Capítulo 4 - ALFREDO
Às cinco e meia da manhã já estava em pé, e apesar do frio matinal, vestia bermuda e regata para meu habitual percurso de quinze quilômetros. Desde o ocorrido do assalto há algumas semanas, e com a mudança brusca no comportamento de Lívia, abandonei por alguns dias minha rotina de exercícios.
Tomei cuidado para não a despertar, já que ela dormia profundamente. Lara deitava ao seu lado... levantou-se no meio da madrugada querendo a mãe.
Suspirei e afaguei os cabelos, já desesperado pelas últimas semanas. Minha esposa mudou radicalmente, era uma pessoa que eu já não reconhecia, e sabia que ela estava passando por algum tipo de trauma após o ocorrido.
Há uns dias, quando ela se apavorou no estacionamento do mercado, eu tive certeza. Tentei uma conversa, queria que ela se abrisse comigo, contasse o que estava acontecendo, para que, assim, pudéssemos buscar pela ajuda necessária. Mas Lívia alegou o tempo todo que estava bem, que estava assustada apenas por tudo ainda ser recente... Garantiu-me que logo esqueceria tudo e melhoraria.
Não foi o que aconteceu. Minha mulher continuava apavorada, odiava ficar sozinha, fosse em casa, no carro e até mesmo na empresa. Para trabalhar, ela pedira que sua assistente montasse uma mesa em sua sala e lhe fizesse companhia. Também estava um pouco paranoica: conferia janela e portas o tempo todo enquanto estávamos em casa, qualquer barulho a assustava e a deixava em alerta.
A superproteção com Lara e Enzo também é um fato a ser considerado. Lívia sufocou as crianças com seu excesso de cuidados. Lara não podia correr pela casa, pular na cama, brincar com o irmão... Se Lívia acreditasse que a brincadeira os machucariam de alguma maneira, exigia logo que parassem; e isso aborrecia nossos filhos, que se sentiam presos e impossibilitados de se divertirem.
Enzo não podia mais nem mesmo ir à esquina sozinho. Precisava ser escoltado por algum adulto se quisesse atravessar a rua, nem mesmo os percursos que estava acostumado a fazer sozinho — a casa da avó, a volta da escola e a ida e volta das aulas de violão — Lívia o poupou.
Anteontem, Lívia não queria deixá-lo ir à casa dos avós desacompanhado, e não havia ninguém, naquele momento, para acompanhá-lo. Apesar de Enzo sempre ter sido obediente, pela primeira vez ele se rebelou.
— "Você está insuportável! " — Lívia me contou quando cheguei em casa — Foi o que ele me disse, Alfredo! Enzo teve a audácia de me dizer isso! Dê um jeito no seu filho! — Frisou, com um tom de voz que me assustou.
Conversei com Enzo, mas não fui rude. De alguma forma eu o compreendia. Lívia também não estava sendo boa comigo. Sempre que eu tentava compreendê-la recebia gritos e injúrias, tinha ataques de pânico e raiva, como cinco noites atrás. Começamos a assistir um filme e, para nosso azar, houve uma cena de sequestro. Foi muito para ela. Lívia chorou e pediu desesperadamente que mudasse de canal; depois, me culpou outra vez por tudo o que aconteceu... Se eu não tivesse a deixado sozinha, se eu não tivesse viajado para França e adiado nosso jantar de aniversário, se eu tivesse a levado mais cedo, se eu...
Os transtornos não paravam por aí. Apesar da proteção ao extremo com Enzo e Lara, em alguns momentos agia impacientemente com as crianças.
— Tire-a agora daqui! Lara está irritante — disse certa vez, depois de uma pirraça da pequena.
Lívia se trancou no quarto e não saiu até o dia seguinte.
— Mamãe não gosta mais de mim? — Lara indagou, o que me partiu o coração. Não era somente impaciência que afetava nossos filhos, mas também a distância. Lívia já não se dedicava tanto às crianças... As aproximações e afetos diminuíam dia após dia. Os momentos de brincadeiras e amor eram raros e curtos... momentâneos.
