Capítulo 11 - ALFREDO - (PRIMEIRA PARTE)
Meu nariz latejava de dor como o inferno. Os olhares das pessoas no restaurante recaíam sobre mim enquanto eu tentava estancar o sangue que escorria aos litros com um pedaço de guardanapo e prontamente me retirava do local, pensando apenas em chegar logo ao pronto-socorro.
Na tarde de hoje, depois de deixar Lívia no seu trabalho, fui para casa pensando numa maneira de revelar a verdade. Já havia conseguido o que tanto ansiei desde que pus meus olhos nela. E mais de uma vez. Estava nos meus planos somente, como sempre está, dormir uma única vez com ela e depois descartá-la. Mas na manhã de hoje, quando a vi de costas tentando pegar algo no meu armário, quando vi suas curvas singelas e maravilhosas sendo ressaltadas pela minha camisa que vestia, eu a desejei outra vez.
E no instante que sua pele entrou em contato com a minha, meu corpo imediatamente respondeu e quando dei por mim, já estava sob o chuveiro, me perdendo no seu corpo pecaminoso.
No final da manhã, para minha surpresa, eu quis transar com ela pela terceira vez. O que é, confesso, atípico para mim, já que meu costume é sempre transar apenas uma vez. A única coisa que não posso negar é que com Lívia sempre sai do meu controle, com ela era tudo mais intenso e contagiante, e se eu desejei repetir minha dose de sexo com ela foi exatamente porque Lívia conseguiu ter um domínio sobre meu corpo como nenhuma outra mulher ainda tinha sido capaz. O tesão por essa garota, nas outras duas vezes, parecia ser maior, diferente, e mais gostoso.
E ainda que minha experiência com Lívia tenha sido inegavelmente diferente, eu precisava contar-lhe a verdade. Por isso, quando cheguei em casa e ouvi Henrique combinando com seu orientador da faculdade de se encontrarem num determinado restaurante, eu vi a oportunidade perfeita de matar dois coelhos com uma cajadada só.
A intenção era que ele nos visse juntos e então ligasse os pontos. Mas durante todo o jantar meu irmão não apareceu, e eu até desisti do flagra, acreditando que Henrique havia desmarcado o jantar com seu orientador por algum motivo qualquer.
Mas então Henrique estava na minha frente, junto com Lívia, assim que ela voltou do banheiro, logo quando estávamos prestes a ir embora. Por um segundo eu fiquei mesmo surpreso com meu irmão ali, parado, me encarando com a mesma surpresa com a qual eu o encarava. No instante seguinte eu sabia que era hora da verdade.
E a verdade dói. Física e emocionalmente. Emocionalmente em Lívia e fisicamente em mim. A verdade doeu ainda mais quando o doutor do pronto-atendimento colocou meu nariz no lugar. Foi uma dor descomunal e lancinante.
Voltei para casa após cuidarem do meu ferimento e me receitarem ibuprofeno para aliviar meu desconforto. Quando entrei na sala, não esperava ver Karlita falando ao telefone, ainda que fosse por volta de onze da noite.
— Não se preocupe, ele acabou de chegar. — Disse ao telefone e o desligou, vindo em minha direção enquanto eu tentava esconder meu curativo. Um ato totalmente em vão:
— Alfredinho, o que aconteceu?
Revirei os olhos. Maldito apelido.
— Nada — disse e minha voz saiu anasalada.
— Como nada, garoto? — Ela avaliou meu ferimento — Ninguém quebra o nariz por nada.
— Me envolvi em uma briga. Só isso.
— Alfredo... Você e Henrique brigaram? Ele acabou de ligar para cá. Furioso e perguntando de você.
Tentei não exasperar de raiva, pois o mínimo movimento me causava uma onda de dor. Respirar era impossível e se eu o vinha fazendo era pela boca.
— Foi uma briga idiota. Estou bem, Karlita. Só tenho que repousar. — Aleguei querendo acalmá-la, mas eu sabia que não surtiria muito efeito. De alguma maneira ela exigiria saber o que aconteceu. Assim como minha mãe, quando soubesse.
Karlita pôs à mão na cintura e me olhou de cima para baixo, por conta da sua estatura, e arqueou uma sobrancelha, claramente duvidosa das minhas alegações. Os cabelos prateados pelo tempo estavam soltos, caindo sobre seus ombros, misturando-se à sua expressão cansada. Lancei a ela um olhar inocente, o que a fez suavizar um pouco sua postura rígida.
— Precisa de alguma coisa?
— Pode me fazer um caldo verde que só você sabe como eu gosto?
— Claro, querido — me beija na testa e se afasta, dando um tapinha no meu ombro — Mas enquanto come irá me explicar essa briga com seu irmão. — Exigiu e sem que eu tivesse tempo de protestar, Karlita já estava avançando cozinha à dentro.
