|Capítulo 14|
Marat Bogolyubov
Tudo o que eu precisava fazer era seguir o Rustan para onde quer que ele fosse, mas essa missão chegava a ser mais difícil do que supunha ser, porque ele voltou a ser o foco de das atenções, ressurgindo dos mortos para nos saudar com um "oi" e trazendo uma súbita esperança, que estava antes perdida junto com os destroços da guerra.
Passo pelos soldados ficando apenas alguns metros de distância do nosso homem; eu queria mostrar que estava dentro dos planos e da organização de Vlad, mesmo não concordando com tudo o que ele fala e faz, contudo ficar sem ele não era mais uma opção -ele facilmente poderia me dedurar por todos os seus erros que eu acobertei e poderiam se tornar os meus erros...
Desde o início eu sabia que andar com Vlad seria perigoso, pela sua aura pesada e maligna que o rodeava e me trazia calafrios; ainda mais depois dele me mostrar todas as suas crueldades e como poderia ser um sociopata sem piedade alguma, além de provar-se ser um brilhante estrategista para culminar seus desejos sombrios e obscuros.
Não me lembro bem como eu me virei amigo dele, apenas entrei em um caminho sem volta, confiando nele sem limites, por imaginar ser uma boa pessoa; contudo agora eu pago por minhas ações descuidadas e minha fácil e manipulada confiança em todos. Não somente ele, mas Immanuel Yevdokimov também não é nenhuma flor que se cheire; dono de um caráter tão semelhante de maldades quanto Vlad -eu apenas tenho que aguentar mais um pouco, até a guerra acabar e me livrar deles.
Volto a focar em Rustan e nos homens que o cercavam, querendo conversar com ele e desejando saber como fora a estadia, se seus ferimentos já estavam curados... Minha vontade era de ir lá e cumprimentar o meu capitão, porque mesmo fazendo as maldades infinitas de Vlad e ter de apoiá-lo com sua insanidade de detestar o Rustan, por ele sempre estar repreendendo Vlad por suas loucuras, toda hora o contestando e ordenando ele não fazer tal coisa, quase como se estivesse corrigindo todos os seus passos e isso simplesmente enfurecia o meu amigo; o capitão é uma boa pessoa, que se dá bem com todos a sua volta e não teria o porquê eu o desrespeitá-lo daquela forma, além do que Rustan me protegia -mesmo que de forma indireta- dos meus companheiros e de fazer atos vis
Começo a me aproximar ainda mais, porém ainda ficando nas sombras e às escondidas para que ele não me veja, porque não sabia bem como o capitão poderia reagir -não que ele saiba de algo que tenhamos feito, porém Vlad quer que eu o siga e para isso não posso ficar à vista de seus olhos a qualquer coisa anormal -, mas desde o nosso último encontro, algo ímpar aconteceu e isso aparentemente não passou despercebido pelos olhos dele e nem dos dois hediondos, que são movidos à maldades.
Escuto-o falando sobre os poucos dias que ficara hospedado, curiosamente nunca mencionando a garota, por saber dos tolos comentários, que fariam a respeito e não só isso, mas também pelas reações de incompreensão das pessoas. Sei que Rustan sabe bem o que está fazendo, demostrando ter um bom coração por querer cuidar de uma pessoa que nem conhece, contudo eu sinto que possa ser uma brecha na muralha impenetrável, que ele construíra para não se expor e sofrer com todas as coisas horrendas da guerra.
Eu entendia completamente o que ele queria fazer, porque suas ambições mudaram radicalmente para agora passar todo a seu foco em uma alemã, do que servindo cegamente aos comandos do coronel. Pelo o pouco que eu conheci dele e de seu passado, ele não faz isso por peso na consciência ou por diversão, muito pelo contrário: Rustan estava disposto a arriscar tudo por aqueles, os quais ele se importava. Uma coisa rara de se ver em um mundo desconcertado nos dias de hoje em que vivemos.
Eu não sei o que ele viu nela, para se impor assim sobre as nossas opiniões -não que seja importante -, contudo poderíamos levar tudo a perder, caso delegarmos esse assunto delicado aos nossos superiores. Não seria eu o infeliz que faria isso, impedindo o seu desejo de cuidar dela, entretanto eu não posso dizer a mesma coisa sobre os meus dois companheiros.
