Prólogo
° ° °
As luzes da manhã ultrapassavam os enormes vitrais espalhados pelo longo corredor, acima do horizonte as nuvens se tingiam de amarelo e dourado enquanto na parte mais baixa o violeta do final da noite ainda permanecia, olhava para aquela paisagem tão mística e incomum deixando os receios se apossarem do meu corpo.
—Eu realmente não sei se estou pronto para isso pai...
Caminhava a passos largos tentando acompanhar o ritmo da figura imponente à poucos centímetros de mim.
—Ninguém nasce pronto Amenadiel — sua voz era grave — Eu mesmo não estava quando chegou minha vez — alguns criados pararam ao nos ver inclinando suavemente a cabeça — Mas assim como seu avô me preparou para ser o que sou hoje eu também o prepararei.
Meu pai tinha um jeito duro e carrancudo, o que condizia perfeitamente com sua imagem, no entanto, sabia que aquelas palavras eram a sua melhor maneira de demonstrar o afeto que tinha por mim.
—Você tem uma grande responsabilidade para carregar nas costas — seus olhos verdes se voltaram para mim — E espero que tenha isso em mente a partir de agora Amenadiel.
Os mesmos receios pareciam subir até minha garganta me sufocando, meu pai ainda me encarava quando acenti com a cabeça confirmando suas palavras.
—Farei o meu melhor...
Sem dizer mais nada ele prosseguiu em direção ao final do corredor onde a grande porta da sala dos juízes se encontrava, suas enormes asas de penas castanhas arrastavam pelo chão enquanto seus passos ecoavam alto na minha cabeça.
Será que estou pronto para isso?
A dúvida continuava me torturando até que eu espiasse por cima do ombro vendo a figura alva como a neve da minha mãe logo atrás de mim, seus olhos dourados erradiavam o mesmo brilho majestoso das manhãs além de uma calma e tranquilidade que só pertencia a ela.
"—Vai ficar tudo bem."
Era o que o seu leve sorriso dizia.
Um pouco mais calmo respirei fundo, ajeitei minha túnica de linho assim como minhas asas antes de seguir meu pai até o salão dos juízes.
...
—E então!Como foi lá Diel?!
Mal havia entrado em meus aposentos para que uma chuva de perguntas caísse sobre mim.
—O que faz no meu quarto Galadriel?
—Oras!Esperando meu amado irmãozinho!
Seu corpo estava esparramado pela cama assim como suas asas cor caramelo.
—Vai acabar amassando suas penas desse jeito — alertei.
—Isso não é nada! — a vi ajeitar a postura — Mas e aí?Como foi lá?
—Cansativo...
Galadriel riu.
—Imaginei — sua túnica colorida brilhava conforme se mexia — Mas por que essa cara? Deveria estar radiante!
—Não sou como nosso irmão Galadriel — caminhei até uma das grandes janelas me sentando no parapeito — Ele queria isso, não eu.
—Eu sei irmãozinho — ouvi seus passos se aproximarem — Mas não escolhemos como vai ser o nosso futuro — seu corpo se acomodou ao lado do meu.
Ficamos um tempo em silêncio.
—Não queria ter essa responsabilidade...
—Mas você a tem! — seus olhos verdes eram firmes, assim como os de nosso pai — Não pode fugir dela, e para ser sincera, você não deveria nem querer isso!
—Eu sei...
Ficamos mais um tempo em silêncio, apenas observando os cidadãos levarem suas vidas lá em baixo, as ruas de ladrilhos brancos refletiam o brilho da manhã enquanto o grande oceano de nuvens começava a perder seu tom dourado.
—Está a fim de planar um pouco?
Conseguia sentir a expectativa em sua voz.
—Agradeço o convite Galadriel, mas acho que só quero ficar sozinho.
—Tudo bem — seus dedos afagaram meu cabelo — Mas não se preocupe tanto irmãozinho — seu olhar era tranquilizador — Tenho certeza que será um bom líder no futuro.
Com um sorriso doce Galadriel se despediu pulando de onde estávamos, suas asas se abriram enquanto seu corpo dançava pelo alto das outras torres, fiquei a observando por um tempo antes de me levantar e voltar para o meu quarto.
...
O sol já se punha, a escuridão banhava meus aposentos trazendo o brilho tênue da lua mas nem mesmo assim conseguia ter paz.
Vou acabar enlouquecendo.
Sem sono e com a cabeça perturbada me levantei na esperança de espairecer um pouco. Me coloquei de pé na janela, abri minhas asas e saltei em meio a escuridão. Sentia a vento fresco da noite tocar meu rosto, voando por cima das torres, com as estrelas à cima de mim conseguia ter de volta um pouco da paz da minha infância.
—É o seu destino Amenadiel — dizia a mim mesmo — Não queira fugir dele...
