|Capítulo 29|
Rustan Abromowitz
Novamente estávamos no hospital, porém, não éramos vizinhos de cama, como de costume. Eu estranho voltar para lá e não poder somente virar a cabeça para olhar a mulher loira que perturbava completamente a minha paz de espírito, mas eu admitia: ela fez bastante falta naqueles meus dias mais turbulentos. Ela é a pessoa com quem eu desejo conversar o tempo todo, se tornou digna de minha confiança dos meus pensamentos mais profundos, a mulher que eu quero dividir as coisas mais vergonhosas que eu já aprontei com os meus irmãos e relevar os sentimentos mais íntimos. A pessoa que tomou meus pensamentos e que anseio estar junto sempre.
Contudo, ao virar o meu pescoço, eu vejo somente um homem gordo coçando sua barriga em liberdade dos julgamentos, sem se preocupar com os olhares sobre ele — o meu era um deles, mas não pelas razões que ele poderia imaginar. Ergo a minha cabeça a procura da cabeleira loira e a encontro no outro lado do hospital, com um olhar que eu tinha familiaridade: seus pensamentos voltaram para o que nos aconteceu poucas horas atrás.
Mexo as minhas pernas impacientemente e fico ansioso com a espera, eu queria apenas sair da minha cama e ir até ela, mas me ordenam descansar por causa dos meus novos ferimentos que recebi de cortesia de Vlad. Mais uma vez sentia certo incômodo com a minha nudez, não gostava de ficar sem minha camisa, ainda mais sentindo os olhares das mulheres sobre mim — não pelos motivos dos quais eu possa estar supondo, porém, ao longo da guerra, recebi muitas cicatrizes sobre o meu corpo e não gosto de expô-las.
Por sorte, a que Vlad deixou em mim seria pequena, quase invisível, mas eu tive que receber pontos para fechar o ferimento. O que ele fez em meu braço com a faca foi somente um raspão; os outros machucados em meu rosto logo iriam cicatrizar e desinchar. Eu voltaria à ativa logo, logo.
— Enfermeira — chamo a primeira moça que passa por mim, ela caminha com calma até a minha cama e espera pela minha fala —, teria como eu trocar de cama? Essa não é confortável, o ambiente daqui está cheio...
— Sinto muito, senhor, mas esse é o melhor lugar para a sua recuperação — responde com sinceridade e aperta os lábios, formando uma linha reta, quase dizendo "Sinto muito por não conseguir fazer melhor, mas nada de preferências, soldado".
— Poderia, neste caso, me trocar com um dos pacientes? Que tal... — dou uma pequena pausa para fingir estar pensando, quando na verdade eu já sabia o que queria — me colocar ao lado daquela alemã loira? Ali estaria perfeito para mim.
Ela procura pela localização em que passo e ao me olhar novamente franze o cenho, confusa com o pedido. Deveria estar pensando por que eu queria ficar justamente ali, usando um ponto de referência bem específico. No entanto, aquilo não era do interesse dela, só queria que ela conseguisse arranjar essa troca de cama para eu ficar perto de Leah. Eu não estava pedindo nada demais.
— Senhor... Eu... — ela exprime ainda mais os lábios, nervosa com a minha insistência no olhar, sabendo que eu não trocaria de ideia. — Ok, está bem! Eu conversarei com a enfermeira Kira e pedirei para ela realizar a troca de você com o outro paciente. Mas saiba que será somente desta vez! Ai de você se eu souber que aprontou alguma para os pacientes ou perturbou a paz deles! — adverte com firmeza, seu olhar sério recai sobre mim e eu anuo, concordando com todos os seus pedidos.
— Muito obrigado — respondo abrindo um sorriso educado e animado com a ideia. Ela começa a sair, mas eu a chamo mais uma vez. — Poderia apressar isso, por favor? Eu realmente queria dormir e não quero acordar olhando um homem gordo coçando a barriga — comento e ela disfarça a risada de seus lábios, olhando para o lado e voltando a me olhar, desejando saber se eu tinha mais algum pedido. — E se a senhorita puder trazer dois copos com vodka, eu agradeceria. Não será os dois para mim, uma amiga precisa...
A moça não fala nada, mas o seu olhar disse tudo o que eu precisava saber: fique quieto, senão eu não mexerei um dedo por você. Com isso, eu me calo e fico sentado em minha cama, observando Leah sentada em sua cama olhando o vai e vem das pessoas ao seu redor, estática, da mesma forma em que eu a reencontrei.
