04_ Ele se tornou real
A aula terminou e eu guardei o caderno sem ter prestado atenção em praticamente nada da matéria daquele dia. O incrível era que eu nem me sentia culpada, sabia que iria mal nas provas mesmo se sentasse na frente e prestasse atenção em tudo.
Por que eu to fazendo isso comigo? Vale a pena? Eu nem gosto de moda...
ㅡ Ali ela! ㅡ Ergui meu olhar quando ouvi alguém na porta. ㅡ Bora, Morgana! ㅡ Lina acenou para mim. Junto dela estava mais duas pessoas, um cara e uma garota. Ela era amiga da minha mãe, era um ano mais velha que eu e tinha a vida super agitada, como minha mãe. Apontei para mim mesma, estranhando que ela estivesse falando comigo. ㅡ É, vamos. ㅡ Ela sorriu, como se tivesse uma baita intimidade comigo e me esperasse depois da aula todos os dias.
Terminei de guardar o meu material e saí da sala de aula. Ainda estava de dia lá fora, mas o tempo parecia estar ficando nublado. Provavelmente choveria.
ㅡ Nós vamos lanchar e vamos pra casa da sua mãe. Marcamos de jantar lá hoje. ㅡ Lina começou a explicar enquanto saíamos do curso. ㅡ Aí aproveitamos pra pegar você logo. Ta com fome?
ㅡ Sempre. ㅡ Ele riram da minha resposta e nós seguimos pela praça, até a barraca de cachorro quente. Eu ainda estava achando estranho, porque eles nunca pararam pra falar comigo, mas de repente estavam andando comigo como se fossemos amigos.
ㅡ Eu não sabia que você fazia moda, quer seguir a carreira da sua mãe? ㅡ Lina perguntou quando nos sentamos num dos bancos do parque.
ㅡ É, eu entrei pro curso de verão para ver se eu iria gostar. Ia ser legal poder ser... Como a minha mãe. ㅡ Mordi o cachorro quente.
ㅡ A sua mãe é demais. ㅡ O garoto comentou. ㅡ Eu amo as roupas dela. Todo meu salário é gasto na loja dela.
ㅡ Ele é uma maníaco por roupas. ㅡ Lina riu.
ㅡ Mas, espera, sua mãe tem o que? Trinta anos? Como ela pode ter uma filha de dezenove? ㅡ A outra garota perguntou parecendo confusa.
ㅡ Ela não é minha mãe. Fui deixada na casa dela quando ainda era pequena. A mãe dela cuidou de mim, mas faleceu quando a Ludmila fez 18 anos. Eu tinha cinco na época e acostumei a chama-la de mãe. Ela é uma mãe/irmã mais velha. ㅡ Expliquei.
ㅡ E o que aconteceu com os seus pais? ㅡ O garoto perguntou.
ㅡ Eu não sei, nunca tive nenhum sinal deles. ㅡ Mordi o cachorro quente mais uma vez.
ㅡ Bem, o que você gosta de fazer? ㅡ Lina voltou a puxar assunto.
ㅡ Ah... Livros, músicas, fotos. ㅡ Falei as únicas coisas que me vieram a mente.
ㅡ Gosta de festas? É o que a gente mais faz. Se tem festa, a gente ta dentro. Seja em casa, na piscina, na praia, com tema, sem tema... ㅡ O garoto explicou. ㅡ A gente gosta de rotinas agitadas. Aonde tiver bagunça, a gente tá.
ㅡ Acho que eu nunca fui numa festa, só de aniversário. ㅡ Ri. ㅡ Eu não era tão popular na época da escola, então as pessoas não me convidavam para muitas coisas.
ㅡ Ah... Bem, quando tiver alguma, a gente te chama. ㅡ Lina sorriu. ㅡ E não precisa se preocupar, não somos do tipo que fazemos besteira, tipo se embebedar ou usar drogas. Só gostamos da bagunça mesmo.
ㅡ Você disse que gosta de fotos? Tipo... Tirar fotos? ㅡ A outra menina perguntou.
ㅡ É, eu tenho uma... ㅡ Abri a minha mochila e puxei a câmera. ㅡ Câmera. Gosto de registrar as coisas.
ㅡ Ai, tira uma foto nossa! ㅡ Eles se juntaram no banco. Me levantei e me afastei um pouco para fotografa-los. Assim que tirei a foto, o garoto se levantou.
ㅡ Agora vai lá pra eu tirar de vocês. ㅡ Ele pegou a câmera com cuidado da minha mão e eu fui até o banco. As meninas deram espaço para que eu me sentasse no meio e eu sorri com isso. ㅡ Meu Deus, se eu derrubar isso aqui, vou ter que vender meu rim pra comprar outro. ㅡ Ele disse nos fazendo rir.
