|Capítulo 57|
Rustan Abromowitz
- Por favor, Ted - eu imploro pela vigésima vez, caminhando ao seu lado para uma área mais reservada, aquele tipo de assunto não era bom se caísse nos ouvidos errados. - Eu sei que não terei como te recompensar pelo enorme favor que você fará por mim, mas eu preciso de sua ajuda. Eu tentei outras rotas, só que... Falhamos em todas e esse é o único jeito.
- Rustan, você só pode ser louco - ele responde passando a mão pelos cabelos loiros, apreensivo com o meu pedido -, essa é a única explicação plausível... Você sabe como é difícil passar apenas uma pessoa pela fronteira, imagina quatro! Fora que dois estarão sendo perseguidos por um ser traidor e o outro inimigo... Ainda tento entender por que Deus me levou até você naquele dia.
- Talvez tenha sido para quando esse dia chegasse, você me ajudasse. Deus escolhe as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias. Vai saber se não será o dia do meu juízo e está em suas mãos o meu destino, a vida ou a morte...
Comento olhando o mapa que ele havia aberto no chão e passando os dedos por toda a extensão de Berlim. Ted procurava por uma rota que não tivesse que passar por ele, eu entendia suas preocupações, é compreensível, mas não existe outro meio, se não for esse.
- Já pensou em ir pelo rio Spree? - ele me pergunta olhando em meus olhos com ansiedade e medo, eu via suas mãos trêmulas com meus impulsos, mas ou era ele ou minha morte certa. - Eu ouvi notícias próximoas a estação de trem Berlim (Berlin Ostbahnhof), a área está pouco movimentada...
- Sim, mas a ponte foi dinamitada, se tornando mais difícil de atravessar, não impossível, só que eu não quero esses riscos. A região foi bombardeada deixando muitos destroços expostos, seria um caminho ao inferno e sem retorno. Houve um relato semanas atrás de muitas doenças que se espalharam pela região, vindas principalmente de ratos e tétano. Teria que fazer esse caminho de dia, porque não veríamos o percurso, porém com os soldados atrás de mim, o alemão sendo perseguido e suas mulheres...? Eu prefiro não arriscar nesse, Ted.
- E se fossem para o leste? Atravessar toda essa região e depois tentar ir até o sul... Pegar um navio de refugiados e parta para a Espanha. De lá pega um outro navio e vá para as Américas. Eu soube, notícias de amigos que me mandaram por cartas de meu lar, que alguns países estão aceitando refugiados. Tem o Brasil, Estados Unidos, Venezuela, Canadá...
- Isso poderia dar - meu tom se torna ainda mais pessimista do que quando estava com Leah e os outros, pois ninguém sabia o que acontecia no quartel e tudo parecia ter sido planejado minuciosamente por Borodin -, se não fosse ali territórios que estão na mão dos soviéticos e as centenas de caminhões que estão neste exato momento atravessando o leste em direção ao oeste, vindo por uma grande avenida (Friedrichsfelde) até o QG Russo, que está localizada próximo à Alexanderplatz. Meu maldito comissário é tão astuto que soube escolher bem o dia para me incriminar... Eu poderia pensar em ir para a Bélgica, porém é tão difícil quanto...
Eu caio no chão completamente sem esperança de rever outro caminho, senão aquele que Ted se recusava a aceitar. Apoio meus braços sobre os meus joelhos dobrados e reclino a cabeça, desmotivado.
- Passar por ali é muito perigoso, ainda mais quando eu planejo sair às escondidas com eles durante a noite, pois isso dificultaria a perseguição. Contudo, os filhos da mãe irão passar por toda a noite. Não vejo como eu conseguirei escapar por essa direção, sabendo que logo ali ao lado tem um comboio cheio de soldados russos...
- Rustan - Ted me chama e eu o observo rir, incrédulo com a minha situação -, parece que estão te cercando por todos os lados. E já até sei que as outras rotas seriam becos sem saídas... Pois agora eu entendo o porquê veio até mim: eu sou a sua porta de saída do inferno.
Ted se põe de pé e me ajuda a levantar também, com isso ele enrola o mapa e o guarda em sua roupa e segura um dos meus ombros, fazendo-me fitá-lo com atenção.