Mas nem mesmo minhas palavras me confortavam. Desistindo de pensar mais nesse assunto continuei planando pela noite até que uma movimentação estranha na ala mais nobre do palácio me chamou a atenção.
Pousei silenciosamente na janela aberta sentindo um forte cheiro metálico invadir minhas narinas. Estava escuro mas com cuidado avancei pelo cômodo reconhecendo os adereços reais espalhados por ali.
É o quarto do meu pai.
Continuei andando até que algo morno encharcasse minhas sandálias.
O quê é isso?
Estiquei minha mão sentindo um arrepio percorrer meu corpo. Quando trouxe meus dedos até a claridade da lua percebi do que aquele líquido se tratava.
Sangue!
Cambaleei alguns passos até tropeçar em algo, minhas mãos tremeram quando vi enormes penas castanhas espalhadas pelo chão.
Você está enlouquecendo Amenadiel...
Continuei tateando a parte mais escura do quarto.
Está vendo coisas.
Minha respiração era entrecortada até que minhas mãos tocaram o corpo frio e rígido do grande homem caído ali.
Não...
Afastei os longos cabelos que cobriam o rosto do meu pai.
Não, não, não, não...
Rastejei para longe sentindo meu coração bater sem ritmo.
O que diabos aconteceu aqui?!
Em meio a escuridão, cravada no peito do imponente rei, uma adaga dourada dada a mim pelo mesmo reluzia com o tênue brilho da lua.
Pai...
Sem saber o que fazer corri para o único lugar que me vinha a mente.
...
Cruzei corredores e portas até chegar ao enorme aposento da minha mãe, podia sentir o cheiro das rosas emanar por todos os lados, sem tempo a perder empurrei com força as grandes portas fazendo com que um barulho estridente ecoasse no cômodo estranhamente silencioso.
—Mãe!
Chamei por ela mas não obtive resposta.
—Mãe?!
Meu corpo ainda tremia, mas dessa vez um sensação mais avassaladora invadia meu espírito.
—Mãe? — olhei ao redor das inúmeras cortinas brancas — Onde a senhora está?!
Continuei avançando pelas grandes pilastra de mármore sentindo minha garganta seca.
Calma Amenadiel...
Meus passos faziam ecos.
Ela está bem...
Cruzei as últimas pilastra com o coração rasgando meu peito.
Ela está...
Foi então que vi, a cena que me perturbaria pelo resto da minha vida.
A lua iluminava o corpo alvo da bela mulher caída no chão.
—M.mãe?
Não sentia minhas pernas, meu corpo desabava enquanto aquela imagem horrível se fixava na minha mente.
—Ah Amenadiel...
Só depois de um longo tempo percebi que havia outra pessoa ali.
—Veja só o que tive que fazer...
Sua figura estava coberta por um manto tão negro quanto a noite mas ainda sim conseguia reconhecer aquela voz.
Você...
Em sua mão direita a lâmina prateada ainda pingava o nobre sangue escarlate da minha mãe.
—E tudo isso...
O vi erguer a adaga mirando-a em mim.
—Foi por culpa sua.
Não tive tempo nem forças para me desviar da lâmina que voava rápido na minha direção. Uma dor latente rasgou meu olho esquerdo enquanto sons altos ecoavam ao meu redor.
—Amenadiel...
A figura com o manto negro se aproximou recolhendo a adaga.
—Se não tivesse nascido, mamãe e papai ainda estariam vivos.
Mesmo que o sangue banhasse um dos meus olhos vi quando ele se voltou para a mulher estirada no chão cravando a mesma lâmina em seu peito.
—Mãe!NÃO!
° ° °
—Não!
Acordei com o peito doendo, o suor escorria pelo meu pescoço enquanto minhas cicatrizes doíam.
—Mestre?!Está tudo bem?!
Dexter me observava com seus olhos vermelhos carregados de apreensão.
Foi só um pesadelo...
Dizia a mim mesmo.
Só mais um pesadelo.
Olhei ao redor reconhecendo os móveis da estalagem que me acomodei, pela janela a lua brilhava alto no céu enquanto um idiota de olhos assustados me observava através de um espelho de ferro polido.
—Mestre...
—Não foi nada Dexter — respondi na esperança de encerrar o assunto — Volte a dormir.
Seu silêncio me perturbou por alguns segundos antes de ele acentir e voltar a se enroscar nos tecidos que lhe serviam de cama. Ainda observei meu Gouli por longos minutos antes de retirar minha bússola do manto e ver sua agulha dourada apontar em uma direção específica.
Vou encontrá-las mãe...
Guardei o objeto antes de me reencostar no travesseiro empoeirado.
Vingarei sua morte e a do meu pai!
Observei uma última vez a enorme lua que brilhava imponente no céu estrelado antes de fechar os olhos e cair em mais um sono perturbado.
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