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O cervo e o Leão


     Dois passos para frente.

— Sim, Senhor Gonçalves, eu sacrifiquei os porcos antes que a peste espalhasse para os outros animais. — Limpa as mãos no tecido do vestido. — Sinto muito que não tenhamos carne pelos próximos meses. A colheita também está lenta, deveríamos vender uma das vacas leiteiras para...

— Mais emoção — pede o homem sentado na frente do palco.

Respiro fundo, limpo a garganta.

— A colheita também está lenta. — Dois passos até o Senhor Gonçalves, meu colega Lucas que é novo demais para interpretar um velho do século XVIII. — Deveríamos vender uma das vacas leiteiras para trocar as moedas em trigo para o pão.

— Parece que não vão morrer de fome se não fizerem isso — diz o homem frente ao palco, e se coloca de pé. — Obrigada pela demonstração, já foi o suficiente.

Ele está me olhando quando fala isso. Meus ombros caem, engulo a emoção de derrota. Nem gosto dessa peça, só estou tentando o papel porque preciso de mais horas no currículo fora do teatro da escola. Vou andando para a parte detrás do palco, ignorando os chamados de Lucas, e pego minha bolsa ao lado do closet antes de entrar no vestuário feminino e começar a tirar esse tecido piniquento e sem qualidade.

As luzes aqui são baixas, só são boas perto dos espelhos e só existe um deles. Encaro meu corpo inteiro nele. Os ossos das minhas costelas estão mais vistosos. Emagreci 8 quilos nos últimos 3 meses, um recorde lastimável para quem já estava abaixo do ideal.

Pego meu celular na lateral da bolsa antes de começar a deixar o prédio do grupo de teatro. São 18h12, acendo um cigarro e caminho desviando dos buracos. Nicotina para conseguir respirar, parece ironia.

A foto de perfil dele sumiu. Eu não deveria ter ligado tantas vezes seguidas, mas foi inevitável. Hoje, mais do que em todos os outros dias desde que terminamos, precisava que Carlos me atendesse, mas não só me ignorou como também me bloqueou. Não consigo ficar irritada. Eu o ignorei por meses, fugi dele como um cervo foge de um leão. Não consigo ficar tão frustrada como poderia. Tudo já está tão deteriorado em minha vida, como um corpo em decomposição, que me faltam forças para sentir alguma coisa.

E, quando lembro do meu relacionamento com Carlos, também me vêm as lembranças de que precisava fugir. Desde que começamos a namorar, minha mente nunca teve descanso.

Primeiro porque Carlos era o escolhido de metade das garotas da escola e isso colocava em mim uma seta vermelha e piscante escrito "Vadia". Foi como roubar o doce de dezenas de crianças. Ele nunca notou isso.

Segundo porque a família dele nunca gostou de mim. Por eu ser mais nova, por sonhar em ser atriz ou por apenas existir? Eu não sei. Sei que não gostavam, toleravam. Ele nunca se importou em me defender.

Terceiro porque ele era admirável. Não que eu não fosse, mas era comparada a ele todos os segundos, na sua frente ou não. O Carlos, aquele que coleciona olimpíadas de química. O Carlos, aquele vai fazer faculdade fora. O Carlos, que tem a garota que quiser na palma da mão. O Carlos, que colocou um quadro na parede do prefeito. Ele era o maior, sem espaços para uma namorada à sua altura. Carlos ocupava todos os pódios.

Eu suportei tudo até 2016. Ano passado ele foi embora. Não me perguntou sobre como eu me sentia com isso, talvez porque para ele não importava. Eu queria que ele fosse para Londres, que conquistasse todos os sonhos e pódios maiores, mas queria também que ele tivesse me perguntado. Que tivesse se importado. Mas ele só foi. Voou feito borboleta, abandonou o casulo e tudo que o rodeava também. Inclusive eu.

— Duplo, obrigada — sussurro para a moça da cafeteria dentro do cursinho para o vestibular. Ela mostra seus dentes de coelho e depois vai preparar meu café. — Já teve a aula do Mauro, não é? — pergunto para Igor quando ele se senta do meu lado.

— Geometria Analítica, foi importante — ele me responde, pedindo um cappuccino logo depois.

Igor cortou o cabelo e raspou as laterais. Se não fosse pela jaqueta marrom e o cheiro de tabaco, até esqueceria que ele é um idiota. Um idiota que gosto de ter por perto.

— Conseguiu falar com ele? — pergunta. Eu olho o meu café enquanto nego com a cabeça. — Deve estar muito ocupado, sabe...

— Ele me bloqueou. — Encaro Igor, seus olhos castanhos crescem um pouco e logo o seu rosto relaxo. — O quê?

— Vou falar com ele.

— Em qual universo o Carlos te responde?

