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Capítulo 2 - ALFREDO


Acordei mais cedo do que o costume. Lívia continuava dormindo, o sono profundo, brando. Me permiti uns instantes para observá-la e venerá-la. E, de alguma maneira, eu a achei diferente. Uma pequena ruga entre suas sobrancelhas não lhe tira a beleza nem minha admiração. Eu continuaria amando essa mulher até nos piores momentos da minha vida.

Tento afastar dos meus pensamentos a ideia e o temor que vivemos naquela noite, e posteriormente com a internação dela. Eu nem gosto de me lembrar das horas terríveis que experimentei — isso me causa um grande aperto e uma enorme angústia no peito. Simplesmente não consigo me imaginar sem Lívia na minha vida... Ela é uma parte de mim, é como se fosse uma parte vital do meu organismo.

Deixo um beijo pequeno em seus lábios secos e me levanto com cuidado para não a acordar. Na cozinha, preparo um café da manhã reforçado. Enzo aparece um tempo depois, visivelmente sonolento, carregando uma mochila. Puxa uma cadeira e se serve de um copo de leite.

— Bom dia, pai. Cadê a mãe?

— Bom dia. Ainda está dormindo. Caiu da cama? — Indago, colocando uma fatia de panqueca para ele. Depois de abocanhar a guloseima, me responde:

— Papai vai vir me buscar para irmos pescar, não se lembra? Eu odeio pescar. — Resmunga de forma engraçada, o que me faz gargalhar.

Sento ao seu lado, pondo um pouco de suco no copo.

— Me lembrei agora, está marcado desde a semana passada, não é? — Enzo abana a cabeça, pois a boca está cheia. — Já experimentou dizer ao Henrique que você não gosta desses passeios?

Enzo dá de ombros e limpa os lábios.

— Ele gosta. Tia Vic vai junto e sempre vibra quando pesca alguma coisa... E você precisa ver como os dois ficam felizes por pescarem um projeto de peixe — ele sorri de forma inocente e ri um pouco. — Não quero que ele fique chateado comigo.

— Você é um bom filho, Enzo... — murmuro, bagunçando suas madeixas. — Quer que eu sugira algo diferente para o Henrique te levar na semana que vem?

— Não precisa — garante, se levantando e deixando seu café pela metade quando ouvimos a campainha tocar. — Já combinamos de ir no parque aquático.

Acompanho-o até a porta. Henrique e Victória já o esperam. Convido-os para tomarem um café, mas alegam que precisam ir para melhor aproveitar o dia. Perguntam por Lívia e seu estado, e eu lhes garanto que ela está bem e dormindo.

— Está tudo tão recente. Acha mesmo certo levarmos Enzo para uma pesca a alto-mar tão já? — Pergunta Victória, meio receosa. — Podemos deixar para a semana que vem...

— Foi apenas um susto, Vic... Lívia está bem. Não adiem nada por causa disso.

— Alfredo está certo. Além do mais, traremos Enzo amanhã à noite. Não há com que se preocupar.

— Se não formos hoje para essa pescaria, não vamos na semana que vem. Prometeram me levar no parque aquático. — Enzo faz sua observação em forma de protesto.

Depois disso, nos despedimos, Enzo me dá um beijo e um abraço e se vai.

Volto para o quarto; Lívia continua repousando. São sete e pouco da manhã. Eu gostaria de acordá-la, talvez fazer um sexo matinal antes que Lara acorde, ou ficar na cama conversando amenidades, embolando meus dedos em seus fios macios e perfumados, assistir ao telejornal, ou ainda aos desenhos com a pequenina no nosso meio.

Deito-me ao seu lado; quem sabe consiga alguma de minhas aspirações. Trago-a para meu peito e beijo seus cabelos, resvalando os lábios delicadamente pelo seu rosto. Ela se remexe e vem mais para perto de mim; abro um sorriso me sentindo confortável com sua aproximação.

Com o braço desocupado vou descendo meu toque pela sua pele, acariciando com ternura seu corpo. Inclino-me mais para sua boca; sinto sua respiração quente e ritmada contra meu rosto. Sorrio em seus lábios e os beijos com doçura. Escorrego um pouco mais meus dedos até alcançar seu abdômen. Essa mulher me deixa em êxtase.

— Eu te amo tanto, Li... — declaro bem baixinho. — A vida não teria sentido se eu te perdesse.

Inspiro fundo seu cheiro e deslizo minha boca até seu queixo, ao mesmo tempo minha palma avança mais para baixo, até se encontrar com sua coxa pequena e despida.

A excitação vibra meu corpo.

Um sorriso sucinto e malicioso se manifesta em minha boca colada à sua.

Minha mão, enfim, chega à parte interna de sua perna sedutora. Atrevido, vou subindo com um toque leve, apenas roçando nossas peles.

— Você é tão gostosa, amor... — Cicio, meus dedos chegando à sua parte íntima.

E de repente, me assusto com a reação súbita de Lívia.

Ao despertar assustada, ela me empurra, seguido de um grito angustiante:

— Não toque em mim!

