41. infantil e inocente.
Nicholas entrou no quarto do hospital, o cheiro de antisséptico e a luz fria das lâmpadas intensificando a atmosfera pesada. Warren estava deitado na cama, sua figura magra e frágil coberta por um lençol branco, que parecia quase transparente à luz do dia. O olhar de Nicholas encontrou o de Warren, e por um instante, o tempo pareceu suspenso, Warren estava alucinando por conta das quantidades de remédios, ele já não era mais o mesmo desde as últimas vezes.
A expressão de Warren mudou instantaneamente. Um sorriso iluminou seu rosto cansado, como se o sol tivesse rompido através das nuvens escuras. —— Brandon! Meu filho! —— exclamou ele, a voz cheia de um entusiasmo que não se via há dias. Nicholas sentiu um aperto no peito, mas respondeu com um sorriso suave, permitindo que Warren o visse como o filho que ele tanto desejava.
—– Oi, pai. Estou aqui —— respondeu Nicholas, aproximando-se da cama. A proximidade lhe trazia uma mistura de conforto e dor. Warren parecia tão feliz, tão alheio à gravidade de sua condição, que Nicholas decidiu não quebrar aquele momento.
—— Você veio me visitar! A sua mãe vai ficar tão feliz! —— disse Warren, seu olhar brilhando de alegria e esperança. —— Ela sempre disse que você era o melhor filho que um homem poderia ter. Lembro-me de quando você aprendeu a andar...
Nicholas sentou-se na beirada da cama, escutando aquelas lembranças com um coração pesado. Ele sabia que a realidade era muito diferente, mas deixava Warren sonhar. —— Sim, pai, eu me lembro...
—— Você se lembra daquele dia no parque? Nós brincamos até a noite, e você correu até se cansar, e sua mãe... ah, sua mãe! Ela estava tão linda. —— Warren suspirou, um misto de nostalgia e tristeza atravessando seu olhar. —— Ela sempre soube como fazer você sorrir. Eu sinto falta dela.
Nicholas engoliu em seco, a emoção lhe apertando a garganta. —— Eu também sinto, pai.
Warren olhou para Nicholas com um misto de carinho e confusão, os olhos se perdendo em uma névoa de alucinações. —— Você é tudo o que eu tenho. Não me deixe, Brandon. Prometa que não vai me deixar.
—— Eu nunca vou te deixar, pai. Estou aqui para você —— Nicholas forçou um sorriso, mesmo sabendo que a realidade era um labirinto de dor e sofrimento.
A conversa continuou, repleta de memórias e promessas que ecoavam no ar, enquanto Nicholas permanecia ali, ouvindo e confortando Warren. Cada palavra que saía da boca de Warren era uma lembrança do que uma vez fora, do homem que havia amado e perdido, e Nicholas se perguntava até onde iria para proteger aquele momento efêmero de felicidade que lhe era oferecido, mesmo que baseado em ilusões.
Nicholas ficou ao lado de Warren até o último lampejo de consciência se apagar. O quarto, agora envolto em uma penumbra suave, era preenchido apenas pelo som rítmico da respiração do paciente e pelos alarmes discretos dos equipamentos médicos. A luz suave da mesa ao lado da cama projetava sombras dançantes nas paredes, criando um ambiente de serenidade trágica.
Warren, seus olhos pesados e sonolentos, finalmente se virou para Nicholas, um sorriso fraco rompendo o semblante cansado. —— Boa noite, Brandon —— disse ele, sua voz baixa, mas carregada de carinho.
Nicholas sentiu um golpe na alma ao ouvir o nome que não era seu. Ele hesitou por um momento, seu coração apertado pela confusão e pela necessidade de permanecer presente na vida de Warren, mesmo que por um breve instante. —— Na verdade, é Nicholas —— ele corrigiu suavemente, quase como um sussurro.
Warren sorriu, os olhos já começando a fechar. —— Meu filho, Nicholas —— ele murmurou, como se reconhecesse a verdade por trás do nome que havia escolhido para aquele momento.
—— Boa noite, pai —— Nicholas respondeu, a voz embargada, enquanto um aperto no peito se intensificava. Ele observou Warren fechar os olhos, um profundo relaxamento tomando conta de seu corpo. Em instantes, o quarto foi preenchido pelo som suave e constante da respiração de Warren, que finalmente cedeu ao sono.