— Nesse? Não esquece que já fomos melhores amigos. Ele sabe muito bem que aquela história com seus peitos foi um puta mal entendido, mesmo que todos daquela escola ficassem revivendo como se fosse verdade. Você mesma contou pra ele, lembra?

— Eu disse que você não queria que eu tivesse escutado, não que não falou sobre os meus peitos. Idiota.

— Sem essa, Tha, você sabe que eu só queria bancar o comedor. Eu tinha 15 anos, pelo amor de Deus. E ele me deu um soco por isso, sendo que nem te conhecia, estamos mais do que desculpados. Com ele longe, você sabe, essas brigas de quando a gente tinha 15 anos acaba sendo menos importante.

— Agora você tem quase 20 e não mudou quase nada. — Estamos nos encarando, ele cerra os olhos. — Tô brincando! Qual é? — Igor ri e bebe um gole do seu cappuccino.

Nós dois ficamos mais próximos esse ano, por causa do cursinho que fazemos juntos. Igor é um ano mais velho que eu, mesmo que geralmente finja que já é bem mais velho, e gosto de como nos ajudamos. Ele porque precisa tirar o atraso de 4 anos no ensino médio e passar no vestibular e eu porque não fazia ideia de como a vida de atriz poderia ser difícil. Não importava quantos papéis principais eu havia pegado nos meus anos na escola se não conseguia passar em nenhum teste fora de lá. Sou uma atriz ruim e nunca me contaram.

— Vai falar com ele? — pergunto.

— Vou. O que quer que eu fale? — Eu suspiro. Não sei muito bem por onde começar. — Que você quer falar com ele?

— Não... Ele já sabe disso. Ele não quer falar comigo. — Giro a xícara de forma repetitiva, como se precisasse que esfriasse mais. — Acha justo?

— O que, exatamente?

— Eu querer que ele me responda agora depois de ignorar as mensagens dele por meses — sussurro, Igor dá os ombros. — Acha ou não acha? Sinceridade, por favor.

— Não, não acho justo — responde, eu fecho os olhos. — Só que seu pai ainda tava vivo há alguns meses, Thais. — Solto a respiração e finalizo o meu café. — Acho que é injusto querer que ele te responda, mas não acho que é injusto precisar dele agora. Qualquer um ia precisar, sabe disso, não é?

Minha respiração treme. Sinto as lágrimas no fundo dos olhos querendo vir para frente. A mão de Igor pousa meus ombros e depois o corpo dele se aproxima para que sua mão alcance o ombro oposto e ele me aperte como um pacote de entrega do IFOOD.

— Esse é um péssimo ano pra viver minha vida — confesso, limpando uma das lágrimas.

— Foda-se? — Ele suspira. — Você é a Thais. Não tem nada que você não consiga. Se quer falar com o Carlos, vai falar com ele.

— Como tem tanta certeza?

— Porque ele está vindo pro Brasil em menos de uma semana. Você vai falar com ele.

Fico de pé, pago o café e chamo Igor para a sala de aula. Esse pode até ser pior ano da minha vida, mas Igor tem razão. Eu consigo. Esse vai ser o primeiro e o último com tantos fracassos.

***

O uber me deixa na porta de casa perto das 23h30. O prédio é o mesmo desde que nos mudamos para cá, quando tinha 10 anos, e o porteiro também. Apesar das cores e padrões tão familiares, esse lugar parece muito diferente daquele que um dia foi a minha casa. Desde o enterro, duas semanas atrás, o hall parece mais sem graça e não importa a quantidade de flores artificiais que usem para enfeitar. O elevador é mais silencioso e a porta do apartamento parece dar entrada a um lugar vazio. O meu pai morreu e com ele se foi o espírito de lar que existia aqui. É apenas uma casa, bem mobiliada e muito branca, fria e mal iluminada. A luz da sala queimou dois dias atrás e não troquei, não uso mais esse cômodo. Só uso o meu quarto e a cozinha, quase nunca. Gosto de ficar fora o máximo de tempo possível.

Meus avós me chamaram para morar com eles, mas não fui. Toda a minha família é de Indaiatuba e meu futuro como atriz está na capital de São Paulo, eu sei. Mas então não apenas me sinto sozinha como realmente estou. Éramos só eu e meu pai e agora sou só eu.

— Acho que não vou passar no teste — sussurro sozinha, mas não falo comigo.

Eu finjo que ele está no quarto. Nós conversávamos assim às vezes, quando eu estava jantando e ele cansado demais do dia no escritório para se levantar da cama.

— O tempo passou rápido, não notei. Não me preparei o suficiente. — Aperto as mãos suadas. — Acho que preciso focar em ir morar fora, como você diz que era melhor, fazer uma faculdade e ter o teatro como hobby. Mais inteligente. Eu já sei que você concorda.

Peguei uma caixa de morango na geladeira e agora estou sentada na mesa. Não acendi nenhuma luz e moro em um andar alto demais para ter a iluminação da rua. Estou me escondendo no breu.

