Capítulo 4 - LÍVIA
— O QUE DIGO A ELES?
Sussurro para Alfredo, arrumando o cabelo, depois de já ter posto meus seios sem sutiã dentro do vestido outra vez, ajeitado o decote e subido a calcinha de renda pelas minhas pernas. Sinto meu rosto ruborizando, e meu batom vermelho borrou.
— Que vou descer em dez minutos, pois estou nervoso e precisando de um tempo sozinho — responde, desdobrando a mangas na altura dos cotovelos. Pega o paletó e joga sobre os ombros, deslizando os braços para dentro. Passa pomada modeladora pelos cabelos molhados outra vez, por causa de um banho rápido.
Olho para o espelho logo à frente de Alfredo, onde ele também está parado, se arrumando, e passo a mão pela boca para tirar um pouco da mancha vermelha do batom, a prova dos nossos beijos intensos. Nossos olhares se encontram, ele me olha através dos nossos reflexos, ainda ajeitando a barra de sua manga.
— Não se preocupe, não direi nada ao Henrique. Vai dizer algo a Sophie? — Balanço a cabeça em negação e me esquivo dos seus olhos azuis e intensos. — Certo... então — faz uma pausa pequena, inspira fundo. — Pode sair.
Atendo seu pedido e o deixo sozinho. Saio do quarto onde estive com Alfredo completamente chocada com minha atitude. O que eu acabei de fazer? Passo a mão pelo rosto enquanto desço as escadas e entro na sala. De lá, saio pela porta principal e atravesso o jardim da frente, indo em direção ao meu carro na garagem.
Minha tarefa aqui com ele era simples: saber por que demorava a descer. Ele estava atrasado, e nós — sua mãe, Henrique e eu — sentimos sua demora, seu atraso. Estranhamente, me ofereci para procurá-lo, saber o que houve, apesar de Henrique ter ficado visivelmente incomodado com minha iniciativa. Mas, quando o vi tão lindo e elegante dentro do smoking preto, alguma coisa mudou dentro de mim. Um estranho sentimento aflorou em meu interior, e eu me vi fascinada por ele. Sem segundas intenções, sem planos de vingança, sem ódio.
Então, as coisas saíram do meu controle. Só me dei conta da loucura cometida agora, enquanto atravesso seu jardim em direção ao meu carro. Deus, como pude ter sido tão imprudente? Dou graças por não ter trancado a porta, abro-a, me sento no banco do motorista e encosto a cabeça no volante, recuperando o ar, ainda processando os últimos acontecimentos. Em segundos, pego minha bolsa no banco de trás e uso o demaquilante, tirando as borras em meu rosto. Refaço a maquiagem tentando esconder o vermelhão em torno do meu queixo e boca causado pela barba de Alfredo.
Olho-me pelo espelho do retrovisor, a maquiagem parece esconder a traição. Respiro fundo, busco pelo meu perfume e borrifo incontáveis vezes pelo meu pescoço. O medo de o aroma amadeirado de Alfredo ainda estar em minha pele e Henrique perceba me aterroriza. Inspiro fundo, de novo. Tenho medo de estar cheirando a sexo e espirro mais algumas vezes. Por um minuto, fico apenas me encarando pelo retrovisor, antes de decidir voltar para o local do casamento. No percurso de volta, encontro com Henrique.
— Onde você estava? — pergunta, andando rapidamente até mim.
— Fui retocar a maquiagem. — explico.
— Por quê? Estava perfeita antes de sair. — questiona.
— Eu me esqueci do rímel e cocei os olhos. Você sabe como sou, precisei refazer tudo — minto.
Ele apenas acena e emite um "hum".
— Pediu a alguém para avisar ao Alfredo? Ele continua atrasado. Sophie já está pronta para entrar, está ansiosa com essa demora dele. A cerimônia já deveria ter começado a cinco minutos.
— Sim. Ele só está nervoso e ainda não está pronto. Disse descer logo.
— Como sabe?
Meu Deus, quantas perguntas.
— Porque eu mesma fui falar com ele, Henrique — digo, já quase sem paciência. — Explique a Sophie que ele não vai demorar. E vá se posicionar com ela.
Henrique apenas assente e me beija antes de se retirar, e eu retraio o corpo com sua aproximação. Rezo para ele não ter reparado no cheiro de pós-sexo ou do perfume amadeirado de Alfredo na minha pele... ou meu nervosismo.
Volto para meu lugar com a cabeça zunindo. Sento-me ao lado de dona Carmen, Enzo finalmente se aquietou e está sentado no colo da avó, também esperando. De repente Alfredo surge no altar, trocamos alguns olhares tensos. Ele se ajeita, parece respirar com dificuldade. A marcha nupcial começa a tocar, anunciando a entrada da noiva. Levantamo-nos e nos viramos para trás, para vê-la entrar.