Os minutos se passam e a enfermeira, que deveria ser a Kira caminha até a Leah e as duas se abraçam, eu franzo o cenho sem entender o que estava acontecendo ali. Depois disso ela se vira para um dos pacientes ao lado de minha amada e conversa gentilmente, ao menos é o que parece, pois a pessoa se levanta tranquilamente e começa a andar em minha direção. Quando o homem que estava ao lado de Leah fica frente a frente comigo, eu sorrio discretamente vitorioso por conseguir tomar o meu lugar de volta.
— Por acaso é o homem insistente que minha amiga reclamou? — eu fecho o meu semblante e cruzo os braços, por mais que doa.
— Achei que pacientes deveriam ter o melhor para se recuperarem — retruco o seu comentário e ela me encara, não gostando de minha resposta.
— Homens com grande ego tem o destino pior do que a morte, cuidado com suas palavras, soldado — ela me avisa, mostrando claramente de que não gostava de mim, ficando bem arisca com a minha presença. — Esse homem concordou em trocar de lugar, eu vou te levar até sua nova cama. Por favor, acompanhe-me.
Não aprecio nenhum pouco a atitude daquela senhorita comigo, porque eu não a conhecia e não me lembro de ter feito algo para fazê-la agir de forme estupida comigo. Ando com calma atrás dela e respondo-a baixo e com firmeza:
— Reveja os seus conceitos para comigo, porque eu não sou o que você julga — ela para cruzando os braços e me encara sem medo algum. Aquela mulher era atrevida e ousada. Certamente é dona de um temperamento forte. Quem fosse o sortudo de se casar com ela, teria que com certeza possuir uma paciência de outro mundo, porque eu que sou calmo, já senti vestígios de raiva correndo em minhas veias.
— Soldado, eu sou amiga daquela civil ali, a loira, em que o senhor insistiu para que ficassem próximos. Quais sejam as suas intenções para com ela, eu estou certa de que foi meramente uma desculpa pouco pensada a respeito do senhor com o peso elevado, porque nenhum outro cavalheiro se incomodou com esse fato, somente o senhor, e eu sei que ela é linda e chamativa com sua pureza e inocência, mas se o senhor se atrever mexer com ela, verá comigo as consequências.
Foi a minha vez de cruzar os peitos e a olhava no fundo dos olhos.
— E por que a senhorita afirma categoricamente que todo soldado a fará mal? A senhorita nem me conhece para afirmar essas baboseiras. Se for por isso, saiba que eu nunca a machucaria — eu me asseguro, não permitindo que a raiva chegue até o meu cérebro e eu me irrite ainda mais. Suspiro profundamente e retomo a minha rotina de respirar tranquilamente, contando mentalmente de um a cem e iniciando a contagem quando termino.
— Eu só digo isso, porque eu vi como soldados a deixam assustada, não quero que o senhor seja outro, como o da última vez — a enfermeira me releva, coçando a sua nuca, parecendo incomodada com o fato de aquilo ter acontecido em seu turno. Não deveria ser comum, mas homens do exército normalmente possuem uma arrogância bem elevada, e supõe que podem fazer tudo o que desejarem; principalmente ordenar as pessoas coisas das quais não são obrigadas a cumprirem, de fato.
— Saiba que eu não sou como os outros. Quero o bem dela, eu a conheço, por isso estou aqui e estou pedindo para trocar-me de lugar, para eu ficar ao lado dela e protege-la, sempre. Como eu também já o fiz muitas vezes antes — conto a ela esse pequeno segredo, que não poderia ser espalhado de maneira alguma, porque eu saberia o que me custava e não aceitaria o preço.
Nós dois nos encaramos por mais alguns segundos, como se ela estivesse decidindo o meu julgamento, e, por fim, me alerta:
— Estarei te observando, soldado.
Aperto tanto os meus dentes naquela hora que o meu maxilar dói, e então eu afrouxo a mordida e tento relaxar a tensão que corria a solta pelo meu corpo. Eu não era comumente enfrentado pelas mulheres, contudo, desde o dia em que conheci Leah, aquela precedente foi se alargando ainda mais para que outras suponham que podem também o fazer. Eu já não gostava quando Leah me chamava atenção daquela forma, quando eu ia contra as condutas e éticas, que ela acredita fielmente, com isso, quando outras repetem esse papel, eu admito: não passava palavras bonitas por minha mente.