Tentei explicar à Lara que sua mãe passava por uma fase complicada, mas que ela não deixava de nos amar.
Minha esposa também se distanciou de mim. Não fazíamos amor mais; beijos e carinhos eram demonstrados somente por mim, ela já quase não me dizia "eu te amo" espontaneamente, vivia desanimada, irritada comigo sem razões, e descontava toda sua raiva e tristeza em palavras que feriam meu coração. Ainda que a situação estivesse insuportável, eu fui carregando toda minha angústia, engolindo meu orgulho ferido, não rebatia suas alfinetadas... pelo contrário, tentei ao máximo compreendê-la, continuei sendo amoroso, paciente, compreensível, continuei demonstrando meus sentimentos, ainda que nada disso fosse tão recíproco, ainda que isso me ferisse... Havia uma promessa. E eu iria cumpri-la
Fiz uma pesquisa na internet, e pelos sintomas de Lívia, ela poderia estar sofrendo de estresse pós-traumático, mas que o diagnóstico só seria constatado por um profissional e após um mês de persistência dos sintomas. Antes disso, a reação psicológica da vítima diante o trauma poderia passar em alguns dias.
Eu tive fé nisso. E esperei.
Mas já faz um mês desde tudo. E Lívia parece só piorar.
Então, decidi que é hora de ajudá-la. De buscar orientação profissional.
Deixei-a dormindo com Lara, despedi-me com um beijo sereno e sai. Primeiro de tudo precisava pôr minha cabeça no lugar, organizar minha mente, meu coração... Corri mais do que o costume. Fiz trinta quilômetros, e apesar da intenção de relaxar e abrandar meus pensamentos, continuava frustrado. Voltei para casa, quase oito da manhã... Lívia já havia acordado. Estava num canto da cozinha, as mãos envoltas em uma caneca com café. Olhou para mim, forçou um sorriso e tragou um gole.
Dei-lhe um rápido beijo — quase não correspondido:
— Bom dia.
— Bom dia — respondeu tão baixo que precisei forçar meus ouvidos para escutá-la.
— Estarei pronto em cinco minutos. Quer que eu te leve à empresa?
— Não precisa. Cancelei meus compromissos de hoje. Não me sinto bem.
— O que você tem? — Quis saber, um pouco preocupado.
Lívia suspirou pesadamente.
— Não se preocupe. Até o final do dia estarei melhor. — Respondeu, terminou seu café e se foi, me deixando sozinho.
Mas eu sabia que ela continuaria da mesma maneira.
Bebi uma xícara de café e tomei um banho rápido. Lívia estava no quarto, deitada, as janelas fechadas, a tevê ligada em um canal qualquer. A situação me preocupou mais do que já estava.
— Estou indo para o Avennue. Ficará bem sozinha? Eu devo chamar alguém para te fazer companhia?
— Você sabe que eu não quero ficar sozinha — rebateu, meio ríspida. — Mas sei que tem seus compromissos...
— Posso cancelar.
— Não. Não precisa. A última coisa que quero é atrapalhar sua vida — disse com uma tonalidade como se fosse algum estorvo para mim.
— Você sabe que não me atrapalha — respondi, sereno. Sentei ao seu lado e acariciei suas mãos — Se quiser, eu...
— Eu não quero sua companhia... — suas palavras me feriram no mesmo instante, ainda mais quando se esquivou do meu toque. — Quero dizer... Não quero que fique só por minha causa. Chame a Victória. Sei que ela virá.
Acenei em positivo apenas e despedi-me com um beijo sem vida. Antes de sair, Lívia pediu que fechasse toda a casa e trancasse bem as portas.
Procurei Victória no restaurante, ela costumava chegar cedo para organizar os preparativos antes de abrir o restaurante.
— Precisamos conversar. — Disse, um pouco alarmado assim que veio me atender.
Ela me recebeu em uma das mesas, nos fundos do local.