***

Os olhos assustados estão me encarando. Algumas lágrimas de medo que se acumularam fazem-nos brilhar. Estou assustado o suficiente com sua reação para não ter nenhuma atitude nesse instante.

— Me desculpe... — ela balbucia, amedrontada. — Você me assustou, eu não queria...

— Tudo bem, Lívia... — acalmo-a e me levanto do seu lado, ainda abalado com sua reação repentina. — Você está bem?

Ela afaga o rosto e se ajeita melhor na cama, soltando um suspiro exasperado.

— Foi só um sonho ruim. Estou bem. — Garante, um pouco trêmula.

Esforço-me para abrir um sorriso e tirar esse incômodo repentino que estou sentindo. Outra vez algo me diz que minha esposa está diferente. Impeço que meus pensamentos me aflijam e digo:

— Preparei o café, está com fome?

Lívia sorri para mim — não dá mesma forma como ela sorria sempre quando eu tentava agradá-la com alguma coisa; é um sorriso pela metade, talvez entristecido — e afirma com um movimento de cabeça.

— Irei tomar um banho e já me encontro com você. — Diz, se levantando.

— Quer companhia? — Ofereço, esperançoso por um sexo sob a ducha.

Mas ela me encara com dúvidas em seu olhar. Ainda que hesitante, me permite acompanhá-la.

No banheiro, ajudo-a se despir e não posso deixar de contemplar seu corpo à minha frente. Lívia parece tímida ou receosa, como se nunca tivéssemos nos vistos nus. Trago-a para um beijo profundo e sereno e a arrasto para debaixo do chuveiro. Por alguns instantes, Lívia se permite envolver-se, e sob a água quente trocamos carícias e beijos cândidos.

— Eu te amo... — suspiro com seu lábio inferior entre meus dentes.

Lívia abre outro sorriso fraco e se apoia ao meu peito.

— Eu também te amo. Pode esfregar minhas costas? — Pede, e prontamente eu a atendo.

Ensaboo sua pele delicada, estamos em um silêncio confortável. Abraço seu corpo e nos conecto melhor. Deposito um beijo em sua nuca e acaricio seu abdômen com o sabonete. Lívia está relaxada e me permite deslizar meu toque para entre seus seios. Beijo-a sedutoramente na curva do pescoço, e um gemido de nós dois é incontrolável.

— Se lembra daquela vez... — sussurro ao pé do seu ouvido, resvalando minha palma pelo seu corpo pecaminoso — em que transamos dentro do carro no estacionamento do cinema? Tínhamos visto uma cena quente, e eu fiquei excitado...

—... porque eu te provoquei — ela ri um pouco com essa lembrança, terminando minha frase. — Você estava selvagem e sexy naquele dia... Foi tão bom. — Declara baixinho, quase inaudível por causa do chuveiro.

— Talvez devêssemos repetir a dose... — sugiro, beijando-a no outro lado do cangote.

— É... Talvez. Ou poderíamos transar na lavanderia, em cima da máquina, como no mês passado.

A ideia me agrada e faz meu corpo vibrar. Sob a água quente vamos relembrando esses momentos e rimos com as recordações de transas inusitadas. Somos dois tarados apaixonados um pelo outro. No desenrolar da conversa, entretido demais no momento, menciono:

— E por que não no banheiro de um restaurante como na noite...? — Não tenho tempo de me impedir de continuar, Lívia se vira bruscamente. O mesmo olhar assustado de antes se manifesta em sua íris agora.

Tento verbalizar um pedido de desculpas, ciente de que não deveria estar mencionando nada que a lembrasse aquele dia. No entanto, é ela quem se pronuncia:

— Eu já te pedi para esquecermos aquela noite.

— Eu sei, amor, eu só... Eu não tive a intenção... Juro, Li.

— Você nunca tem a intenção de nada — rebate, entre os dentes. — O seu problema é que você nunca pensa para falar!

Sem me deixar abalar, abraço-a para acalmá-la.

— Não vai mais acontecer. Eu te garanto — sussurro e a beijo serenamente sem que ela espere.

Lívia corresponde, mas não na mesma intensidade, não com a mesma paixão, não com o mesmo entusiasmo nem com a mesma emoção. Definitivamente, minha esposa está diferente.

Talvez porque ainda esteja tudo muito recente, talvez porque ela continue assustada com os acontecimentos apavorantes que vivemos. E sei que ela precisa de um tempo até esquecer, superar essa experiência desagradável.

Reforço para mim mesmo que dentro de breve aquele assalto não passará disso: uma experiência desagradável.

— Podemos fazer amor? — Murmuro com nossos lábios selados.

Lívia fica em silêncio por alguns segundos; os olhos fechados recebendo o cair da água em seu rosto.

— Não me sinto disposta para isso. Podemos deixar para... a noite?

Assinto apenas. Viro-a de costas para mim outra vez e continuo a ensaboá-la.

— Obrigada... — cicia de repente.

— Pelo quê?

— Você é sempre tão compreensível.

— Eu só te amo o suficiente para respeitar a sua vontade.

Lívia nada responde.

Digo novamente que a amo.

E ela escolhe permanecer calada.

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