Termino o percurso até meu quarto. Com um pouco de dificuldade e dor, pois meu hematoma ainda latejava, tiro a roupa e tomo um banho quente e longo.
Com a ducha quente que relaxou meu corpo, somado aos analgésicos que me deixaram meio sonolento, senti uma vontade imensa de deita e dormir. Pus uma calça de algodão e um moletom confortável para me aquecer do frio e me ajeitei na cama, quase sucumbindo ao sono instantaneamente, não fosse por Karlita surgir com o caldo que tinha pedido. Com sua ajuda, me encostei à cabeceira e, mesmo com dificuldade, comi um pouco do preparado. Insistentemente Karlita quis saber o porquê meu irmão e eu brigamos.
Busquei por alguma resposta rápida nos meus pensamentos. Definitivamente não queria ter de falar sobre isso naquele momento. Antes que eu pudesse lhe dar qualquer razão estúpida e mentirosa, ouviu-se um brado vindo do andar de baixo:
— Alfredo! — Reconheci a voz de Henrique. — Alfredo! — Gradativamente os sons se tornaram mais próximos e altos. De repente a porta se abriu abruptamente e eu o divisei. Seus olhos queimavam.
— Não precisa gritar. — Fiz um muxoxo atrevido — Você me quebrou o nariz, não meus ouvidos. Se bem que com esses berros logo, logo estoura meus tímpanos.
De súbito, Henrique avançou sobre mim, me segurou pelo colarinho outra vez, fazendo o caldo se esparramar pela cama e assustar Karlita que, desnorteada, tentou separá-lo de mim aos gritos. Ia protestar contra seu ato quando ele desferiu um soco ainda mais forte no meu nariz quebrado. Uma dor aguda subiu do meu nariz para a cabeça, me deixando momentaneamente zonzo. Minha dor foi expelida em um urro e eu cai desajeitadamente no chão.
— Seu filho da puta! Que dor! — Vociferei levando a mão até o curativo, sentindo meus olhos lacrimejarem. A dor estava mais que insuportável. Beirava a ser mortal.
— Isso não é nem perto do que fez a Lívia sentir — retorquiu cerrando o maxilar, a ira saltava dos seus olhos castanhos.
Novamente quis avançar em minha direção, e por mais que Karlita tentasse impedi-lo, meu irmão facilmente conseguiria se desvencilhar e concluir sua tenção de me golpear mais uma vez. E ele teria feito, se não fosse nossa mãe, que com certeza acordou com a gritaria, entrar no quarto e se interpor entre nós, o impedindo de continuar me agredindo.
— O que está acontecendo aqui? — Ordenou com voz autoritária e alta, sobressaindo-se a todos.
— Henrique quebrou meu nariz – apressei em me defender
Mamãe se virou para ele, furiosa. Seus olhos eram inquisidores e chamejavam. Mas eu sei que ela o ouviria.
— Ele mereceu, mãe. — Contestou, alterado —Esse desgraçado merece mais do que um nariz arrebentado! — Seu timbre saiu carregado e até teria dado um passo à frente caso dona Carmen não estivesse entre nós.
Mamãe cruzou os braços e o encarou seriamente. Já tinha pelo menos oito anos que ela estava acostumada com nossas brigas e de sempre intervir para conter nossos ânimos alvoroçados. Era raro vê-la alterada por causa das nossas discussões e com muita paciência sempre tentava nos reconciliar. E naquele momento não seria diferente. Soltou um suspiro exasperado e baixou seu tom de voz, pronunciando:
— Henrique, seja lá o que seu irmão fez, quebrar o nariz dele não resolveria nada
— Como pode defendê-lo depois de tudo que ele fez? — Henrique ainda está praticamente gritando, a raiva, o ódio e a indignação emanam de cada poro da sua pele.
— E o que foi que ele aprontou dessa vez? — Mamãe quis saber, mas antes que meu irmão pudesse respondê-la eu o fiz por mim mesmo
— Dormi com a Lívia — e ri entre as dores. Os dois tinham sido tão idiotas — Lívia, sabe?, aquela namoradinha que foi conhecer outro dia na casa dela e que a elogiou o restante da noite?
Mamãe me olhou abismada, Karlita continuava acompanhando a discussão e Henrique, apertando os punhos, já avançava sobre mim, mas mamãe novamente o reteve. Ela se aproximou de mim e me levantou, me fazendo sentar com peso sobre a cama. O que fez meu nariz doer ainda mais com o solavanco.