Sophie está enroscada aos braços de Henrique, belíssima dentro de seu vestido de noiva. É uma peça de corte reto e marca suas curvas e sua pequena barriga, a frente é curta e alcança metade das coxas finas; atrás, o cumprimento é maior e a cobre totalmente, emendando em uma calda que se abre em um meio círculo ondulado nas extremidades. Os cabelos castanhos estão presos em um coque elegante, segurado por uma renda branca e delicada. O véu cobre sua face, mas não esconde seu sorriso de felicidade.
Vejo Henrique com uma expressão fechada, não entendo por quê, e então me viro para trás, onde, há segundos, Alfredo me olhava. Rapidamente, ele se volta para sua noiva se aproximando. Mais alguns passos e a noiva lhe é entregue. Alfredo levanta seu véu para encarar os olhos de sua futura esposa. Viram-se para o cerimonialista — não haverá casamento no religioso — e depois de algumas palavras, assinam o livro de registro diante o juiz.
Os convidados já os aguardam na saída para lhes jogar arroz cru. Por um breve segundo, ele me olha, enquanto passa por entre as pessoas. Sorrio fracamente para ele, sem entender esse sentimento dentro de mim. Alfredo Hauser casado. Pai. Por que eu desejei, embora por apenas um segundo de insanidade, ter essa vida com ele?
Ele sorri de volta, frio. Segura mais firme na mão de sua esposa e passa por todos.
A festa de casamento acontecerá aqui mesmo, na casa dele. O salão onde será celebrada a união de Alfredo e Sophie está adornado com rosas brancas e mesas espalhadas por todo o local, decoradas com simplicidade e elegância. Há uma banda montada nos fundos, os músicos se preparando para tocar. Henrique e eu somos os últimos a chegar para cumprimentar o casal. São poucos convidados, pelo jeito eles preferiram algo mais íntimo, a maioria são funcionários e amigos próximos da família.
— Parabéns, Alfredo — felicito-o e, ainda receosa, o abraço. Sinto seu corpo quente ao meu, e então lembranças me acometem, há poucas horas estávamos numa entrega doce e insana. Ele retribui o abraço e murmura um obrigado rouco em meu ouvido. Afasto-me, sorrio fraco, olho em seus olhos. Ele me encara, sem jeito. Antes de alguém notar essa troca de confidências com nossos olhos, vou até Sophie para felicitá-la também.
Henrique também cumprimenta o irmão, desejando felicidades. Não sei se é sincero, e eles dão um aperto de mão um pouco frio demais. Seguimos para dentro do salão, Sophie nos acompanha até uma mesa, é simpática e acolhedora em demasiado.
A banda no canto extremo começa a tocar. As primeiras notas são jogadas no ar, e eu as reconheço prontamente. Still Loving You. Claro, previsível. Não sei se a escolha de Alfredo foi proposital ou se pelo fato de ser fã da banda. Ao longe, vejo-o com Sophie e um segundo homem — não o conheço, mas é um dos padrinhos de Alfredo —, os três conversam animadamente, Alfredo parece íntimo dele... talvez sejam amigos. A festa decorre de forma agradável, os noivos vêm até nossas mesas com frequência saber se estamos bem acomodados, se precisamos de mais bebida ou refrigerante; Enzo pede mais refrigerante e quer saber quando cortaremos o bolo.
— Depois do almoço, campeão — Alfredo responde, afagando os cabelos pretos e escorridos de Enzo. — Que será servido em cinco minutos.
Henrique e eu não dispensamos a cerveja oferecida, mas moderamos na quantidade. Almoçamos e bebemos, conversamos e rimos junto de alguns convidados conhecidos. Sophie anuncia que o bolo será cortado, mas antes, jogará o buquê. Todas as mulheres se juntam no centro do salão, desejosas pelo buquê de rosas brancas. Permaneço no meu lugar.
— Ei, você não vai? — Henrique me pergunta, empurrando-me amigavelmente com seus ombros. Rio um pouco e nego com a cabeça.
— Não, obrigada.
— Não quer se casar comigo, é isso?
— Não é isso. Só não vejo muito sentido em me digladiar por causa de um buquê. — respondo, mas talvez a verdade seja que eu não sei sobre querer ou não casar com Henrique. É cedo para qualquer tipo de resposta definitiva, sim ou não.
— Certo — ele ri, e toma outro gole de sua cerveja.
Voltamos a olhar para Sophie, ela está no centro do salão, segura o buquê.
