36_ A vida imita a arte
Faziam alguns minutos que eu estava sentada na cama de um quarto que eu nem sabia de quem era. Talvez fizessem mais que alguns minutos. Talvez fizessem horas.
Eu estava encarando a janela do quarto. O dia já tinha terminado, a noite tomou o céu, assim como a escuridão tomou o meu interior no momento em que Sucri foi levado para dentro daquela ambulância e eu não o vi mais.
Ouvi o som da porta se abrir devagar, mas não olhei. Toda hora essa porta se abria e eu deduzia que alguém olhava como eu estava. Me trouxeram comida, mas só de olhar para o sanduíche, meu estômago se embrulhava.
ㅡ Você... ㅡ A voz femina falhou atrás de mim. ㅡ Precisa de alguma coisa? ㅡ Balancei a cabeça em negativa. Na verdade, eu precisava. Precisava que trouxessem Sucri de volta. Ou que ao menos me dessem notícias dele. Como ele estava? Ainda estava no hospital? Já estava se sentindo bem? Eu não sabia nada! ㅡ Nós... Temos notícias do seu amigo.
Meu corpo praticamente pulou da cama e eu encarei a Arizona. Tisha, a outra mulher que estava com ela quando me tiraram de perto dele, estava parada na porta com um olhar preocupado.
ㅡ Ele está bem? ㅡ Soltei a pergunta, talvez rápida demais, mas percebi que ela entendeu, pois concordou com a cabeça. Meu corpo poderia ter caído no chão com o alívio que o preencheu.
ㅡ Ele saiu do hospital tão rápido que pensaram que ele só estava fingindo. ㅡ Comprimi os lábios entendendo. Médico nenhum conseguiria diagnosticar a doença de sumiço que o Montgomery tem feito com ele.
Tisha se aproximou e mostrou o celular, que estava aberto numa reportagem do jornal.
" Hoje, um jovem de 21 anos foi detido pelas autoridades da polícia rodoviária ao tentar ingressar no país sem os devidos documentos, passaporte ou visto. O indivíduo estava viajando em um trailer e foi encontrado deitado no chão, alegando estar sofrendo intensas dores. Após ser encaminhado ao hospital, os médicos constataram que ele não apresentava nenhuma condição médica e, posteriormente, ele foi conduzido à delegacia. O rapaz permanecerá sob custódia policial até o seu julgamento. "
O homem no jornal relatou como sendo apenas mais uma de suas matérias. Como se Sucri fosse só mais um bandido ou fora da lei que estava tendo o que merecia.
A raiva se prendeu na minha garganta como um bolo. Ele ia ser preso. Ia ser preso! Agora! Já estávamos tão perto!
ㅡ Em outra reportagem, disseram que ele disse à polícia que estava viajando sozinha e que a mala cheia de coisas femininas era da namorada dele. Disse que estava indo visita-la aqui nos Estados Unidos e estava levando todas as coisas que ela tinha deixado no Brasil. Você trouxe os seus documentos e celular? ㅡ Assenti. ㅡ Ótimo. Se Sucri não tivesse inventado isso e você tivesse deixado seus documentos lá, estaríamos ferrados. Eles te achariam rapidinho.
ㅡ Por que estão fazendo isso? ㅡ Minha pergunta fez as duas me olharem.
ㅡ O que?
ㅡ Isso. Se arriscando. Poderiam ter visto vocês me tirando do motorhome e fugindo comigo. Poderia dar tudo errado e eles terem me encontrado. Isso viraria a cabeça de vocês de cabeça pra baixo. ㅡ Encarei as duas esperando uma resposta, mas elas se entre olharam e Arizona suspirou.
ㅡ Sei bem como é ter a vida bagunçada pelo Montgomery. ㅡ Ela disse.
ㅡ E eu fiquei quase trinta anos presa dentro dele, sendo autora de outras pessoas que entravam e esperando o dia que alguém escolheria o amor e eu poderia sair. ㅡ Tisha disse logo depois.
