Eu quero você, preciso de você
1983
Foi no show do Mötley Crüe, em 1983, que Bright e Win se conheceram pela primeira vez.
A banda tocava Piece of Your Action. O grupo era exótico e não fazia o estilo de Win. Ele preferia músicas românticas e calmas, com o tipo de melodia perfeita para abraçar alguém e dançar. Ainda assim, Win não reclamou por estar em um show de heavy metal junto com o amigo, afinal, não havia nada para se fazer naquela noite de sábado. O fliperama estava lotado e Win estava cansado e enjoado dos jogos. Acabou se viciando e decidiu se afastar quando lembrou que vício fazia muito mal para a saúde mental de quem quer que fosse. Para falar a verdade, o vício era uma parte obscura da vida de Win, já que havia perdido os pais para as drogas quando ainda era uma criança de três anos. Desde então, Win foi criado pela irmã mais velha, Love, a melhor pessoa que existia em seu mundo.
A pista estava completamente lotada e as pessoas estavam praticamente grudadas no corpo suado de Win. Escolher uma regata vermelha no guarda-roupa para não reclamar do calor, não adiantou muito, já que estava pingando de suor. Os pés começavam a doer e o show ainda estava na metade. Ao menos, alguém estava se divertindo: Mike, o amigo que estava ao seu lado desde o ensino fundamental. Eles eram inseparáveis e muito diferentes um do outro. Win gostava de ter o seu espaço, de momentos pacatos, de escutar e não falar, de ficar sozinho e não se sentir solitário. Já Mike, morava com uma mãe que cuidava da casa, do filho rebelde, e trabalhava às vezes, quando achava necessário. O pai vivia dormindo na poltrona quando podia, a TV sempre ligada, gastando energia, mas, pelo menos, ele trabalhava escrevendo em um jornal e levava dinheiro para pagar as contas da casa. Mike gostava de usar lápis preto nos olhos e era fã de qualquer tipo de rock, e sabia deixar a mãe maluca tirando notas não muito boas e saindo de casa escondido no meio da noite para shows ou para beijar alguma menina sem juízo.
O show estava bacana, e Win conseguiu gostar das músicas e cantarolar o refrão. Quase foi derrubado algumas vezes com empurrões, mas olhar Mike se divertindo ao seu lado e pulando sem parar, não tinha preço. Não reclamaria daquele momento, porque estava mesmo curtindo. Se estivesse em casa, estaria ouvindo alguma música melancólica ou assistindo a algum filme de terror na TV.
— Oi!
Conversar em um show era uma coisa impossível, principalmente em um show como aquele, com uma música de ensurdecer e com o lugar lotado. Contudo, Win virou o rosto para saber quem havia o cumprimentado, e o desconhecido estava próximo, com um olhar curioso em cima de si. Juntando as sobrancelhas, Win respondeu, a fim de saber o que aquele menino interessantemente bonito queria consigo.
— Oi!
O olhar de Win estava prestes a voltar para o palco quando o desconhecido voltou a falar, disposto a começar uma conversa. Ainda com as sobrancelhas juntas, e confuso, Win o observou novamente.
— Qual é o seu nome?
— Win!
— Quer saber o meu?
Os ombros de Win se mexeram para cima e para baixo, avisando que tanto faz saber o nome dele ou não. Conversar com rapazes deixava Win mais do que nervoso. Ele transpirava. Ser homossexual na década de oitenta não precisava ser um segredo, mas Win era inseguro e medroso o bastante para fazer questão de não se mostrar interessado neles. Leu e assistiu inúmeros casos sobre doenças e sobre violência contra gays, e Win não queria ser mais uma vítima. Manter distância, então, seria sempre a sua primeira escolha.
