4
Verdade seja dita
...
—V.você os matou...
A voz da humana tremia assim como o corpo, seu medo por mim era quase palpável.
—Nem todos — disse ignorando uma estranha sensação de desconforto — Um conseguiu escapar.
Caminhei em direção aos dois corpos decapitados erguendo com a espada o manto do terceiro salteador que conseguiu fugir.
Maldito...
Os capuzes ainda cobriam os rostos dos outros mas não fiz questão de revelar suas identidades.
Que morram como os indigentes que são.
—Acho melhor sairmos daqui mestre, parece que realmente vieram atrás da humana mas, depois que um deles conseguiu fugir vendo o seu rosto não acho que vai demorar muito para que apareçam outros atrás de você — senti suas patas se aproximarem mais ainda do meu ouvido — Inclusive ela.
Respirei fundo deixando que o turbilhão de pensamentos dentro da minha cabeça se acalmassem.
—Você tem razão — recolhi minha espada — Porém, ainda temos a questão do deserto, sem a bússola ficaríamos perdidos de novo.
—Mas ficar significa esperar pela morte senhor.
Começava a sentir uma ponta de desespero quando a voz da humana nos chamou a atenção, seu rosto estava pálido e parecia mais fraca que o normal.
—Há u.um j.jeito — ela gaguejou.
—Qual?
Por um momento seus olhos se perderam na imagem dos dois corpos estirados à sua frente, sem tempo para esperar que se recuperasse de um possível choque me ajoelhei segurado firme seus ombros a obrigando olhar para mim.
—Como podemos sair do deserto? —insisti.
—A.as rochas — ela pareceu recobrar os sentidos — E a areia.
—Não há como atravessar nenhum dos dois desertos sem morrer no caminho.
—Não estou falando para atravessar nenhum deles! — ela se afastou de repente — O único jeito e andar entre os dois.
—O que você quer dizer com isso?
—Eu respondo — ela fez uma pausa —Mas será que antes, dá para tirar eles daqui? — seu olhar evitava ao máximo a cena atrás de mim.
—Não tenho tempo para isso.
—Pretendo deixa-los aqui então?!
—Como eu atravesso o deserto? — insisti.
A humana respirou fundo algumas vezes antes de ceder.
—Passar por qualquer um deles é morte na certa, por isso meus pais sempre pegavam o caminho entre os dois...
Fiquei em silêncio aguardando que continuasse.
—Enquanto haver areia e rochas estará no caminho certo.
—Ótimo — me levantei — Vamos Dexter, já temos nossa resposta.
—Mas senhor, vamos mesmo deixar ela aqui?
Estava quase atravessando a porta em direção a claridade que vinha do outro lado quando parei.
—Ela não é responsabilidade minha.
—E se os salteadores voltarem?
—Está tendo compaixão pela humana Dexter? — o olhei intrigado — Parecia nutrir uma certa raiva por ela já que te chamou de rato mais cedo.
—N.não é isso senhor!
—Então por que está tremendo?
—Eu só não acho que seja seguro deixa-la aqui depois de ter interagido tanto com o senhor — seu pequeno olhar era firme — E se a levarem?Com certeza irão tortura-la para conseguir alguma informação, ainda mais depois que um deles conseguiu fugir — seu focinho virou na direção em que a humana ainda se encontrava — Ela não me parece do tipo que resista a algum interrogatório e, caso conte que pegamos um dos caminhos entre os desertos, com certeza virão atrás de nós antes que possamos chegar a outras terras.
Ele tem razão.
Não demoraria muito para nos encontrarem, ainda mais sem saber com exatidão o tamanho do caminho que pegariamos, poderia levar dias, semanas ou até meses mas, com certeza, nos alcançariam.
—Está bem — me virei encarando novamente a humana — Você vem conosco.
—O quê?
Mesmo que Dexter e eu estivessemos falando em um tom moderado ela pareceu não ter escutado nada.
—Ir com vocês?E.eu não posso...
Não desviei meus olhos do dela.
—Você não tem muitas opções humana.
—Já disse que não posso! — sua voz se alterou — Eu tenho que espera-los...