Eu chego acompanhado pela enfermeira até a minha nova cama e sorrio largamente para Leah, quando os olhos dela se encontram com os meus. Rapidamente as bochechas dela coram com o meu olhar e ela desvia-os dos meus, envergonhada pela intensidade que continha nos meus, demonstrando com sinceridade a alegria em que sentia em poder voltar a dormir perto dela.
A enfermeira sai e eu me sento virado para a alemã.
— Aposto que não foi por acaso essa troca de pacientes — ela comenta me olhando novamente, parecendo aguentar firme toda aquela tensão entre nós.
— O que eu posso dizer? Prefiro acordar olhando a minha querida a um homem gordo — ela ri e esconde o sorriso atrás da mão, sabendo que eu provocaria de propósito para conseguir roubar aqueles sorrisos para mim.
— É muita maldade falar isso — retruca a minha fala, estreitando aqueles dias que ficamos longe um do outro e a intimidade, que havia ficado um tanto quanto conturbada. — Além de que, os seus ferimentos nem foram tão graves, dentre um ou dois dias o senhor já estará retornando para o exército.
— Mas quando isso não acontece, eu prefiro estar acompanhado de uma bela dama.
Ela sorri e revira os olhos como de costume, me mostrando que eu atingi o coração dela com os meus flertes, mas ela não demonstraria tão facilmente que foi seduzida por meu charme.
— Está novamente me cortejando, senhor Abromowitz?
— Eu nunca deixei de fazê-lo — eu saio de minha cama me aproximando dela lentamente, levando as minhas mãos para a sua face doce e delicada, sentindo falta de tocá-la e afagar seus cabelos com carinho. — Seus olhos não me enganam, Leah Pfeifer. A senhorita deseja que eu esteja, e quanto mais teimosa que se torna, mais sua mente pede para eu ser ousado em minhas tentativas para romper com esse desafio que me propõe diariamente.
Ela se cala, perdendo-se em meus olhos com tamanha paixão que envolvia sua alma. Dedilho com zelo sua bochecha e paro em seu queixo, puxando-o com lentidão para se aproximar dos meus lábios e ela não me impede. No entanto, ao sentir nossas respirações se fundirem em uma só, ela gagueja baixo:
— I-isso é to-totalmente inadequado, homem... — seu tom é mais sedutor do que uma repreensão dos meus atos. Gostava aonde estava chegando com aquela conversa. — Onde já se viu paquerar uma dama, ainda mais em um hospital e principalmente no meio de uma guerra?
— Certas coisas valem o risco — então eu junto nossos lábios carentes por aquele toque mais profundo de nossa alma, mas então um limpar de garganta atrás de nós rompe com o clima e nos afastamos sem jeito algum.
Viro a cabeça sem muita vontade para saber quem era. E estava certo em não querer saber.
— Achei que iria dormir, soldado — a simpatia dela me dava nos nervos. Esboço uma careta irritado e somente me afasto um passo de Leah. Abaixo o meu olhar para as mãos da enfermeira e vejo que ela trousse as bebidas que eu havia pedido.
— Não é de sua conta às coisas que eu faço ou deixo de fazer, enfermeira — sou curto e grosso com a moça, porque não aguentava mais as provocações sem nexo para cima de mim. Eu compreendia que ela somente queria proteger Leah, da mesma forma que eu, porém, ela não enxergava que eu não era o vilão da história.
— Rustan, o que está acontecendo? — a voz de Leah desperta a minha atenção, percebendo que eu havia fechado o meu punho e aquilo significava que eu estava bravo. — Está tudo bem?
Observo a enfermeira e volto o meu olhar para a minha amada, pensando exatamente o que eu iria dizer para não irritar nenhuma das duas.
— Sua amiga está preocupada com você e acredita que precisa me vigiar, porque não confia em mim — o olhar dela foi crucial. Um segundo depois Leah estava gargalhando do que eu falei, não achando que eu dizia seriamente, mas ao notar que eu mantinha a postura rígida, ela arregala os olhos e chama a enfermeira com intimidade.