Antes que o diálogo continuasse, Mike, muito animado, puxou o pulso de Win, e então, os garotos se perderam no meio da multidão. A tristeza que Bright sentiu depois foi indescritível. Perder Win de vista fez o seu coração se apertar, dando a certeza de que nunca mais o veria novamente. Tudo bem, no entanto. Bright estava procurando apenas uma companhia. Nada extraordinário.
Bright decidiu continuar curtindo o show, esquecendo-se do menino de regata vermelha. Não era a sua banda favorita no palco, porque Bright não tinha nenhuma coisa favorita. Nem banda, nem música, nem pessoa favorita. Ele gostava de tudo igualmente.
🔥
— Como foi o show? — Foi a pergunta que Win ouviu quando chegou em casa, três horas da madrugada.
Love era a única família que Win conhecia. Ela era a sua irmã mais velha, responsável por ele. Quando eram jovens, os pais de ambos os meninos se envolveram com drogas e a overdose veio quando ninguém estava esperando, e quando ninguém sabia que eles eram usurários. Foi um choque para Love, ainda uma adolescente, e desesperador também. Adulta, ela conseguiu cuidar de Win de alguma forma que em sua mente parecia um borrão, mas, ela havia conseguido. Cuidou de si mesma, da herança que foi deixada, e de um Win de três anos que mal sabia pronunciar o próprio nome. O assunto, agora, não era colocado em pauta. Os irmãos não os culpavam, porém. Sentiam saudades, claro, e preferiam lembrar apenas dos bons momentos. Atualmente, a tranquilidade se fazia presente, e Win e Love encontravam forças um no outro todos os dias, para viverem dias difíceis e dias fáceis, um de cada vez.
Três horas da madrugada, Win apareceu em casa e encontrou a irmã acordando de um cochilo no sofá, os cabelos castanho-escuros iguais aos do irmão espalhados pelo estofado. Love estava esperando o irmão mais novo, preocupada com ele. A preocupação excessiva dela não incomodava Win.
— Divertido. — O menino respondeu, sentando-se ao seu lado. Soltou um longo suspiro antes de continuar. — Tirando a parte que um desconhecido puxou assunto no meio da pista, quando não dava para ouvir nada. Ele me olhava com curiosidade. Foi estranho.
Love encarou o irmão mais novo, aproveitando que ele não a olhava de volta. Com um sorrisinho de canto, desconfiada, ela fez a mesma pergunta que fazia sempre quando colocava os olhos em Win. Era um assunto pessoal, porém, e Love não queria ser intrometida, por mais que ela e Win confiassem um no outro de olhos fechados. Só que, Win era um garoto retraído e não gostava de falar sobre a própria vida, então, Love o respeitava, no fundo, sabendo que havia algo perturbando Win.
— Ele deve ter gostado de você.
Win olhou abismado para a irmã. Virou o pescoço com rapidez. Love riu dele, colocando os dedos frente à boca para disfarçar.
— Em que sentido?
— Você sabe, Win. Ele deve ter se sentido atraído por você.
Com carinho, Love encostou a mão nas costas de Win, sentindo a regata molhada de suor. Ela continuou ali, alisando para cima e para baixo, querendo ir a fundo no assunto. Não era uma irmã curiosa, só não queria ter segredos com Win.
— Por que você está falando sobre isso?
— Sobre o quê?
— Sobre isso. — Win estava claramente nervoso, sem saber como sair daquela conversa constrangedora. — Sobre... meninos que gostam de meninos.
— É um assunto normal, Win.
— Você fala comigo como se eu fosse um dos seus alunos. Já percebeu?
— Deve ser porque eu estou sempre tentando ensinar alguma coisa a você.
— Bom, enfim. — Tentou cortar o assunto, mas as seguintes palavras saíram antes que pudesse segurá-las. — Eu duvido que ele tenha gostado de mim. — Falou, os olhos mais abertos do que o normal. O coração estava acelerado e ele queria mais que tudo subir para o quarto e se trancar lá dentro.
— Por que duvida que ele possa ter gostado de você?
