concentrado na conversa, até aquele momento, quando os olhos de Win, não tão doces e gentis como antes, cravaram em si.
— O que você disse?
— Eu estou de mudança. Consegui um bom emprego em uma cidade nova. Vou agora.
Ele nem mesmo tragava o cigarro. A mão estava parada no ar, a boca aberta. Os olhos nem piscavam. Bright quis ser grosso com ele e falar que só agora ele estava se importando com o namoro, mas Bright não era aquele tipo de pessoa, então continuou calado, esperando uma resposta de Win.
Demorou um tempo até que Win voltasse à realidade. O cigarro foi jogado no chão e ele não se deu ao trabalho de apagar, até porque, estava de meias.
— O que isso quer dizer? Que o nosso namoro acaba aqui?
— Acaba, se você não for comigo.
— Eu não vou. — Ele não pensou para responder, e Bright sentiu uma fisgada em algum lugar ali dentro. Nunca havia sido magoado por Win, até aquele momento. — Você sabe o que eu tenho aqui, Bright. Eu não posso deixar tudo para trás.
Olhando Win por completo, Bright assentiu com a cabeça, não se surpreendendo com a decisão dele. Já sabia, de qualquer forma, que Win não o amava o suficiente. Se estava se comportando como um egoísta, Win estava sendo pior, mostrando uma pessoa que não era. Um insensível.
— O que você não entendeu ainda, — Win continuou. A voz saiu rouca e ele estava furioso. — é que eu não sou mais aquele garotinho que você conheceu na escola. Aquela pessoa pela qual você se apaixonou não está mais aqui agora. Você entende isso, Bright?
— Eu sei disso há muito tempo. — Respondeu, com mais raiva ainda. Era estranho estar naquele tipo de situação com Win. Eles sempre foram amigos e namorados carinhosos um com outro. — Mas eu espero que você se encontre novamente um dia.
— O antigo Win morreu, Bright. Você precisa aceitar.
Querendo ir embora dali, Bright molhou a garganta seca e deu alguns passos até o carro, ainda olhando Win.
— Você foi a melhor coisa que me aconteceu. Tente se lembrar disso quando estiver bêbado ou drogado por aí, junto com o idiota do Mike que você chama de amigo.
Win pareceu ainda mais furioso com a fala, porque Mike era mesmo o seu amigo, de infância. Eles nunca haviam brigado. Nunca. Ouvir Bright xingá-lo fez o seu sangue ferver. Não pôde dizer mais nada, até porque não conseguiu pensar em nada para dizer. Bright já havia entrado no carro e se mandado para qualquer lugar. Naquele momento, Win desejou nunca mais ver Bright em sua frente.
Entrando dentro de casa, Win sentiu aquela mesma mistura de sentimentos no peito. O aperto e a ardência. O amor que sentia por Bright queimava cada canto de si, e era uma coisa boa. Mesmo. Porque o fazia se sentir vivo. Agora, porém, aquele fogo assemelhava-se a um incêndio, matando tudo o que havia de bom por dentro.
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Se concentrar no baixo estava sendo difícil para Win.
Um baile de uma escola do bairro acontecia e aquilo não trazia boas lembranças. Ele acabava por se recordar de Bright e de como dançou com ele em 1983. Lembrar daquilo, porém, fazia com que a memória da surra que Bright havia levado aparecesse em sua mente. Pensar em Bright não fazia bem para si, e ele já havia ido embora há três semanas. Há três semanas, tentou não se lembrar dos momentos que tiveram juntos, mas, aparentemente, tudo o que via e tudo o que escutava fazia com que a imagem de Bright aparecesse em seus pensamentos. Gostaria de se lembrar ao menos do Bright triste da escola, para que não sentisse tanta saudade. Mas, só conseguia se lembrar de como ele era feliz quando estava ao seu lado.
— Seu merdinha! — Mike xingou, gritando diretamente para Win, no meio do show, não parando de tocar na bateria e não se importando se o ouviriam ou não. — Dá para se concentrar no show e tocar esse baixo direito?
Com raiva, Win mostrou o dedo do meio para o amigo e se sentiu aliviado quando Head Over Heels, do Tears For Fears, finalmente acabou. Ele poderia ter um descanso atrás do palco, caso Mike não tivesse o seguido. Win só queria um tempo sozinho. Love estava sempre em casa, olhando-o feio, e passava muito tempo com a banda, ensaiando, tocando em shows em lugares pequenos. Aquela semana estava sendo complicada para ele. Querendo ou não, sentia saudades de Bright.
— Dá para parar de pensar na pessoa que abandonou você e se concentrar pelo menos uma vez no show? Essa banda é ou não é importante para você?
No fundo, Win ainda era o mesmo garoto retraído, porque não gostava de falar sobre determinados assuntos, especialmente aquele, sobre gostar de uma pessoa igual a si. Apesar de Mike ser o seu melhor amigo, ele ainda se sentia tímido falando em voz alta como tinha um namorado, sem contar que, falar sobre Bright era um tópico sensível, principalmente quando Mike falava daquele jeito. Abandonar era uma palavra forte e doía.