Infelizmente eu pressinto que Vlad está arquitetando algum outro plano sanguinário para conseguir a tão ansiosa vingança sobre Rustan. Não sei bem o que ele chegará a fazer, porém coisa boa não é; vindo dele pode ser simplesmente qualquer coisa, desde dar um leve susto até eliminar a todos à sangue frio. Esse cara é louco, um completo doente e, infelizmente, eu estou no mesmo barco que ele, quando eu não me imponho ou dito as minhas opiniões e vontades, realizando o que sua mente horrenda almeja, eu contribui para a ruindade.
Se meus pais me vissem agora, não diriam que eu sou o filho, que eles, um dia, trouxessem para o mundo com tanto orgulho, fruto de um amor incondicional. Sou uma vergonha, um mal que a sociedade criou e estou colhendo as coisas que plantei nos tempos passados. Não culparia a rebeldia pela falta da minha figura paterna na infância para me ensinar o certo e me castigar quando errava...
Talvez por falta dela, tenha-me feito deste jeito mais levado e tendencioso a errar por não conseguir julgar os outros, sendo assim manipulado por todos como bem entenderem, justamente como Vlad fez comigo. Se meu pai, um veterano da guerra civil russa, um com semblante honroso pelas boas obras que fizera, não tivesse falecido... Eu, em meus 6 anos de idade, não teria feito tantas besteiras de crianças para chamar a atenção de minha mãe, afim de buscar algum carinho paterno.
A responsabilidade de cuidar de nossa família era dele, de um homem que eu mal lembro, por ter poucos anos de vida; com sua morte, tudo o que ruía aos poucos, desmoronou. Ainda hoje eu consigo ouvir as murmurações de minha mãe pelos cantos da casa, reclamando por tudo: a falta de comida -por termos origens humildes, sempre necessitando trabalhar mais do que capaz ser para manter a família -; a falta de sono, devido às longas horas de serviços feitos e o cansaço de nos esperar voltar dos poços de petróleo (eu e meus irmãos mais velhos). Não apenas essas motivos... Sua vida amarga do passado a deixou ainda mais frustrada com o futuro que se via, após anos passados em que sonhava com uma casa boa para se morar, uma boa estabilidade...
Eu não ponho o meu pai à autoria de todas as coisas que sucederam conosco, mesmo tendo uma parcela, a qual foi responsável e acabou se "livrando" em sua morta. Porém a vida que eu vivi simplesmente não recomendo à ninguém; nenhuma criança deveria passar pela pobreza e desigualdade que sofremos após seu deleito. Trabalhar aos 9 anos, em uma função difícil e duro não é humano. Por mais que uma criança trabalhe nos poços de petróleo da região, esse não era o principal problema; todo filho sonha em chegar em casa e ver sua família junta, união, sonhando com tempos melhores, contudo a minha não teve esta mesma realidade, somente em meus inocentes sonhos de garoto.
Embora meus pais se amassem -ou era isso o que me disseram quando jovem por não me lembrar -, meus irmãos buscavam sempre o melhor para os meus pais, fazendo os que eles mandavam; mas isso nunca deixou encoberto a desestrutura que éramos. Quando eu cresci, comecei a ver que o meu mundo dos sonhos não se passavam disto, porque no mundo palpável meus irmãos não exerciam as suas funções por amor ou a minha mãe não se cansava do trabalho para termos o que comer; faziam isso simplesmente para não precisar um ouvir a reclamação dos outros, por se cansarem.
Não fora surpresa para nenhuma das pessoas de minha família, quando eu disse que participaria da guerra, servindo como um ajudante de um Regimento de Artilharia junto dos militares na linha frente; consequentemente me afastando deles com apenas 16 anos, tudo no ano de 1941.
Os dias se tornaram anos e quando me vi em 1944, estava sendo transferido para a unidade de Rustan. No início fui o centro de piadas de Vlad -no mesmo instante que eu o conheci, por ser um garoto magrelo com um medo incalculável -e de Immanuel. Mesmo assim, o capitão nunca me julgou pelo o que transparecia em mim durante as horas dos combates, sempre conversava comigo após um conflito, certificando se eu estava bem ou se precisasse de um tempo a sós para conseguir respirar e seguir com a vida.