Nicholas ficou ali, imóvel, segurando a mão de Warren com delicadeza. Ele não sabia quanto tempo ainda teria ao lado daquele homem que considerava uma figura paterna, mas enquanto a noite se estendia, ele decidiu que faria o possível para estar presente.
(...)
Amélia estava sentada na grande cadeira de couro negro do escritório, sua postura ereta e confiante, como se fosse a verdadeira dona de tudo aquilo. O ambiente, normalmente dominado pela figura autoritária de Marvim, parecia diferente sob sua presença. O brilho determinado em seus olhos e o leve sorriso nos lábios a tornavam uma imagem de poder e rebeldia.
O escritório, com suas paredes forradas de livros e prateleiras repletas de troféus e fotos que testemunhavam a trajetória da família Harriman, era agora um cenário de transformação. Amélia olhou pela janela, observando o mundo exterior com uma nova perspectiva, enquanto seu coração pulsava de expectativa.
Foi então que Marvim entrou na sala, seu semblante confuso e irritado. Ele parou na porta, observando a cena com desdém. —— O que é isso? —— ele perguntou, a voz carregada de incredulidade, olhando para a filha que parecia tão à vontade em sua nova posição.
Amélia virou-se lentamente para encará-lo, mantendo o sorriso desafiador. —— Já fiz as malas, pai —— disse ela, sua voz firme, mas suave. —— Coloquei um lindo vestido branco na mala.
Marvim franziu a testa, uma mistura de preocupação e raiva. —— E para que você precisa de um vestido assim? —— ele indagou, tentando entender a ousadia da filha.
—— Porque escolhi o melhor vestido para casar com Nicholas —— Amélia respondeu, a certeza em suas palavras iluminando o ambiente e desafiando a autoridade do pai.
A expressão de Marvim se transformou em fúria ao ouvir o nome de Nicholas. —— Você nunca mais repetirá esse nome nesta casa! —— ele gritou, a voz ecoando pelas paredes do escritório, reverberando seu autoritarismo. O ódio nos seus olhos era palpável, como se estivesse pronto para atacar qualquer tentativa de rebelião.
Amélia, no entanto, permaneceu calma, uma determinação ardente em seu interior. —— Você tem razão, pai —— ela respondeu, seu tom desafiador ressoando no silêncio tenso. —— Mas em breve, não estarei mais aqui. —— Ela sentiu a adrenalina correr em suas veias, como se as palavras que proferia a tornassem mais forte a cada instante.
—— Você nunca vai embora —— Marvim retrucou, desdenhando a ideia de que sua filha pudesse realmente se livrar de seu controle. Havia uma certeza em sua voz que parecia desmentir a coragem de Amélia.
Mas então, em um movimento decidido, ela retirou um pequeno pendrive do bolso da jaqueta. —— Na verdade, eu posso —— disse, mostrando-o como uma carta de vitória. —— Isso contém tudo que sei sobre as imobiliárias, sobre seus negócios, sobre a corrupção e os segredos que você esconde.
Marvim olhou para ela, a raiva se misturando com uma ponta de surpresa. —— O que você acha que está fazendo? —— ele exigiu, a voz mais baixa agora, mas carregada de uma ameaça velada.
Marvim, percebendo a gravidade da situação, percebeu que a determinação da filha não era uma mera rebeldia infantil, mas um desafio real ao seu poder. E, pela primeira vez, ele sentiu o peso do que estava prestes a perder.
Amélia respirou fundo, sentindo que aquele momento havia chegado. —— Estou livre, pai —— declarou com firmeza, sua voz ressoando como um eco de determinação. —— Não importa o quanto você tente me controlar, você nunca poderá me pegar novamente. —— Ela se sentia leve, como se um peso tivesse sido tirado de seus ombros, e a sensação de liberdade era quase intoxicante.
Marvim a observou, perplexo. Ele nunca tinha visto a filha tão resoluta, tão decidida a se libertar de suas garras. —— O que você quer dizer com isso? —— ele indagou, um misto de raiva e confusão cruzando seu rosto.