— Alfredo, você separou seu irmão da namorada dele? — Inquiriu, zangadíssima, pois mamãe também estava à par da separação de Henrique e Lívia, da suposta traição dele e das manipulações feitas nas imagens que, até então, ninguém sabia quem tinha sido o responsável e por quê.
— Não somente isso, mãe — Henrique intrometeu-se — Ele não somente manipulou imagens, criou verdades e fatos, como também a conquistou. Lívia se apaixonou por ele. E depois que conseguiu o que queria, apenas transar com ela, a deixou. Alfredo fez tudo o que fez para apenas tê-la em sua cama.
— Eu não tive culpa — me defendi, com ironia, obviamente — A namorada dele é muito gostosa. Eu precisava fodê-la.
Eu mal terminei de proferir minhas palavras quando senti um tapa esquentar minha cara. E tinha vindo de minha mãe. Encarei-a, completamente espantado. Mamãe nunca tinha levantado um dedo sequer pra mim.
— Mãe...? — Indaguei, ainda atônito, levando a mão ao lado atingido.
— Você ultrapassou todos os limites, Alfredo Hauser! Todos! — Apontou o dedo em minha cara e falou alto, tão alto como nunca tinha visto em toda vida. Minha mãe estava, de fato, enfurecida. — O que ganhou com isso? O que ganhou enganando seu irmão e aquela pobre garota?
— Uma trepada deliciosa — retorqui mal-educado — Porque é isso que todas as mulheres são pra mim: uma trepada gostosa.
Outra bofetada estalou no mesmo lugar da primeira, mais ardida e forte que a anterior. Eu fitei minha mãe, totalmente irado e perplexo.
— Isso não ficará impune. — Decretou, quase tirânica.
— O que vai fazer, me estapear? — Confrontei-a
— Você irá embora dessa casa. Vai estudar se quiser continuar tendo o que comer — sua voz soou firme e ríspida.
— Eu não vou para aquela faculdade idiota e viver no meio de idiotas em uma república idiota – protestei alto.
— Você não irá mais estudar no interior, Alfredo. Você estudará na França. — Determinou secamente. — Ainda há tempo de conseguir uma vaga na Universidade de Paris para você. Com um pouco de esforço, diplomacia e influência de sobrenome você ingressará numa boa universidade.
Juntei as sobrancelhas ao ouvi-la, pasmo.
França?
Não, eu não iria mesmo.
— Eu não vou — desafiei sua autoridade.
— Você vai, Alfredo. Vai estudar, se tornar responsável e um homem de verdade. Não esse cafajeste que você é.
— Eu não vou. — Teimei outra vez, ainda me opondo à sua ordem. — E você não pode me obrigar!
— Realmente, eu não posso te obrigar. — Seu semblante atenuou subitamente. — Mas se não aceitar, eu te deserdo. Você sairá dessa casa apenas com a roupa do corpo. Terá que trabalhar para alugar um casa para morar, ter dinheiro para pagar o aluguel, ter o que comer, pagar as suas contas. Se quiser continuar sobrevivendo sem meu dinheiro terá que começar de baixo como qualquer outra pessoa comum. É pegar ou largar.
— Você não pode fazer isso — declarei, incrédulo com sua frieza.
— Não só posso como farei isso agora. É só eu dar uma pequena ligação para meu tabelião... — e já ia sacando o celular do bolso, não se importando nem mesmo com as horas tardias.
Vendo-a tão decidida a executar sua ameaça de me deserdar, um pequeno desespero me bateu. Se mamãe realmente fosse capaz de me deixar sem um real sequer, eu não teria dinheiro para comprar um ovo sequer.
E pensando bem, dizem que a França tem lindas mulheres.
— Está bem — cedi, sem muitas opções. — Mas eu não vou pra lugar algum com esse nariz quebrado.
— Esse nariz quebrado foi bem merecido — pronunciou Karlita, de repente, fazendo-me lembrar que ela ainda continuava aqui, presenciando todo o desenrolar, completamente neutra. Até aquele instante. Aproximou-se, então, de mim e também me deu um bofetão.
Ótimo! Além de nariz quebrado também ia ficar com a cara marcada. Pensei em me queixar pelo tapa, mesmo conhecendo o risco de se enfrentar a governanta da casa, por causa da sua personalidade forte, e de ser estapeado como uma criança de seis anos, mas não houve tempo, pois mamãe me interrompeu ao dizer:
— Você terá tempo para recuperar seu nariz, Alfredo. Dentro de um mês irá para Paris — e dito isso ela saiu acompanhando de Karlita.
. — Bon voyage, mon frère – caçoou Henrique se retirando em seguida.
Fils de pute!
***
Trinta dias se passaram. O inverno avançava rigorosamente sobre terras brasileiras e hoje seria meu último dia aqui. Minhas malas jaziam sobre a cama junto ao meu passaporte e as demais coisas que precisaria para começar minha nova vida em um país completamente desconhecido para mim.