— Kira — ela bate em sua cama para mostrar que a chama para mais perto —, eu... — Leah morde os lábios e seus olhos se desviam de sua amiga e se voltam para mim, ela arquitetava alguma coisa em sua mente, mas eu não entendo. — Rustan, por favor, poderia traduzir o que eu falarei para você a ela? Mesmo que somos amigas, nossas conversar são bem reduzidas por não falarmos a língua uma da outra...
Rio incrédulo e um pouco debochadamente, porque eu teria que ultrapassar a minha raiva para executar um pedido daqueles. Inacreditável. Cruzo os braços um pouco a contragosto em ter que falar novamente com a enfermeira.
— Por favor — Leah insiste me olhando de uma maneira que comove o meu coração e eu cedo, suspirando irritado por ela me convencer a fazer aquilo.
— Está bem, e o que eu direi? — Leah pensa nas palavras e me diz, eu passo o recado sem muita vontade. — "Kira querida, não precisa mais se preocupar, os soldados maus foram vencidos e estão mortos, tudo graças a esse soldado, que me salvou e eu devo muito a ele. Agradeço de coração sua preocupação, mas quando for a respeito desse soldado, saiba que eu estou em boas mãos".
Kira a abraça feliz pela notícia e se transforma em outra pessoa, sorrindo e acalmando aquela pose defensiva para cima de mim. Ela se vira para mim e diz:
— Pode responder por mim o recado dela? — ergo uma sobrancelha e faço cara de pouco caso, não querendo brincar de tradutor de ambas, que pareciam bem empolgadas com aquilo, sabendo que agora elas poderiam conversar abertamente, contudo, tudo através de mim. — Por favor, assim que posso voltar ao meu trabalho e vocês ficam sem mim.
— Eu gostei desse ponto — ela também não sorri para mim com amores nos olhos, porém, ficou menos arisca do que antes, agora sabendo que eu não era um dos canalhas que a machucou. Kira me passa o que eu tenho que dizer, e eu respondo olhando para Leah: — "Eu fico imensamente contente por saber disso, finalmente um idiota a menos neste mundo... Tudo bem, eu ficarei tranquila, se a senhorita disse que eu posso confiar nele, eu acreditarei em você. Se precisar de mim, pode me chamar, estou ansiosa para a nossa próxima conversa, desta vez sem mimicas!"
Quando eu termino de falar as duas riem dos momentos que passaram juntas, enquanto eu estava lutando pela minha nação. Fico um tanto quanto incomodado e ciumento, mesmo sabendo que era besteira ficar assim. Kira se levanta e se despede de Leah, e eu olho para a enfermeira sem conseguir controlar o meu impulso de mostrar que eu estava certo. Ergo a sobrancelha e puxo os meus lábios em um sorriso convencido, e logo recebo uma bofetada de Leah ao entender o que eu estava realizando ali.
— Você é terrível, Rustan — passa a mão pelo rosto como se estivesse envergonhada pelo o que eu acabei de fazer e não diz muitas coisas que ficaram presas em seu olhar. Talvez em outra hora ela contasse para mim.
— E não é por isso que a senhorita gosta de mim? — lanço-lhe uma piscadela atrevida e ela morde os lábios, tímida, com a face ruborizada, entregando seus pensamentos íntimos a mim. Leah me conhecia bem o bastante para saber quão audacioso eu poderia ser para provoca-la e mesmo assim abria essas brechas para eu brincar com ela.
Ela ri descontraída e me olha relaxando a vergonha de seu rosto, eu volto a me sentar com ela, oferecendo as bebidas que a enfermeira trouxe. Ela olha em primeiro lugar, com muito julgamento, para mim, depois para a bebida e novamente para mim e fala:
— Não está querendo me embebedar, não é? — provoca-me fazendo abrir o sorriso ainda mais. Um ligeiro sorriso dela não passou despercebido por mim.
— A senhorita sempre sabe todas as minhas intenções. Como poderei te enganar assim?
Ela puxa um sorriso de lado e me olha profundamente, analisando todos os meus contornos, mas seus olhos se prendem nos meus e responde:
— Porque o senhor é previsível, terá que se esforçar mais para me surpreender.
Eu ergo uma sobrancelha a ela, intrigado com aquela sua fala.
— Considere o desafio aceito - estico o copo para brindarmos. Ela solta uma risada extrovertida, me achando maluco por ser afoito, mas não me lembro de nenhuma vez que reclamou daquele meu jeito.
— Vamos ver o que tem para mim — responde brindando e lançando de volta a piscadela.
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