ㅡ Sei como é ver a pessoa que amo a beira da morte e sei também como é ir para outra realidade e pensar que nunca mais o veria. ㅡ Assenti lembrando-me da sua história. ㅡ Tudo isso é muito louco e eu não imagino como foi difícil para você e o Sucri entenderem. Sucri foi tirado da realidade dele pra te buscar e você foi arrancada da sua logo depois de nascer, é muita loucura e muita crueldade. Nós sabemos o quanto é difícil e por isso queremos ajudar. Ainda deve ter alguma alternativa.
ㅡ Como assim?
ㅡ O Montgomery trouxe o Sucri pra te buscar, o que significa que vocês dois só podem voltar se estiverem juntos. ㅡ Tisha explicou.
ㅡ Como ele veio parar aqui? Como se conheceram? ㅡ Arizona perguntou.
ㅡ Eu comprei um caderno numa papelaria no mês passado porque uma professora pediu pra eu começar a escrever uma história, pra me dar criatividade ou coisa parecida. ㅡ Voltei a me sentar na cama.
ㅡ Deixa eu adivinhar. O caderno caiu da estante sozinho e você comprou? ㅡ Arizona perguntou.
ㅡ É. Como sabe?
ㅡ O Montgomery faz isso. ㅡ Ela revirou os olhos.
ㅡ O caderno estava barato e eu comprei. Na cama tinha uma frase sobre amor e sacrifício de vida, algo assim. ㅡ Tisha puxou a cadeira da penteadeira e colocou perto de mim, onde se sentou. Arizona se sentou ao meu lado na cama.
ㅡ " O sacrifício em vida é pago com um amor real. " ㅡ As duas disseram juntas.
ㅡ Isso! O que isso significa?
ㅡ Bem... Montgomery é um livro mágico que testa as pessoas. Ele te dá uma vida perfeita, mas em dado momento coloca o seu amor em risco. Aí você precisa escolher entre sacrificar sua vida perfeita, que geralmente é pedindo para sair do livro, ou deixa o seu amor morrer. No caso, se você escolher sacrificar sua vida, o Mont te paga te dando um amor real. Que nem ele fez com a Arizona, deixando o Mason vir pra realidade dela. ㅡ Minha cabeça estava doendo tanto pelo choro quanto pelas várias informações.
ㅡ E o que isso significaria pra mim? ㅡ Perguntei.
ㅡ Bem, essa frase se aplica para quem está dentro do livro, não sei se se aplica a você. ㅡ Tisha explicou. ㅡ Mas, continue falando sobre como o Sucri veio parar nesse mundo.
ㅡ Eu comecei a escrever a história e me coloquei como personagem. Sucri era o outro. Escrevi um romance que me apeguei a beça e, hum dia ruim, escrevi que ele saía do livro. Lembro que um raio caiu perto da minha casa e acabou a luz. No dia seguinte ele estava no meu quarto. ㅡ As duas me olharam surpresas.
ㅡ Nossa... E o que você fez? ㅡ Arizona pareceu curiosa.
ㅡ Eu bati nele com uma vassoura. ㅡ Tisha riu.
ㅡ Desculpa. ㅡ Ela colocou a mão na frente da boca para abafar a risada. ㅡ Sei que não é hora. ㅡ Ela voltou a ficar séria. ㅡ O que vocês fizeram? Como descobriu que ele era seu personagem e não só um cara maluco invadindo a sua casa?
Expliquei tudo o que aconteceu pra ela e elas pareceram entender. Como se uma coisa dessas acontecesse todo santo dia com elas.
ㅡ Eu queria perguntar uma coisa... ㅡ Cocei a cabeça. ㅡ Como eu posso ter escrito com exatidão tudo o que aconteceu na realidade dele? Sei que não fui eu que inventei, eu só escrevi o que aconteceu lá. E como eu posso ter estado lá com ele?
ㅡ Olha... ㅡ Tisha se ajeitou na cadeira. ㅡ " A vida imita a arte ". É a frase que a Molly usava para explicar isso. Não sabemos como, mas, de alguma forma, as histórias que escritores escrevem aqui, acontece de fato em outras realidades. Não porque o escritor escreveu. Por exemplo, se a Arizona fosse uma escritora e ela fosse pensar numa ideia para escrever um romance agora, ela, de algum jeito, acabaria pensando numa história de amor que realmente aconteceu em alguma realidade paralela.