— Tudo bem entre você e a Li? — Parecia ter pressentido.
— Não, nada está bem.
Victória me espiou com olhares preocupados. Relatei tudo o que estava acontecendo nas últimas semanas. É claro que ela ficou furiosa por eu não ter contado antes.
— Deveria ter me contado, Cretino. Lívia é minha melhor amiga, eu poderia ter feito alguma coisa em prol.
— Eu sei, me desculpe. Como eu disse, achei que as coisas melhorariam. Mas já tem um mês, Vic, e Lívia parece só piorar. Sei que o vizinho de vocês é psicólogo. Poderia me passar o endereço do consultório dele ou o telefone?
— Eu não tenho essas informações aqui. Somente em casa. Henrique estará por lá na hora do almoço. Passe lá e vocês conversam, talvez até encontre Luís no apartamento. — Ela me entregou a chave da porta. — Vá mais cedo, espere seu irmão lá. Tome uma cerveja — e sorriu, sincera.
— Obrigado. — Guardei as chaves no bolso. — Pode fazer companhia à Lívia até eu chegar? Ela não quer ficar sozinha...
— Não precisa nem me pedir. Chegarei lá em dez minutos. Aproveito para tentar conversar com ela.
— Faça isso. E obrigado outra vez.
Por volta do meio-dia eu já estava no apartamento em que meu irmão vive com Victória. Segui seu conselho e peguei uma cerveja na geladeira. Fiquei o esperando em sua cozinha, apoiado ao balcão, divagando nos pensamentos. Tomei duas cervejas antes de a porta se abrir e Henrique surgir, carregando algumas sacolas. Ele me viu, mas nada disse. Depositou as sacolas ali perto, num canto qualquer, abriu a geladeira e puxou mais duas garrafas, entregando uma para mim. Deu uma golada direto do gargalo, limpou os lábios com as costas das mãos e apoiou sua bebida na superfície; me encarou.
Suspirei pesado e também traguei minha cerveja — a terceira.
— Desculpe invadir seu apartamento. Victória me emprestou as chaves.
— Ela me ligou. Disse que estaria aqui. Problemas com Lívia?
— É... Desde o assalto... Lívia está diferente. Acho que pode estar com algum tipo de trauma. Eu queria ajuda profissional, sei que o morador ao lado é psicólogo. Victória me disse que vocês têm o telefone dele.
— Sim, mas não é preciso. Encontrei com ele no elevador. Está aí até o fim da tarde. Podemos ir falar com ele agora mesmo, se quiser.
— Eu quero — disse prontamente, já me levantando.
Henrique me acompanhou até o apartamento ao lado. Luís nos recebeu calorosamente. É um homem na casa dos cinquenta anos, conservado e elegante. Conversamos por uma meia hora. Relatei a ele o acontecido e os sintomas de Lívia depois daquela noite. Luís pediu que eu tentasse convencer minha esposa a ir à uma consulta, para ter um melhor diagnóstico, mas que os sintomas apontavam, sim, para um estresse pós-traumático. Quis saber um pouco mais do transtorno, e ele me esclareceu muitas coisas, alegou que dependendo do nível do transtorno seria necessário ou não acompanhamento psiquiátrico. Mas somente uma conversa direto com a paciente poderia nos dar uma resposta definitiva. E me atentou à importância do diagnóstico precoce.
Sai de seu apartamento com minhas esperanças renovadas. Havia uma chance de trazer minha esposa de volta, de melhorar sua saúde mental, e eu faria de tudo para que ela tivesse uma melhor qualidade de vida.
Voltei para casa, ansioso para lhe contar, para dizer que poderíamos acabar com seus ataques de pânico e transtorno de ansiedade. Assim que cheguei, pela primeira vez em um mês a fé se resplandeceu em meu ser. Lívia estava sentada no sofá, Victória a acompanhava, as duas vestiam pijamas, estavam descabeladas e devoravam um pote de sorvete. Lívia ria de alguma coisa, sua amiga a acompanhava.