— Boa noite, pai — digo, me levantando e deixando a embalagem lá. Só comi dois morangos, não sinto fome.

Não gosto de tomar banho à noite, por isso só me jogo na cama.

Isso me faz lembrar dele de novo. Parece que as coisas doem mais quando você está em silêncio e sozinha. Carlos me bloqueando não tinha pesado tanto quanto agora. Engulo o que há entalado em minha garganta. Não quero chorar, não posso mais chorar, já é hora de seguir em frente. Eu não posso exigir que ele me dê conforto só porque tudo na minha vida está escorrendo pelo ralo, não temos mais nada. Ele seguiu em frente, depois de tantos meses, e não é certo querer puxá-lo de volta. Infelizmente, algo não ser certo não diminui minha vontade de mandar mensagens por alguma outra rede social.

Não sabemos mais da vida um do outro fora do Instagram e ele já nem vê mais meus stories. Não sabe que meu pai morreu, com certeza. Foi tudo tão íntimo, quase ninguém foi avisado. Meu pai sempre teve poucos amigos e eu menos que ele.

A luz forte do celular no meu rosto me incomoda, por isso resolvo abaixar o brilho antes de continuar meu percurso pelo perfil do Instagram de Carlos. Ele gosta de filtros marrons e existem mais fotos dele com amigos do que sozinho. A última foi postada em outubro do ano passado. Nossas fotos ainda estão aqui também.

A primeira, tirada por Sophia na escola. Foi no dia que ele me pediu em namoro, mesmo que quase ninguém saiba disso. 15 de setembro de 2014, quando eu estava na primeira série e ele na segunda. Carlos sempre foi muito mais alto que e por isso essa foto comigo em cima de 5 livros didáticos para ficarmos do mesmo tamanho veio parar aqui. A outra foi em janeiro, quando viajei com a família dele pela primeira vez. Fomos para Alagoas e meu rosto estava totalmente vermelho por insolação. A foto é na praia e Carlos estava com os olhos quase fechados de tanta iluminação. Foi a mãe dele que bateu essa. Em julho de 2015 ele me comprou um buquê de rosas imenso e me deu o meu perfume favorito. Foi quando ele me disse que ia tentar fazer faculdade em Londres, e me lembro quanta tristeza eu guardava atrás daquele sorriso. Essa outra é de quando eu fui com ele até o aeroporto, ele viajou para sua Universidade logo depois do ano novo de 2016. Carlos precisaria fazer 6 meses de inglês antes de começar suas aulas de fato, em setembro, e meu rosto estava inchado de chorar. O dele também. Nesse dia, quando cheguei em casa, meu pai me disse que esse namoro não ia para frente e que namorar de longe não funciona por tanto tempo.

Ele postou foto do desenho que fez de mim em fevereiro de 2016 e desde esse momento deixei de existir nas próximas 15 fotos no feed.

Eu tirei as nossas fotos do meu perfil. Desde aquela que ele tirou comigo depois da peça onde fui a Dona Flor, em 2015, até meu texto enorme de despedida desejando toda a felicidade do mundo para ele em Londres, em 2016. Eu tentei apagar ele da minha vida, fingir que nunca existiu. Dói menos perder algo se você se convence de que não foi culpa sua, mas eu sei que foi. No fundo, eu sei que foi culpa minha.

Quando fui à casa dele, quase um ano atrás, e ele me contou aquilo, eu surtei. Não foi algo básico para mim, como parecia ser para ele. Antes eu tinha medo dele me trocar um uma garota britânica e naquele instante ele extrapolou o meu medo para qualquer pessoa que chegasse perto. Carlos acendeu em mim o pânico que senti quando minha mãe foi embora com o amante dela quando eu tinha 10 anos e todos o medo de ser trocada, como fui em todos os meus relacionamentos desde que me entendo por gente.

Carlos não foi atrás de mim quando sai. Ele me deixou no medo, assustada e sozinha. Foi como todos os outros, eu não podia correr o risco de ser deixada de novo. Então eu o deixei. Não olhei para trás, corri o mais rápido que pude. Nunca mais voltei.

Só que agora, vendo de fora, entendo que preferia que ele tivesse me deixado. Não aguento que seja minha a culpa do nosso fracasso. Porque sinto tanta falta.

É sempre nele que penso quando estou feliz demais ou triste demais. É para ele que quero contar tudo o que acontece no meu dia e é sobre a vida dele que me interessa saber.

Meu pai esteve desde o meu término me falando o quanto eu estava certa em largar o osso que estava em Londres, mas agora me resta o vazio. Meu pai partiu e com isso nasceu essa dor horrível que me faz ter vontade de falar com Carlos. Só ele, ninguém mais me serve. É tarde, mas eu tenho certeza de que Carlos é o único osso que eu gostaria de segurar o mais forte que posso.

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