Meu sangue começava a ferver graças ao tempo que perdíamos ali com aquela conversa fiada.
—Tenho que esperar por eles...
—Seus pais não vão mais voltar! —disse enquanto avançava, seus olhos se abriram em completo espanto mas não guardei nenhum remorso ou culpa.
—Você não sabe do que está falando...
Seu corpo voltou a tremer.
—Acho que você não entendeu muito bem a situação em que se encontra — me abaixei ficando na sua altura — Tenho certeza que fazem anos que seus pais não voltam.
—Pare... — sua voz era fraca.
—Se não percebeu aquelas três criaturas estavam aqui para te levar — olhei para a corrente largada a poucos metros dali —Agora me responda — sustentei seu olhar amedrontado — Como eles saberiam da sua existência no meio desse deserto?
—Chega...
—Seus pais foram capturados e, de alguma forma, revelaram que você está aqui.
—Eu disse chega! — seus olhos brilhavam de uma forma estranha.
O que é isso?
Me afastei um pouco atordoado.
Lágrimas?
Tanto eu quanto Dexter encaravamos com certo espanto as fontes de água que pareciam escoar em abundância dos olhos da humana.
—Eu não me lembrava de ter lido sobre isso — a voz do meu Gouli era baixa — Humanos podem chorar?
Eram poucas as espécies que possuíam essa capacidade, normalmente utilizada para expressar fortes sentimentos como a dor.
Me aproximei de vagar.
—Vão embora!
—Você precisa vir junto — estiquei uma das mãos.
Por um momento senti uma estranha vontade de toca-la mas não o fiz.
—Por quê?!
Sem que esperassemos ela se colocou de pé, sua postura agressiva me pegou de surpresa tanto quanto as lágrimas que ainda escorriam pelo seu rosto.
—Por que meus pais não vão mais voltar?!Por que agora eu fiquei sozinha no meio desse inferno?!
—Exato — fui franco.
Um longo silêncio se formou, seu olhar era indignado mas não me importei.
—Saíam logo daqui...
Respirei fundo.
—Vamos Dexter, parece que a humana já fez sua escolha.
—Mas mestre...
Sem dizer mais nada atravessei a porta ouvindo o som do corpo da fêmea voltar ao chão.
—Eu quero morrer...
Aquele sussurro havia sido tão baixo que acredito que nem mesmo meu Gouli tinha escutado.
Mas eu ouvi.
° ° °
—Eu quero morrer...
—Nunca mais repita isso Amenadiel!
Podia sentir as mãos firmes da minha irmã segurarem meus pulsos.
—Acha mesmo que nossa mãe iria ficar feliz se te ouvisse falando isso?!
—Mas ela morreu, e a culpa é minha...
—Olhe para mim! — seus dedos levantaram meu rosto até que meus olhos estivessem na altura dos seus— Nunca mais repita isso..."
° ° °
Sem que eu esperasse estava avançando novamente em direção a porta, atravessando a sala ainda com os corpos jogados no chão me aproximando cada vez mais da humana que parecia não ter forças se quer para erguer o rosto.
—Não seja burro Amenadiel..."
As vozes do passado ainda ecoavam em algum recanto da minha memória enquanto eu voltava a segurar os ombros da fêmea a obrigando olhar nos meus olhos, sem que eu percebesse estava pronunciando as mesmas palavras que minha irmã havia me dito décadas atrás.
—Vai mesmo jogar fora a vida que seus pais te deram! — exclamei enquanto sentia perder parte do meu auto-controle.
—Me responda Amenadiel!
Seu olhar era assustado porém, eu sabia que alguma coisa se inflamava por de trás do castanho das suas íris ainda molhadas por conta das lágrimas.
—Se quer tanto assim morrer..."
—Que seja fazendo algo para honrar a memória deles!
—Então me responda Amenadiel..."
—O que pretende fazer agora?
Não houve mais choro, não houve mais palavras, o único som ali era o do vento que movia as areais do Deserto das Almas do lado de fora, o silêncio banhou o cômodo por longos segundos antes que eu pudesse ouvir novamente sua voz agora rouca.
—Eu vou viver.
—E vingar a morte da minha mãe...
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