Felicidade emanava da minha esposa, e eu fui preenchido de uma esperança esplêndida.
— Desculpe atrapalhar a hora das garotas. — Interrompi o momento, adentrando a sala. Lívia me olhou, desfez um pouco o sorriso. Meu coração se partiu mais um pouco, mas não me deixei abater. As coisas voltariam ao normal dentro de breve.
Victória se despediu de Lívia com um abraço amoroso. Me puxou para um canto, longe o suficiente para que ela não nos escutasse.
— Ela parece bem...
— Só parece, Alfredo — Vic respondeu, com um suspiro. — Foi difícil animá-la. Está tão ansiosa... —divagou, olhando para Lívia, que juntava a pequena bagunça na sala de estar.
— Eu que o diga...
— Conversou com Luís?
— Sim, marquei uma consulta para Lívia para amanhã. Não se preocupe... Vamos ter nossa Lívia de volta logo, logo.
Victória me abraçou, erguendo-se um pouco nos pés por causa da diferença de estatura.
— Está cuidando bem dela, Cretino. Nunca achei que diria isso, mas... — e se afastou para me olhar nos olhos, sorriu pequeno e disse: — Você só tem feito bem à Lívia. Não a deixe nesse momento difícil...
— Claro que não, Victória. Nunca mais vou decepcionar a Lívia. Já lhe dei muitas decepções para uma vida.
Victória riu um pouco e me abraçou novamente, dessa vez para se despedir. A acompanhei até o portão, agradeci infinitamente por ela ter feto companhia à Lívia e voltei rapidamente para dentro. Queria contar a ela a novidade.
No quarto, minha esposa já estava deitada, as janelas fechadas, apesar de ser três da tarde. Pus-me ao seu lado, talvez não fosse propício lhe falar agora. Pediria para mamãe ficar com as crianças, prepararia um jantar, tentaria uma conversa, tomaria cuidado para não a irritar.
— Melhorou de sua indisposição?
— Um pouco. A visita de Victória me fez bem, mas...
— Mas...?
Lívia suspirou, se afundou mais entre os cobertores.
— Só preciso descansar. — Respondeu, evasiva.
— Está com fome? Posso te preparar alguma coisa.
— Não precisa. Não tem que ir trabalhar?
— Ficarei com você. Sei que não quer ficar sozinha.
— Como quiser — se ajeitou na cama e fechou os olhos.
Deitei ao seu lado, mas não me aproximei. Às vezes, as aproximações a assustavam, o toque, o beijo, as carícias... Só queria que ela conversasse comigo.
Mentalizei mais uma vez que em breve tudo acabaria bem.
— Pode ir até a sala de brinquedos e ver se está tudo bem com Lara? Ela está com a babá, mas eu... eu não confio. — Pediu, em meio à escuridão.
A impressão que tive é que ela não me queria ao seu lado.
Engoli minha bílis.
— Claro, querida. — Sussurrei e me afastei.
Retornei apenas à noite, depois que deixei Enzo e Lara na casa de mamãe. Lívia continuava reclusa no quarto. Nem se importou quando disse que levaria as crianças para dormir fora.
Preparei uma sopa e levei para ela.
— Não te vi comendo nada hoje, amor... Coma alguma coisa.
Ela sorriu... pequeno, mas sorriu. Agradeceu e comeu apenas um pouco. Sua falta de apetite também me preocupou.
Enquanto ela comia, preparei a banheira para que tomasse um banho e relaxasse. Dei-lhe espaço e privacidade, Lívia pareceu confortável com meus agrados, mas pouco falou.
Deitados, estava escolhendo as palavras certas para contar sobre a consulta com o psicólogo. Eu sei que ela fica facilmente irritada quando tomo decisões em seu lugar, e a última coisa que eu gostaria era de irritá-la mais.
— Eu posso te abraçar? — Perguntei, cauteloso.
— Sim, Alfredo...