— Minha família tem um costume — Sophie diz em um português com forte sotaque antes de arremessar. — Aquela que conseguir pegar o buquê, para dar ainda mais sorte, terá de dançar uma música com o noivo — diz sorrindo e olha para Alfredo, ele assente e sorri de volta para ela.
— Un, deux, trois — conta em francês e joga as flores para alto.
Acompanho sorrindo o percurso do ramalhete de flores no ar. As poucas mulheres presentes se empurram para segurar o buquê tão significativo, acreditando em uma superstição boba sobre agarrá-lo e se casarem. Estou no mesmo lugar. Ainda assim, o buquê passa por todas e cai diretamente em minhas mãos.
Olho para o buquê em meu colo, desnorteada, não podendo acreditar em como o Universo conspira para me juntar a Alfredo. Não quero dançar com Alfredo. Definitivamente, não quero. Meus olhos vão para Henrique, as sobrancelhas juntas, a expressão nada amigável. Penso em dizer alguma coisa, mas ele se desvia e se levanta, dizendo ir buscar mais uma cerveja. Olho para Alfredo, no outro lado do salão, também olhando para mim, quase implorando com meu olhar para ele negar a se dançar comigo. Seus olhos brilham de tensão.
Tiro a atenção dele quando sinto as mãos de Sophie tocando as minhas. Não tenho tempo de protestar, quando percebo, estou sendo arrastada até Alfredo. Eu não sei o que há com essa Sophie. Ela nunca percebeu esse lance entre mim e o recém-marido dela?
— Vou pedir para a banda começar a tocar. Uma música do Scorpions, não é, mon amour? — ela diz, me colocando de frente para Alfredo. Cerro os olhos e inspiro fundo, tentando me controlar. Meus olhos estão baixos e, de repente, vejo a palma dele virada para mim. Levanto o olhar.
— Não temos muita escolha, eu acho. — ele sussurra.
Assinto e seguro sua mão. Sou encaminhada até o centro do salão e sinto a atenção de todos em cima de nós.
Sua mão esquerda contorna minha cintura, e a direita segura na minha mão. Apoio a mão desocupada sobre seus ombros, as primeiras notas de uma música lenta começam a soar pelo salão. Quando olho para Alfredo, ele parece atingido pelos primeiros acordes, como se conhecesse a melodia, como se fizesse algum sentido para ele. Ao cantar das primeiras palavras, em inglês, eu também reconheço, e, nesse momento, a tradução dela parece ter feito para nós.
♪ Às vezes, há um tempo que você precisa dizer adeus
Embora doa você tem que aprender tentar
Eu sei que tenho que lhe deixar ir
Mas eu sei que em qualquer lugar que você vá
Você nunca estará distante
Porque como a luz de uma estrela luminosa
Você continuará brilhando em minha vida
Você está indo
Aqui em meu coração
É onde você estará
Você estará aqui comigo
Aqui em meu coração
Nenhuma distância pode nos manter separados
Já que você está aqui em meu coração
Here in My Heart.
Lembranças me atingem. A vez em seu apartamento, com rock e pizza, Alfredo dizendo preferir Scorpions a AC/DC, então nós colocamos Momento f Glory enquanto apreciamos a pizza e a cerveja... a garota do decote extravagante cantando essa mesma música. Ficamos bêbados e, depois de um banho, nos deitamos juntos. Eu não lhe disse nada à época, mas eu o ouvi se declarar, dizer que me amava, enquanto me apertava mais em seus braços.
Os versos ressoam na voz afinada do vocalista da banda tocando no extremo do salão. Desligo-me do mundo, neste instante só vejo Alfredo. A expressão em sua face me revela como está abalado pela música. Cada verso soando pelo salão o atinge de forma a lembrar de nós. De mim.
Ele me gira debaixo de seus braços, e, quando estou de volta, nossos corpos se colidem delicadamente. A música continua, não consigo desgrudar meus olhos dos dele.
♪ Não tenho nenhuma lágrima caindo dos olhos
Porque quando o amor é verdadeiro
O amor nunca morre
Fica vivo sempre
Tempo não pode levar embora o que nós temos
Eu me lembrarei de nosso tempo juntos
Você pode pensar que nosso tempo está terminado
Mas eu ainda tenho você.
Tenho a impressão de sermos o centro das atenções enquanto dançamos. Desligo-me totalmente de tudo e todos. Meus ouvidos estão aguçados e atentos à letra. Meus olhos estão presos em Alfredo enquanto acompanho seus passos e giramos nossos corpos conforme o ritmo da música Então, ela acaba. Tenho uma esperança boba de que ele ficará enroscado a mim, como foi quando dançamos Still Loving You em seu apartamento. Mas ele não o faz. Afasta-se subitamente, passando a mão pelos cabelos, visivelmente abalado.
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