Como mamãe prometera, eu ingressaria em uma universidade pública na França. Usando a influência do nosso sobrenome ela me conseguiu uma vaga de última hora. Alertou-me que se eu quisesse continuar sendo um herdeiro Hauser deveria manter minhas notas, no mínimo, ótimas. Do contrário, nada de herança.
Uma cópia da minha matrícula na Université Pierre e Marie Curie, ou simplesmente UPMC, estava entre meus dedos enquanto eu divagava em pensamentos. Localizada no 5º arrondissement de Paris, a UPMC é a sexta de treze Universidades que foram, em 1970, divididas diretamente da Universidade de Paris fundada em 1170.
Nas últimas quatro semanas o clima entre mim e Henrique era cada vez mais pesado. Houve algumas discussões, provocações e desentendimentos entre nós dois. Meu irmão não me suportava e deixou isso bem claro na semana passada, numa das nossas rotineiras contendas. A frase "eu te odeio" e adjetivos como "desgraçado" eram as palavras mais suaves do seu vocabulário.
Era nítido que ele contava as horas para me ver partir de uma vez por todas.
Idiota.
Soube ainda no outro dia, ouvindo a conversa dele com mamãe por detrás da porta, que ele e Lívia tinham reatado. Pensei se fora uma atitude desesperada por parte de Lívia para sanar a ferida que foi aberta em seu coração e não pude deixar rir da ironia. Primeiro ela se consolou nos meus braços quando soube da armada traição de Henrique, e depois se consolou nos braços dele quando soube do meu golpe. De qualquer maneira, a garota toca a fila como ninguém.
E mesmo sabendo que esse namoro dos dois seja uma última tentativa de tentar me esquecer, mesmo sabendo que eu a magoei profundamente, o arrependimento não bateu em mim. Na verdade, nunca bate. E sem nem pensar duas vezes, por ela eu faria tudo de novo. Arriscaria meu belo nariz por seu belo traseiro e seu corpo divino e sedutor.
Mamãe bateu à porta, entrando em seguida, arrancando-me das minhas dispersões momentâneas.
— Já está pronto? — Foi áspera.
Acenei, afirmando.
— Então vamos ou perderá o voo. — Disse apenas, com a mesma frieza anterior, e se virou, esperando que eu a seguisse.
Desde o episódio do mês passado Carmen Hauser vinha agindo diferente comigo. Não me chamava mais de "Alfredinho" e me tratava fria e secamente. Além de, claro, ter me cortado algumas regalias.
Entrei no carro após colocar as malas na parte de trás. Mamãe ligou os motores e dirigiu para o aeroporto. Através do contato com os conhecidos franceses, além da vaga de última hora na UPMC, conseguiu-me um apartamento alocado para morar e um estágio em um escritório de contabilidade
Segundo as instruções da minha mãe, iria estudar por seis anos em período integral. No segundo ano de faculdade, como mamãe me prometeu, teria meu próprio negócio ainda na França, para que eu praticasse o ofício da administração e estivesse suficientemente treinado para quando fosse tomar posse da empresa da família. Concluindo a faculdade, eu conduziria minha própria empresa por mais quatro anos. Com isso, meu retorno estava marcado para daqui dez anos.
Suspirei pensando no longo tempo que ficaria afastado da minha família. E que só agora, diante disso tudo, eu começava a me importar. Sentiria falta da minha mãe e da sua mania de me chamar pelo meu nome de forma diminutiva, de Karlita com seu gênio forte e sua língua sem trava. E quem sabe até de Henrique, das provocações que eu fazia a ele.
Ao chegarmos ao aeroporto me despedi de mamãe com um abraço. Ela me beijou a testa e desejou boa sorte, nem parecendo ser a mulher áspera e dura que vinha sendo nas últimas semanas. Dizendo que eu poderia vir ao Brasil no natal ou nas férias, cessamos o abraço e eu caminhei em direção à plataforma, a cada passo me distanciando do meu país de origem. Alguns minutos depois eu já havia embarcado e o avião decolava. Já sobrevoando, divisei pela última vez a minha casa, minha cidade, meu país, agora, a onze mil metros de altitude, observando os pequeninos pontos, as divisas e riscas que contornam o meu lar.
De repente pensei em Lívia e em tudo o que tínhamos vivido juntos. Seu sorriso contagiante, seu perfume adocicado, sua voz cantando Bon Jovi. Seu corpo sobre o meu, sua boca na minha. Nosso sexo. Inexplicavelmente senti um aperto no coração. E pela primeira vez me arrependi de ter usado uma garota.
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