Abracei-a e inspirei seu cheiro. Eu sentia tanto a falta da minha Lívia... odeio esse momento. Meu Deus, eu tive mesmo que pedir para abraçá-la?
Ficamos um tempo quietos, eu a envolvia em meus braços e desejava tirar todos os seus medos e angústias para mim.
Um momento estranho nos rondou. Não havia diálogo entre nós. No passado, erámos cercado de espinhos e farpas, nunca nos faltou palavras — ainda que as mais pesadas. Mas agora, eu não sei como conversar com Lívia. Tenho medo de um surto ou que ela me interprete mal, tenho medo de desencadear lembranças que ela já deveria ter superado... Por não saber como dialogar com Lívia neste momento, digo a última coisa que deveria dizer — a primeira que me surge na cabeça:
— Quero fazer amor, Li...
Posso ouvir um suspiro. Ela se remexe na cama, se afastando do meu abraço.
— Alfredo, eu já te disse que estou indisposta.
— Eu sei, Lívia, mas... Já tem um mês — sussurro a última parte, me arrependendo no mesmo instante. Tenho certeza que uma lembrança puxará a outra.
Lívia se levanta do meu lado, acende as luzes e me encara com um semblante irritado. Sem dizer nada, joga um robe no corpo e está prestes a sair.
— Aonde você vai?
— Eu só quero dormir, Alfredo. E você não me deixa. Vou para o quarto de Enzo.
— Lívia, não, espera... — saio da cama rapidamente e a impeço.
Respiro fundo e olho em seus olhos. O momento é agora.
— Me desculpe, eu não queria te incomodar. Eu só quero que você se abra comigo... Me diga o que está acontecendo.
Ainda que eu soubesse que provavelmente ela estaria sofrendo com o estresse, queria que Lívia desabafasse, me dissesse dos seus medos, para que assim eu pudesse lhe falar sobre a consulta com Luís.
— Eu já disse que estou bem...
— Lívia, é visível que não está bem. Por que não conversa comigo?
Os olhos já estão lacrimejantes.
— Não temos o que conversar... — balbuciou. — É só um mal-estar. Vai passar logo.
— Estou cansado de desculpas, Lívia! — Aumentei a voz sem perceber, exaurido por essa falta de confidência. — Fale, comigo, amor... Você está irritada, em pânico, impaciente... Nós nem transamos mais! — Despejei as palavras que engoli por todo aquele tempo.
Lívia me encarou com a face contorcida.
— É com isso que está preocupado? Na nossa vida sexual? A sua maior preocupação é essa?
Eu sabia que tentar conversar com ela chegaria a esse ponto. Eu não sei me expressar, e eu odeio ter que escolher as palavras com cuidado para não a magoar e sempre acontecer o que mais temo. Abria a boca para me justificar, mas ela surtou:
— Com tudo acontecendo na nossa vida, não transar comigo é sua maior preocupação?
A irritação me subiu pela cabeça.
— Porra, Lívia, eu sinto falta de trepar com você, sim! Sou errado em sentir falta da minha esposa?!
— Você não sente minha falta! Como sempre, não sou nada além de um objeto sexual para você! É tudo que consegue ver em mim: uma trepada!
— Pare com esse drama! — Eu não queria dizer nenhuma das minhas palavras, mas foi impossível não descarregar minhas angústias presas na garganta: — Trepar com você é minha forma de dizer que eu te amo... Você sabe disso, Li. Sabe que eu te amo... Eu só quero entender por que está me evitando. Eu quero que fale comigo, que me conte as coisas, que se abra... Sou seu marido, porra. E você não transa comigo há um mês!
— Procure na rua1 — Soltou duma vez — Não é isso o que você faz sempre que não estamos bem? Não corre para os braços de qualquer vadia, Alfredo? Eu não me importo. A verdade é que estará me fazendo um grande favor...