Assim que ele tirou a foto, se aproximou e a mostrou para nós. Eu sorri novamente quando a vi. Talvez fosse a minha primeira foto com amigas, sem ser quando era criança.
ㅡ Por que a gente não vai indo? Acho que vai chover. ㅡ Lina comentou olhando para o céu. Realmente, o tempo estava escuro como se estivesse prestes a anoitecer.
Todos concordamos e fomos para a minha casa. Quando chegamos, não deu nem um minuto e começou a chover lá fora.
ㅡ Caramba... ㅡ O garoto olhou pela janela. ㅡ Sua feiticeira. ㅡ Disse olhando para Lina.
ㅡ Estava na cara que ia chover. ㅡ Lina balançou a cabeça.
ㅡ Mãe? ㅡ Fui até a cozinha, mas ela não estava. Fui até seu quarto, mas nada. ㅡ Acho que ela ainda não chegou. ㅡ Voltei à sala.
ㅡ Tudo bem. ㅡ Lina assentiu.
ㅡ Aonde é o seu quarto? ㅡ O garoto perguntou e eu apontei para a porta do meu quarto, que estava aberta.
ㅡ Olha, você tem uma parede de fotos! ㅡ A outra menina entrou no meu quarto e eu fui atrás dela. Logo Lina e o rapaz vieram também. ㅡ Isso é tão época tumblr, 2016... ㅡ Ela sorriu.
ㅡ Eu sei. ㅡ Ri me sentando na cama enquanto eles olhavam os poucos detalhes que tinha no meu quarto. ㅡ Gosto de pendurar registros de momentos especiais pra mim.
ㅡ Esse aqui foi o que? ㅡ Ela apontou para uma das fotos e eu me aproximei para ver. Era a foto de um pôr do sol.
ㅡ Meu aniversário de quinze anos. A Lud me levou pra fazer um piquenique num mirante. Tirei essa foto quando lembrei que tinha levado a câmera. Gosto de momentos que me fazem esquecer de registrar de tão bom que são. ㅡ Sorri observando a foto.
ㅡ Hm... Pelo visto você é uma garota romântica. ㅡ O rapaz disse indicando os poucos livros que eu tinha.
ㅡ Hm... Tem namorado? ㅡ A menina perguntou.
ㅡ Namorado? ㅡ Ri voltando a me sentar na cama. ㅡ Eu mal tenho vida social. Imagina namorado.
ㅡ E é por que não quer? ㅡ Lina perguntou.
ㅡ Não, eu gostaria de ter uma vida social. Acho que as pessoas só não gostam de mim mesmo. ㅡ Dei com os ombros.
ㅡ Ah, deixa disso! ㅡ O garoto balançou a cabeça. ㅡ Você é bonita, tem uma mãe legal, é gentil, só não sai muito. Não tem nada de errado com você.
A chuva lá fora ficou mais forte no instante em que ouvimos a porta da sala ser aberta.
ㅡ Morgana? ㅡ Eles saíram do meu quarto na hora que ouviram a voz da Lud. ㅡ Meu Deus, eu peguei muita chuva.
ㅡ Até que enfim chegou... ㅡ Eles começaram a conversar com ela, mas eu parei de prestar atenção. Estava ocupada demais olhando para a chuva que batia na minha janela com um sorriso estupidamente bobo no rosto.
Aquele dia estava sendo estranhamente bom! A começar pelo meu clima favorito: chuva. A Morgana do livro que eu escrevia gostava de verão e sol, eu gostava de chuva e frio.
E... Eu tinha amigos? Eu realmente tinha amigos agora?
Peguei a minha câmera de novo e olhei as fotos que tiramos no parque. Sorri novamente.
ㅡ Morgana? ㅡ Minha mãe apareceu na porta. ㅡ Vou fazer o jantar. Quer me ajudar?
ㅡ Me dá só uns minutos. Eu já vou. ㅡ Ela concordou e eu peguei o caderno na minha mochila. Me sentei na escrivaninha e comecei a escrever.
" Décimo quarto capitulo
É impressionante como uma câmera e um crachá te dão acesso a coisas e lugares que você nem imagina. Pude ir atrás do palco, do lado do palco, camarote e até pude ficar na frente do palco, a frente a área de proteção, onde só tinham seguranças e outros fotógrafos. Teve até uma moça que veio me trazer água.
Eu me esforcei para tirar as melhores fotos que pude. Mesmo que eu não fosse receber por aquilo, e mesmo que minhas fotos não fossem postadas, como as dos outros fotógrafos que estavam ali, a minha seria vista pelo Sucri. Ele queria vê-las e por isso eu fiz o meu máximo.