— Por que estamos falando desse cara totalmente desconhecido? Eu nunca mais vou vê-lo na vida, de qualquer forma.
Porém, Win voltou a encontrá-lo, duas semanas depois, na porta da escola onde estudava.
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Viver no próprio mundo, com o walkman no ouvido, escutando músicas e não precisar ter conversas desnecessárias com as pessoas, era perfeito para Win. Ele era mesmo um rapaz de bem com a vida, mas ter o seu espaço o deixava confortável. Ser amigo de Mike e ter a irmã por perto, estava de bom tamanho, Win achava.
No capô do carro cor de vinho, o walkman estava pendurado no pescoço, sem nenhuma música sendo tocada. Estava de bom humor o bastante para conversar com o grupo por perto. O papo estava agradável e era sobre um assunto que Win entendia. Filmes de terror.
— A segunda parte de Psicose está passando no cinema. Vocês querem ir assistir? — Um dos meninos no grupo perguntou.
— Eu quero assistir Os Embalos de Sábado Continuam. — Disse uma menina. Ela abraçava os livros com força contra o peito e os olhos estavam pintados com sombra rosa.
— Ir ao cinema para ver um filme para meninas? Não, obrigado. — O mesmo menino respondeu.
— Não seja um babaca. — Win rebateu, não gostando da resposta dele. — Só porque é um filme de dança não significa que seja só para meninas.
— Relaxa, Win. — Mike pediu, o massageando no ombro. — Opiniões idiotas devemos ignorar, concorda?
De mau-humor, Win saiu de cima do capô do carro e entrou dentro dele, sentando-se no banco de carona. A raiva que se formava dentro de si quando ouvia comentários preconceituosos era inexplicável, e se não fosse esperto para manter a calma, já teria arrumado briga com Deus e o mundo.
Afastado e com uma expressão tola no rosto, Bright observava Win. Era difícil de acreditar que era ele, o menino do show, aquele que chamou a sua atenção e jurou nunca mais conseguir vê-lo. Antes que o perdesse de vista, Bright apertou o fichário entre o braço e correu até o carro. Imediatamente, Win levantou o rosto para olhá-lo, juntando as sobrancelhas, reconhecendo aquele rosto.
— Ei, você estava no show do Mötley Crüe.
— Sim! — Respondeu, animado, o sorriso começando a ganhar vida.
Bright não fazia questão de sorrir, porque a vida era difícil para si, mas, quando estava perto de Win, o que acontecia consigo era incontrolável. Era como se Win fosse dono do seu sorriso e da sua felicidade.
— Você estuda nessa escola? — Win perguntou, não tirando os olhos dele. Ele era mesmo interessante com o cabelo castanho claro e os olhos sérios, mas a boca não enganava. Havia um sorriso querendo aparecer ali.
— Estudo. Você também?
— É uma grande coincidência, não acha?
Foi estranho quando Bright olhou Win com curiosidade no show, porém, mais estranho agora, quando Bright o olhava como se existisse apenas ele no Planeta Terra.
— Você não sabe o meu nome. — Bright disse, ofegante. Percebeu que a respiração estava descompensava pelo nervosismo. Win crispou os lábios para não rir dele.
— Ei, vamos embora? — Mike apareceu, do outro do lado do carro, captando a atenção dos dois.
Mike sempre dava uma carona para Win, já que a casa do amigo ficava no caminho da sua própria casa. Então, olhando para a estrada, ouvindo o carro ligar, Win tirou os olhos de Bright e sumiu dali em um piscar de olhos.
Desesperado mais uma vez, Bright soube que Win estava se tornando um problema para si. Um problema que precisava de solução, e seria Bright a fazer aquilo. No show, há semanas, quis Win como uma companhia, agora, sentia como se existisse um ímã entre eles.
A parte boa era que Bright sabia onde encontrar Win, a parte ruim era que Bright não sabia se Win iria querer encontrá-lo.
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