O capitão via como era difícil para mim aceitar as atrocidades que cometíamos no propósito de servir o exército, como tudo aquilo mexia como e como eu dependia de uma figura mais forte, um líder, para eu seguir e conseguir continuar. Por consequência, Vlad veio após algumas semanas sibilando em meu ouvido as coisas das quais eu ansiava escutar quando criança, semeando em uma cabeça as suas vontades como se fosse as minhas, levando-me juntar em sua gangue, aproveitando assim de minha personalidade maleável pela carência e fraqueza, que meu pai me fez ser e, Vlad estalando os dedos, me transformou em um simples peão para suas maldades.
Fui tolo e inocente em acreditar em suas boas e falsas palavras, só que não há mais o que se lamentar, tudo já fora feito, eu só tenho que continuar, mesmo não aceitando...
[...]
Tudo parecia normal em relação à Rustan, ele deve ter só voltado para à base como Vlad previu, contudo o amigo dele, Alexander Silvashko, surge em seu campo de visão indo falar com ele sobre algo interessante. Aproximo-me dele, afim de escutar a conversa.
-Isso quer dizer que já estão saindo do acampamento com um outro pelotão? -pergunta o seu amigo de um modo preocupado. Engulo em seco ao escutar aquilo, porque significava que primeiro: Rustan estava deixando o lugar, abrindo todas as barreiras que antes existiam entre Vlad e alguma possibilidade de atentar contra a garota alemã, "concedendo" à ele usufruir qualquer artimanha sem ter empecilhos no caminho. E segundo: o nosso capitão estava sendo mandado em uma missão e não fomos chamados para irmos juntos, significando que ele sabia do que fizemos e nos denunciou à algum comissário político. E, se isso aconteceu, as consequências seriam catastróficas.
Levo um susto quando sinto uma mão apertando o meu ombro, levando-me a olhar a pessoa e encontrar Immanuel arrostando a certa dupla, que ele via como obstáculo assim como o Vlad e ansiava destruir mais do que tudo. Encolho os ombros com certo medo do que ele faria, mas meu companheiro não se move do lugar, apenas observa atentamente a conversa deles.
-Vou, mas pela manhã eu devo estar retornando -responde Rustan em um tom mais grave, sério. O mesmo aparentava estar preocupado com tudo o que estava lhe acontecendo, não que eu chegava a entender exatamente o que, porém conseguia supor algumas coisas. O seu envolvimento com a alemã, por exemplo, deve tê-lo confundido os sentidos com o que fazer, promovendo uma luta interna entre o dever e essa paixão inesperada. Fazendo repensar se precisa mesmo ir e deixá-la. -Não se preocupe, volto antes que sinta muitas saudades de mim.
-Vá encher outro, Rustan! -retruca o amigo rindo e empurrando de leve o ombro dele pela resposta. Os dois riem minimamente pela tensão do clima sobre suas cabeças, sentindo que as coisas dali em diante seriam outras, temendo pelo futuro próximo. -Vê se não morre. Há uma linda garota te esperando naquele hospital.
O olhar astuto de Rustan passa por todos, certificando de que ninguém escutava a conversa privada deles, após ter dissipado a multidão à sua volta buscando notícias suas. Quando volta o seu foco absoluto em seu amigo, responde em uma tonalidade diferente, uma a qual eu nunca ouvi ele dizer, nestes longos meses em sua companhia:
-Nunca pensava que no meio desta guerra eu encontraria alguém que pudesse descompassar o meu coração, além das artimanhas caindo próximos de nós. É quase insano crer que eu encontrei a paz na guerra, Alexander... Muitos homens imaginam voltar para casa e se casar com alguma senhorita na flor da idade para desposar... E pensar que eu conheci essa garota no meio de tanta destruição, morte e desespero, eu não me refiro apenas ao mundo, mas ao meu interior também... É surreal e inexplicável essa experiência única que eu estou tendo. De todas as coisas loucas que eu já lhe contei, esta será a mais lunática e extraordinária que eu falei na vida: eu quero me casar com a Leah.
Os meus ouvidos não acreditavam no que eu estava escutando naquele momento. Não era apenas por ser espantoso aquela notícia, se tratando de algo incomum; mas pelas inúmeras impossibilidades deles conseguirem ficar juntos. Rustan, como soldado russo, não pode se envolver com uma alemã, uma vez que era uma recomendação feita inclusive pelas propagandas da guerra, no propósito de não confraternizarmos com eles.