Alguns dias eram melhores que os outros. Às vezes, bebia até que desmaiasse no sofá sem se importar se Love brigaria consigo quando chegasse do trabalho. Às vezes, fumava até não sentir mais nada dentro de si. Queria parar de sentir coisas. De certa forma, culpava Bright, porque aparentemente, Mike tinha razão. Ele tinha o abandonado, por mais que tivesse tido a opção de ir embora com ele. Mas ele não foi e agora teria que arcar com as consequências.
Péssimo como nunca esteve, ele se virou e olhou Mike com raiva. Só porque eles eram amigos, Mike não tinha o direito de ser grosseiro com ele ou tocar no assunto proibido. Bright era um tópico muito sensível e Win não fazia ideia de onde ele estava ou o que estava fazendo da vida. Se tivesse a chance de encontrá-lo novamente, não hesitaria em ir atrás dele. Talvez estivesse se sentindo culpado e errado pelas escolhas que fez.
— Você está me ouvindo, Win? Está chapado ou bêbado, por acaso? Você sabe a regra. Nada de drogas ou bebidas antes do show. Precisamos mostrar que somos bons.
— Cala a boca, Mike. E vai embora. Eu quero ficar sozinho
Os rapazes da banda se aproximaram e Win quis que eles explodissem, ou então, ele mesmo poderia explodir.
— Se quer ficar sozinho, é melhor sair da banda.
Com as mãos fechadas, com raiva, Win pensou que nunca havia brigado com Mike. Só que as coisas estavam pesadas para ele, então brigar com Mike pareceu ser algum tipo de alívio para a sua raiva, já que não havia mais com quem brigar. Com Love ele não seria capaz, porque ela era e sempre seria a pessoa mais importante da sua vida. Nem mesmo Bright era mais importante que Love.
— Sabe qual é o seu problema, Win? É que você ficou muito dependente do Bright. Dependência emocional... todos sabemos como esse tipo de coisa mata a gente por dentro. Eu dei a maior força no início, mas se eu soubesse, que isso terminaria assim, eu teria afastado você dele.
— Se você tivesse um pouco de juízo, Mike, você ficaria calado.
— E se eu não calar a minha boca? O que você vai fazer?
Ele não precisou de respostas para a pergunta de Mike. Simplesmente avançou nele e o socou no rosto. Quando viu, a mão estava suja de sangue o nariz do amigo também. Os rapazes da banda o seguraram, mas Win conseguiu se soltar e saiu daquele lugar.
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Win abriu os olhos e não soube exatamente onde estava, que dia era, qual era o horário, e qual foi a última coisa que fez.
Ele acordou com batidas na porta do seu quarto e Love entrou sem esperar uma permissão. Win não ficou chateado com ela, porque havia acabado de acordar, e Love era a sua irmã mais velha, aquela quem cuidou de si a vida toda. A visão ainda estava embaçada e a cabeça doía como se um caminhão tivesse passado por cima quando conseguiu focar em alguma coisa e se sentar na cama. Ainda com a roupa da noite passada, percebeu a irmã aflita. Ela chorava. Win andou até ela.
— O que aconteceu?
— Win... — Ela continuou chorando.
Win balançou o corpo dela, como uma forma de acordá-la.
— Fala de uma vez.
Love se acalmou.
— O Mike. Ele se envolveu em uma briga em um bar. A discussão foi feia e ele foi ferido, e não resistiu ao sangramento. A mãe dele me ligou agora do hospital para dar a notícia.
Love falou tudo de uma vez, sem enrolar. Foi melhor daquele jeito. Win precisava saber a verdade, mas a dor que sentiu foi pior do que a dor de ser abandonado por Bright. Não podia acreditar que Mike havia morrido e que no último encontro dos dois havia brigado com ele.
— Você está brincando com a minha cara, não está?
— Você acha que eu brincaria com uma coisa assim?
— É algum tipo de vingança, não é? Eu e o Mike brigamos ontem à noite. Deve ser uma brincadeira de mau gosto.
— Vocês brigaram? — Ela regalou os olhos. — Vocês fizeram as pazes?
Win abaixou a cabeça, decepcionado.
— Não.
— Meu Deus, Win...
— Por favor, fale que isso é uma brincadeira.
O silêncio dela fez Win cambalear para trás, tonto. Ele caiu sentado na cama e pôde sentir o estômago revirar. Quis vomitar o que quer que tivesse comido na noite passada. Ele olhou o nada, e antes que pudesse pensar em chorar, sentiu o rosto molhado. As lágrimas já estavam caindo. Ele chorou desesperado.
Bright havia ido embora. Sumiu do mapa. Não havia notícias dele há semanas. Não sabia para onde ele havia se mudado, não tinha nenhum número de telefone, ou endereço para mandar uma carta. Não podia contar com ele para chorar em seu ombro.
Até que as coisas melhorassem, os cigarros e as bebidas teriam que servir como ajuda e apoio.
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