Até que chegou a hora da última música. Eu amava aquela música. A letra era linda, as vozes do Sucri com a Dafine ficavam perfeitas, não tinha um defeito sequer. O problema era que meu coração estava acelerado. Eu estava nervosa.
Sucri disse que olharia para a pessoa que ele gostava quando cantasse o verso que ele canta sozinho e eu, certamente, não estava preparada para vê-lo olhando para outra pessoa.
A música seguiu, eu fotografei, como fiz com todas as outras, mas as fotos não ficaram boas porque eu não conseguia parar de tremer.
Foi quando chegou a parte que ele cantaria sozinho. Eu abaixei a câmera e o encarei. Meu coração parecia que ia explodir de tanta ansiedade.
Sucri cantou. Cantou e olhou... Pra mim.
O olhar apaixonado que ele costumava dar a Dafine enquanto cantava aquele verso foi destinado a mim e eu não soube como reagir.
Prendi a respiração e o encarei até o final da música. Ele sorriu, agradeceu às pessoas e saiu do palco junto da banda. Só aí eu pude respirar. Só aí a fixa caiu. Ele gostava de mim. Ele estava apaixonado por mim.
Deixei a câmera pendurada no pescoço e me apressei, passando por entre as pessoas. Procurei a entrada para o camarim, mas estava lotada de gente, eu nunca conseguiria passar.
Comecei a olhar de um lado para o outro tentando achar uma brecha para que eu pudesse passar. Outra banda começou a tocar no palco e isso deixou as pessoas eufóricas, todos começaram a pular no ritmo da música agitada.
Olhei novamente de um lado para o outro, até que o vi. Ele estava passando por entre as pessoas quando seus olhos focaram em mim e ele sorriu.
Corremos na direção um do outro e... "
ㅡ Como assim? Por que está falando coisas assim? Você não pode entrar na minha casa e falar da minha filha desse jeito. ㅡ Ouvi uma tentativa falha da minha mãe sussurrar.
Fechei o caderno e saí do meu quarto sem fazer barulho. Me aproximei da porta do quarto dela e parei num ângulo que eles não podiam me ver.
ㅡ Ela nem é sua filha, Ludmila. Para com isso. ㅡ O garoto disse.
ㅡ É, Lud. Eu sei que você pediu pra gente tentar ser amigos dela, mas ela é muito chata e sem sal. Não tem assunto e nem papo. Tentamos ser gentis, mas entendemos porque ela não tem amigos. ㅡ Lina disse aquelas palavras que soaram mais como facas perfurando o meu coração.
ㅡ Eu a contrataria como fotografa, mas jamais iria querer como amiga. Nunca vi alguém tão sem graça antes. ㅡ A outra garota disse.
ㅡ Ok... ㅡ Ludmila voltou a falar. ㅡ Saiam da minha casa.
ㅡ Ah, qual é, Lud? É sério mesmo? Ela é só uma órfã! Você nem sabe da onde essa garota veio!
ㅡ Saiam da minha casa agora! A Morgana é minha filha e ninguém que a ofenda vai pisar nessa casa. Vão! Agora! ㅡ Ela gritou, sem medo que eu escutasse. Ou talvez estivesse com raiva demais para pensar nisso.
Quando ouvi barulhos, corri de volta para o meu quarto e fechei a porta. Limpei as lágrimas que estavam escorrendo em meu rosto, mas não adiantou nada, pois outras escorreram molhando ainda mais o meu rosto.
Meu coração estava destruído.
Eu realmente tinha algo de errado? Eu era chata? Sem graça? Sem sal? São tão insuportável que eles não conseguiriam nem fingir que eram meus amigos por mais de um dia?
As lágrimas embaçavam meus olhos. Meu choro era alto, mas a chuva lá fora era ainda mais. Eu quis jogar tudo no chão, como nos filmes, mas era tudo caro demais para eu fazer isso.
Me joguei na minha cama e encarei o teto. Toquei o meu peito sentindo o meu coração bater. Por que as coisas tinham que ser assim? Eu sempre me sentiria deslocada? Sempre seria uma peça sobrando?
Olhei para o lado e vi o caderno da história. Puxei-o para mim e chorei ainda mais.
Queria que as coisas funcionassem para mim como funcionam para a Morgana do livro. Queria que alguém se apaixonasse por mim. Queria não ser uma solitária considerada estranha por ser eu mesma.
Me levantei, me sentei na escrivaninha e puxei a caneta novamente. Encarei a noite chuvosa lá fora e apertei os olhos para as lágrimas que estavam em meus olhos caíssem logo. Elas caíram no papel pouco antes de eu escrever:
" E aí... O Sucri saiu das páginas do livro e se tornou real. "
•••
Continua...
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