- De tudo o que você falou antes, eu só concordo com a parte sobre os planos de Deus, porque não tem como nós sabermos... Os planos dEle são bem mais altos do que os nossos, nunca entenderemos a mente do Criador do mundo, mas o pouco que eu sei da infinitamente de Teu poder e glória, é que Ele nunca deixa um filho desamparado. Sempre existe um propósito por trás. Então, se Deus quer que você entre na fornalha ardente, para mostrar a todos quem é Ele... - ele me estica a mão simbolizando a nossa amizade e eu a pego - vamos fazer isso.
[...]
- Ok, um já foi, agora eu preciso de você, Alexander - digo assim que chego no quartel e o encontro em uma das mesas, conversando com outros soldados. Eu os expulsei para ter aquela conversa sigilosa. - Preciso daqueles favores que pode acabar com a sua morte, aceita a entrar nessa aventura comigo?
Ele segura o riso e revira os olhos, não acreditando no que eu lhe contava. Eu já fiz muitas burradas, tremendas besteiras, porém quase tudo com certeza de que voltaríamos a salvos. Porém, desde que eu conheci Leah, as nossas aventuras tenderam mais a desafiar a morte a ser algo tranquilo e sem muito desespero e esforço.
- O que eu não faço por você, Rustan? - ele diz passando o braço por cima de meu ombro me levando ao seu quarto, onde teríamos a privacidade certa a ter que conversar aquilo bem ao lado de fora. - Mas me diga: qual de nós verá a luz no fim do túnel mais perto desta vez?
Retribuo o sorriso e vamos até lá discutir os detalhes daquele plano elaborado às pressas. Informo sobre a minha conversa com o Ted e o que eu pensei em fazer, Alexander me escuta e me aconselha sobre um detalhe aqui e ali, algumas pontas soltas e como eu realizar isso cautelosamente. Meu amigo roubará por mim um rádio e o veículo, levando para umas quadras da casa de Beike, deixando as escondidas e iremos nos encontrar no local combinado para fazer as trocas entre eu e Ted, dos veículos.
Alexander será o Cavalo de Tróia, destruindo e comunicação por dentro e os atrasando, guiando para o lugar errado, para nos dar uma chance de fugir. Acertamos tudo e eu falo para ele já se preparar com o equipamento, pois faria o plano já essa noite, sem mais tarde. Sairemos por volta da meia noite e iremos até o local a pé, até pegar o jeep e seguir a viagem tranquila.
Com a saída e o meio para ir prontos, faltava o principal e o mais difícil de conseguir: convencer meu coronel Pyotr a me ajudar em um plano suicida aos seus olhos. Ele jamais aceitaria sabendo das drásticas consequências em sua carreira e posição, caso alguém descobrir o que fez. Ele seria julgado e muita coisa de ruim certamente acontecerá. É um risco a se correr, mas eu preciso dele.
[...]
- Eu sempre soube que o amor enlouquecia as pessoas, mas não achava que as deixava insanas mesmo - debocha meu superior após eu revelar o meu plano de ação. Eu havia, depois de conversar com Alexander, aparecido sem um convite formal entrado na sala dele para apressar os pormenores. Coronel Pyotr gargalhava com a minha hipótese de fuga. - Rustan, o senhor está bêbado?
- Nunca estive mais lúcido do que em toda a minha vida, coronel. - Eu estava acelerado, com os nervos à flor da pele, desejando extravasar toda aquela minha impulsividade, adrenalina e ansiedade que corriam sem freio dentro de minhas veias.
Eu me sento em sua frente, porém logo já estava de pé, com as mãos sobre a mesa, olhando-o com pressa e uma euforia de sentimentos. Nem ao certo sabia explicar o que sentia: medo, raiva, nervosismo... Continuo dizendo:
- No seu lugar, eu pensaria e julgaria da mesma forma na qual me olha agora. Mas eu não vim aqui pedir sua permissão, estou te afirmando: eu estou deixando o exército para viver a minha vida, contudo, para eu alcançar o que eu desejo, é preciso abrir mãos de algumas coisas que me prendem. O exército nunca permitirá o meu namoro, noivado e casamento com Leah, e eu já não tenho mais dúvidas sobre o meu futuro com ela, é com ela que eu quero passar os restos de minha vida, meus últimos suspiros. Acordar e vê-la descabelada e com o rosto amassado, ser a primeira a falar bom dia.