Amélia manteve o olhar firme. —— Estou propondo um acordo —— disse, aproximando-se lentamente, como se o espaço entre eles estivesse carregado de uma tensão elétrica. —— Eu vou embora, e em troca, a imprensa nunca vai saber que eu tenho tudo isso —— ela levantou o pendrive, —— Nunca vão saber que você é apenas um corrupto que trai seus próprios aliados de negócio.
O desafio em suas palavras fez Marvim estremecer. Ele sabia que a reputação era tudo para um homem como ele, e a ideia de que suas falhas pudessem ser expostas o deixava inquieto.
—— Se você realmente se importa com essa família e seu legado, vai me deixar ir. E, a partir de agora, nossas vidas seguirão caminhos separados. Você terá a chance de continuar como se nada tivesse acontecido.
O silêncio pairou no ar entre eles, enquanto Marvim ponderava sobre as implicações da oferta de Amélia. Finalmente, ele disse, com um tom mais calmo, —— Você acha que pode simplesmente se livrar de mim?
Amélia deu um passo à frente, desafiando-o. —— Eu já me livrei de você, pai. Essa é a minha vida, e não permitirei que você a destrua mais.
Marvim a encarou, seu orgulho ferido e sua mente corrida com possibilidades, mas a verdade estava lá: a determinação de Amélia era inabalável. Ele sabia que não poderia continuar a controlá-la.
Marvim, exausto e derrotado, olhou para a filha com uma expressão que misturava frustração e desilusão. Ele havia tentado moldá-la à sua imagem, mas agora se via impotente diante de sua determinação. —— Você vai se arrepender —— ele disse, sua voz falhando ao tentar manter uma aparência de autoridade. —— O amor de Nicholas não irá preencher o vazio que o dinheiro deixará.
Amélia parou por um momento, o coração pulsando com uma mistura de tristeza e determinação. —— Você não pode saber disso, pai —— respondeu ela, sua voz firme, —— porque você nunca foi amado. Você nunca soube o que é amor.
Ela se virou, pronta para deixar o escritório que havia sido um campo de batalha emocional, mas antes de sair, olhou para o pai uma última vez. Marvim, sozinho na sala, sentiu o eco de suas palavras reverberar, mas não havia nada que pudesse fazer para trazer sua filha de volta. Ela havia escolhido seu caminho, e agora só lhe restava assistir enquanto ela seguia em frente.
(...)
Amélia virou o corredor com suas malas, cada passo carregando um misto de expectativa e medo. Ela estava prestes a deixar a prisão em que cresceu, mas, ao passar pela sala, viu sua mãe parada, segurando uma antiga fotografia de família. Teresa olhava para a imagem, seus olhos marejados pela nostalgia e pela dor do passado.
Teresa, finalmente quebrou o silêncio. —— Meu pai nunca acreditou que eu tinha potencial. Quando casei, ele não hesitou em dar tudo que tinha para Marvim, e eu... eu saí das garras de um homem apenas para entrar em outra. —— Sua voz tremia, mas havia uma firmeza por trás de suas palavras.
Amélia parou, segurando a mala, o coração apertado ao ouvir sua mãe desabafar. Ela sempre soubera que Teresa lutava com a sombra de Marvim, mas nunca tinha visto a fragilidade dela tão à flor da pele.
—— Eu não quero que você siga o mesmo caminho —— Teresa continuou, as lágrimas escorrendo pelo rosto. —— Pela primeira vez, uma mulher Harriman tem a chance de ser livre. Não deixe que nenhum homem a domine. Você pode ser a primeira a conquistar sua própria vida, e eu quero que você não seja a última.
As palavras de Teresa penetraram profundamente em Amélia. Ela sentiu uma onda de emoção, e por um momento, todas as memórias de luta e resistência de sua mãe passaram pela sua mente. —— Eu te amo —— disse Teresa, finalmente, com uma sinceridade que nunca tinha sido expressa antes.
Amélia, com lágrimas nos olhos, sentiu seu coração se aquecer. —— Obrigada por tudo, mãe —— respondeu ela, a voz embargada.
Com um último olhar para a mulher que a criou, Amélia abriu a porta e saiu, a luz do dia brilhando intensamente à sua frente.
Acabou, Amélia Harriman era livre.
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