Eu nunca pensei que ficaria tão magoado e atingido com as coisas que Lívia me disse. As lágrimas estavam querendo vir, mas forcei-as a ficarem nos meus olhos, a não se manifestarem. Precisava manter minha calma, findar com a discussão, mostrar a ela que precisa de ajuda profissional. Já mais calmo, disse:
— Eu só quero entender, Li. Nunca ficamos tanto tempo sem nos tocarmos... Só me diga por que não me toca mais, por que não fazemos mais amor...
Lívia me olhou nos olhos, arquejava de cansaço... Não sei se pela briga, pelos gritos ou desgaste emocional. Mas convicção emanava de seu olhar.
— Eu não te amo mais. Não sinto nada por você. — Declarou, de repente.
Quase senti meu coração parar. As lágrimas que tanto evitei se manifestaram.
— Não diga isso, Lívia. — Murmurei, assustado com o que me disse.
— Me perdoe, Alfredo, — pediu, a voz arrastada — mas não sinto nada. Nada. Só uma tristeza profunda. Um medo aterrorizante. E uma raiva descomunal. — Ela começava a se abrir. Era o momento propício para lhe falar. Cautelosamente, dei um passo à frente.
— Me deixe te ajudar. — Lágrimas rolaram pelos meus olhos, ainda que eu fizesse esforço para contê-las.
— Você não pode.
— Sei que posso, Li. Eu prometi a você...
— Esqueça essa promessa estúpida! — Lívia bradou de repente — Não vê que eu não me importo mais? Eu não me importo com você nem com esse casamento!
Meu coração rasgou. Fiquei sem palavras por alguns instantes. Ela fechou os olhos, se acalmou para enunciar com determinação:
— Não quero que sofra por mim. Não quero que viva isso. Não quero isso para sua vida.
Já pensava em lhe falar sobre Luís e a consulta, porém, não houve chances para proferir coisa alguma. Suas próximas palavras quase desestabilizam minha vida:
— Quero o divórcio.
Encarei-a completamente assustado. Divórcio está fora de cogitação. Lívia está sob pressão do medo, da ansiedade, dos seus traumas... Não poderia, de forma alguma, estar ciente de seu pedido. Eu jamais poderia deixá-la outra vez num momento tão delicado como esse. Lívia precisará do meu apoio, e ainda que insista nessa história de divórcio, eu jamais concordaria em me divorciar com ela nessas condições
— Divórcio? — Indaguei, aterrorizado com a ideia.
Eu não me imagino sem essa mulher na minha vida.
— Me desculpe, mas eu... — ela não conseguiu terminar, caiu no pranto.
Me aproximei e a abracei... Lívia não se esquivou, pelo contrário, me abraçou forte e soluçou em meus ombros.
Acarinhei seus cabelos e sequei suas gotas com beijos serenos.
— Me deixe te ajudar. — Murmurei.
— Como? — A voz saiu entrecortada. — Alfredo, você não pode...
— Eu não, mas um profissional, sim. Li, conversei com um psicólogo... Algumas sessões podem resolver o problema. Só precisa ser diagnosticada... Talvez esteja com estresse pós-traumático. Por favor, Lívia... Eu te amo tanto. Não sabe como tem me quebrado te ver dessa maneira.
Lívia me fitou com os olhos entristecidos, um pouco confusos e atordoados.
— Acha que um psicólogo pode me ajudar? Eu não quero continuar vivendo com esse medo... essa raiva...
Alívio começou a me percorrer. Lívia abria espaço.
— Podemos tentar? Vamos tentar o que for preciso, Li, para você se curar. Só me diga que quer tentar a psicoterapia... Estou entrando em desespero por te ver assim. Não me importo que estejamos sem transar, amor... Deus, eu nem sei por que disse aquelas coisas. Eu só quero te ver bem outra vez, minha vida...
Ela apenas acenou em positivo e se encaixou outra vez em meus braços, abrandando os ritmos do meu coração — e os dela também.
Queria perguntar se o que ela me disse há pouco é real.
Mas temi uma resposta.
Não suportaria ouvi-la dizer outra vez que não me ama.
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