"Coronel, o que eu aprendi todos esses anos foram muito bons para mim, eu nunca tirei me esquecer ou negligenciar o que foi me passado. Porém, do que me adianta tudo isso o que eu fiz e não ter uma recompensa por trás? Eu me pergunto se valeu a pena sacrificar vidas para salvar a minha no lugar, sendo que no fim, eu não fiz nada... Só sobrevivi. Eu não posso mais ser só um telespectador de minha própria existência. A vida é tão mais do que nós, com nosso pequeno intelecto, podemos categorizar..."
Eu limpo a garganta e afirmo com uma paz de outro mundo:
- Coronel, a vida foi feita para ser vivida. Experimentar novas coisas, sentir todos sentimentos que Deus colocou em nós, alegrar com os amigos e chorar com eles também. E chegou a minha vez e está na minha hora de eu ir atrás do que estava procurando. Eu não estou desrespeitando o senhor, pois eu o honro como se fosse o meu pai, por tudo o que fez por mim. Eu vim apenas te informar sobre o que ouvirá no rádio a respeito de mim, também explicar os meus motivos. Como disse, não busco sua aprovação, porém, certamente seria de grande ajuda se pudesse retirar os soldados da NKVD que estão próximos aos quarteirões, porque com ou sem a sua ajuda, eu irei fugir de Berlim com Leah e os outros.
Fico em prontidão, postando respeito ao meu superior e amigo, esperando pelo seu julgamento. Foi então que eu percebi como minha respiração arfava no momento, e coro levemente ao entender que não havia parado um minuto para expirar. Mas quando o assunto é importante, não podemos perder um segundo sequer.
O silêncio dele me destrói, o medo me corrói aos poucos, deixando meu coração acelerado em meu peito. O que seria que ele pensava a respeito de tudo? Então, o coronel retira as mãos da mesa e leva até o rosto, coçando a cabeça, passando pela nuca e volta a ficar sério, me olhando pronto para me mandar para a internação - quem sabe a prisão até!
No entanto, eu não estava nenhum pouco preparado para as suas palavras seguintes:
- Eu estou perplexo, Rustan, surpreso até com a sua audácia. Mas ainda não consigo entender porquê fiquei tão embasbacado com a sua decisão. Eu suspeitava que poderia vir a acontecer, porém eu não esperava que ela se realizasse, julguei que, com o tempo, você esqueceria essa ideia e veria a alemã somente como um passatempo... Um diversão e distração nesses últimos dias aqui em Berlim... - novamente ele coça a cabeça, antes de me olhar direto em meus olhos. - Infelizmente, o que o senhor me pede eu não posso fazer nada a respeito... A minha cabeça já está na corda, Rustan. Eu já te ajudei quando o problema foi o seu envolvimento com essa moça e o furto para ela também. Agora, participar de sua fuga, ainda mais tendo suas alemãs e um soldado alemão...? Eu mesmo estarei me enfocando.
- Eu sei que eu me excedi em pedir favores ao senhor, eu te devo muito e não tem como te recompensar por tudo o que me fez. Mas como eu falei: mesmo sem a sua ajuda, eu o farei, a diferença é que com o seu comando, tornará tudo mais fácil...
- Rustan - ele me chama com pesar -, eu irei pensar. Sei que não terei muito tempo, uma vez que planejou tudo para aqui uma, no máximo duas horas, essa fuga, mas eu não posso avaliar as consequências caso descubram a minha participação. Isso não é um sim, todavia eu, o vendo como um afilhado, não ficarei satisfeito em saber que meus homens o mataram por sua teimosia... Terá a minha resposta em breve. Até lá, acho melhor se retirar antes que se atrase, meu filho.
Eu faço uma saudação para sair de sua presença e antes de chegar a porta eu acrescento, virando-me para ele:
- Então sim, coronel, eu estou bêbado, transbordante com tudo o que há nessa vida. Todos merecem o amor, afinal fomos presenteados pelo Todo Poderoso com a maior dádiva que alguém pode ter.
Abro a porta para sair e me recordo do que o meu plano precisava.
- A propósito, eu estou furtando um jeep e um rádio, caso sentirem falta.
Escuto um riso fraco se transformar em uma gargalhada cheio de orgulho, de um pai que viu o filho crescer e estar pronto para a vida adulta.
Com tudo pronto, o campo minado já posto sobre as plantas de meus pés, era a hora da guerra.
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