ㅡ Quando entrei no Montgomery, Molly me disse que alguns personagens de livros que li passaram perto de mim em Nova York e eu nem percebi. ㅡ Arizona disse.
ㅡ Quer dizer que todos os personagens de romance criados aqui, na verdade existem por aí e alguma outra realidade? Que a história deles chega a mente de pessoas daqui de algum jeito mágico? ㅡ Perguntei.
ㅡ Isso. ㅡ Tisha respondeu. ㅡ Um romance aconteceu entre você e Sucri na realidade dele e a história veio como inspiração na sua mente. Agora, como você esteve lá e aqui, eu não sei. Nunca vi o Mont fazer algo assim.
ㅡ Vai ver foi um reflexo. ㅡ Arizona sugeriu.
ㅡ Reflexo? ㅡ Tisha parecia tão confusa quanto eu.
ㅡ É, sei que o Montgomery nunca fez isso, mas o caso da Morgana é diferente. Ele pode ter feito um tipo de reflexo dela aparecer na realidade do Sucri para eles se conhecem.
ㅡ Espera... ㅡ Ergui um dedo. ㅡ Acho que isso explica o Ensino médio. ㅡ As duas me olharam confusas. ㅡ É que quando eu estava no primeiro ano, conheci um cara que estava no terceiro. Foi a minha primeira paixonite. E ele foi super gentil comigo, foi o mais próximo de amigo que tive. Só que... Depois que ele se formou, ele sumiu. Sucri disse que conheceu uma menina no Ensino médio e nós temos as mesmas lembranças. Era ele. Ele estava aqui ao mesmo tempo que eu estive lá na realidade dele. Acho que... Como um reflexo.
ㅡ Uau... O Montgomery só me surpreende. ㅡ Tisha balançou a cabeça.
ㅡ Acho que vocês dois sempre estiveram destinados. ㅡ Arizona sorriu para mim. ㅡ Você gosta dele?
ㅡ Sim. Me apaixonei por ele tão rápido que nem percebi. ㅡ Abaixei a cabeça.
ㅡ O Morgana... ㅡ Tisha se levantou e foi até a penteadeira. Ela abriu uma gaveta e tirou uma caderno de lá. ㅡ O caderno que você comprou é esse?
ㅡ É. ㅡ Concordei quando observei o caderno em sua mão.
ㅡ Que bom. Vi um caderno escrito Montgomery no seu trailer e peguei sem pensar duas vezes. ㅡ Ela voltou a se sentar e folheou o caderno.
ㅡ Esse nome apareceu depois que o Sucri apareceu. A frase que estava aí sumiu. Minha mãe reconheceu esse nome, que foi o único motivo dela ter me dela ter me deixado viajar com o Sucri.
ㅡ Como assim?
ㅡ Ela disse que estava na cesta que fui deixada em sua porta. Dizia que era para ela cuidar de mim até que o Montgomery me encontrasse.
ㅡ Isso quer dizer que alguém saiu da outra realidade com você. ㅡ Tisha se levantou com o dedo no queixo. ㅡ Alguém te deixou na cesta e escreveu o bilhete. Talvez por isso você precise do Sucri pra voltar, porque você não saiu sozinha.
ㅡ E se ela saiu junto com alguém que entrou pra ter um romance? Se alguém pediu pra sair e trouxe ela junto? ㅡ Arizona perguntou.
ㅡ Talvez esse tenha sido o erro do Montgomery. Por isso ele a quer levar de volta com tanta urgência. ㅡ Todas aquelas teorias estavam me deixando cansada.
ㅡ O que vamos fazer? Preciso ver o Sucri. ㅡ Praticamente supliquei.
ㅡ Vamos dar um jeito. ㅡ Tisha disse tentando me passar confiança. Confiança essa que não me passou tanta fé.
•••
Continua...
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