Lembro das primeiras divulgações pelas mídias falando sobre isso, que deveríamos lutar como nunca antes e não confiar nos traiçoeiros, que passaram a perna em nós. Ouço vagamente, ainda perdido em minhas memórias, uma canção Patriótica, a qual homenageia o Exército Vermelho...
O radialista começou a falar:
-Bravos soldados do glorioso exército vermelho, vocês entrarão no covil da besta fascista, lutem com afinco, pois a vingança é de vocês! A guerra está por findar, regozijam-se pois a vitória é de vocês, contudo não confiem nos alemães, eles são os inimigos! Velhos, crianças e mulheres, não são confiáveis! Mantenham o mínimo de interação com eles...
Sentia um medo pelo Rustan e de seu envolvimento com a alemã, que gelava todo o meu corpo; eu não era próximo dele, mesmo sendo meu capitão, mesmo assim eu não deixava de me importar com que cuidara de mim durante a guerra. Eu não possuía rancor algum dele, porque o via como um bom líder, mas influenciado pelos outros e suas opiniões, surtiram certos efeitos que deturparam a minha relação com todos.
Não quero que meu capitão arranje confusão por seu relacionamento -aparentemente muito mais além do que supúnhamos ser somente cuidados mentais pelos traumas de toda a guerra em si e dos quais causamos nela. Se Vlad e Immanuel não fossem o próprio mal na terra, tudo o que esse homem sonha para si, seria alcançado com mais facilidade. Porém sempre existem empecilhos, pessoas no seu caminho querendo afundar os seus sonhos. Por isso, nunca devemos desistir, precisamos ultrapassar os nossos limites, afim de alcançar o que desejamos no mais ínfimo espaço da alma, para assim superabundarmos com a vastidão de nossos sentimentos, quando o que mais ansiamos acontecer.
Olho para Immanuel receoso de seus pensamentos e do que ele imaginava de tudo aquilo que escutou instantes antes, sua expressão não era a melhores. Engulo em seco e volto os meus olhos para Rustan, que ainda estava sob efeito de seus sentimentos e da liberação de amor ao relembrar da garota.
-Que lindo, Rustan, mas deixe todo esse romantismo para ela. Parece um garoto bobo, todo apaixonado -retruca o seu companheiro gargalhando de sua expressão abobada, lembrando um jovem suspirando pelo amor da sua amada. A verdade era: eu nunca o tinha visto tão relaxado quanto agora.
Eu não conheço bem sobre este amor, pelo qual Rustan se encontra submerso; por conta, talvez, pela falta de entusiasmo de minha parte em querer me envolver com alguém, vendo como a relação de meus pais se sucedeu ou, quem sabe, por nunca ter despertado em mim essa conexão ímpar com alguma garota... Quem sabe depois da guerra alguma delas venha a me conhecer realmente e goste de mim...
-Está ouvindo isso? -o sussurro trazia os sibilos de Immanuel, que arrepiam os meus pelos pelo modo que falava, com pura maldade e ânsia de causar o terror. -Nosso bobo capitão está apaixonado pelo inimigo. Conhece alguma melhor sensação que poderia ter, do que saber que, em suas mãos, você consegue tirar o que dá vida à uma pessoa? O que é mais prazeroso do que matar uma pessoa, arrancando a sua vida patética e ver a outra desfalecer junto, por perder aquilo que o motivava todos os dias a continuar lutando?
-Precisamos mesmo causar ainda mais mal à garota? Ela já não sofreu o suficiente? -pergunto incerto e logo me arrependo das palavras saírem de minha boca pelo modo que ele me olhava. Eu nunca fui cruel como Vlad e Immanuel eram, por mais que eu acompanhava a longa lista de seus atos diabólicos, nunca fora eu o cumpridor. Exceto... o estupro da alemã, algumas mortes de militares, alguns contrabandos...
-Agradeça à mim por Vlad nunca ter cortado a sua língua pelas asneiras que professa -sua fúria, antes direcionada ao nosso capitão, passa a ser por mim. Immanuel agarra-me pela gola e me puxa para mais perto dele, encaro seus olhos medonhos com pânico, porque eu sabia do que ele era capaz de fazer contra mim. -Agora vamos, porque você ouviu bem: se nós não fomos chamados, quer dizer que Rustan abriu a boca e contou alguma coisa nossa para o coronel.
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