34
Confusão
Depois da audácia de Alícia em me repreender deixei que ela e o novo amiguinho conversassem a vontade sem minhas interrupções ou alertas.
-Maldito tucunaré...
Seu sorrisinho não me saia dá mente.
Não vale a pena se estressar por isso Amenadiel...
Respirei fundo várias vezes na tentativa de me acalmar. No início até funcionou mas foi só ouvir a risada animada de Alícia junto de outra enjoada para que eu voltasse a me irritar.
-Se algo de ruim acontecer não mexerei um dedo...
Mas mesmo dizendo aquilo foi só imaginar Alícia em apuros para que meu corpo reagisse.
Saco...
Olhei para minhas unhas compridas antes volta-las ao normal.
-O que o senhor tem mestre?
Estava tão concentrado em meus pensamentos que mal notei a aproximação de Dexter.
-Cansou da conversa fiada daquele peixe?
-Lance?
-Há outro?
Um já era problema, imagine dois...
-Lance estava falando sobre como é o fundo dos lagos, parece ser um lugar tão incrível quanto aqui em cima.
-É claro que parece... - murmurei.
-Qual o problema mestre?
-Não há nenhum problema.
-O senhor está estranho.
-Eu estou completamente normal Dexter.
-Está mais irritado do que o de costume, e um irritado muito, muito estranho...
Revirei os olhos.
-O senhor está assim por causa do que Alícia disse?
Quem dera...
-Não dou a mínima para o que a humana falou - ralhei - Só não estou de bom humor, e sendo meu Gouli você já deveria ter se acostumado com isso.
O vento soprava pela copa das árvores criando leves silvos que preencheram o silêncio que se formou entre o pequeno Finger e eu.
-Entendo mestre...
Olhei de relance para ele que pareceu ter desistido de insistir naquela conversa fiada.
Melhor assim.
No entanto, antes de voltar para junto daqueles dois seu focinho virou novamente na minha direção.
-Alícia ficou mal por ter dito aquilo, e o que ela mais gostaria é que estivesse se divertindo também...
Ouvir aquilo me deixou momentaneamente sem reação.
-Só achei que o senhor deveria saber disso.
-Obrigado - falei depois de um bom tempo - Agora pode ir...
Dessa vez sem dizer nada ele saiu em silêncio sumindo pelas raízes das árvores espalhadas por ali. Só quando tive certeza de estar sozinho soltei o ar que prendia em meus pulmões.
-Que dia...
Apoiei minha cabeça nas mãos sentindo o peso dos meus pensamentos.
Dexter tem razão...
Eu estava estranho, me irritar não era uma novidade mas dessa vez havia algo que não batia.
-O que diabos está acontecendo comigo...
O silêncio do lugar só servia para aumentar minha confusão.
É só um tritão!Uma criatura aquática, não há motivos para alguém como ele me deixar assim.
-Droga, droga...
Foi então que percebi.
E se não for apenas ele?
Repassei todos os acontecimentos me dando conta de que tinha mais alguém.
E se for por causa...
-Amenadiel?
Levei um susto tão grande com a voz de Alícia que a sensação percorreu o meu peito indo parar na garganta quase me sufocando.
-Tudo bem?
-S.sim - tossi - O que veio fazer aqui?
Por que não está com o tucunaré colorido?
-Bem, é que eu...
A olhei de soslaio, por algum motivo não queria que me encarasse nos olhos.
-Você?
-Eu vim me desculpar!
Mas acabei não me contendo.
-Desculpar?
Dessa vez era ela que parecia não conseguir me olhar nos olhos.
-Pelo o que eu disse mais cedo.
-Ah, aquilo...
As palavras ainda martelavam na minha cabeça, mas não era esse o motivo do meu mau humor.
-Eu não me importo com o que disse então fique tranquila, agora se não se importa eu gostaria de um pouco de paz.
Me virei novamente na direção oposta sentindo o peso da sua presença.
-Amenadiel...
-Volte logo para junto do tritão - respirei fundo - Estava se divertindo com ele não estava?
Eu preciso pensar.
Olhei para sua figura pequena e frágil ainda parada ao meu lado.
E você me desconcentra...
Alícia não se moveu, parecia ter petrificado ali, provavelmente presa nos próprios pensamentos.
-Que seja...
Me levantei disposto a ir para outro lugar quando senti sua mão segurar firme meu braço me impedindo.
-Por favor...
Seus olhos brilhavam com a luz do sol que ultrapassava a folhagem violeta das árvores.
-Vem comigo.
Não sei explicar o que senti ao ouvir ela dizer aquilo, era como se toda a sensação ruim e incômoda de antes tivesse se dissipado em um passe de mágica. Por um momento tive a impressão de estar preso em águas turvas e por algum motivo Alícia conseguia ser a calmaria de tudo.
-Vamos Amenadiel...
Ela sorriu, o mesmo sorriso doce e jovial de sempre.
-Não é a mesma coisa sem você!
Queria dizer não, queria continuar sozinho, me afastar de tudo e todos foi a forma que encontrei de me proteger, e a anos isso tem funcionado mas agora tudo parecia se desmoronar apenas olhando para aquele sorriso.
Sem dizer nada deixei que ela me conduzisse até a grande Lagoa cristalina onde Dexter e aquele peixe metido estavam. Ao me ver o pequeno Finger esboçou um sorriso animador enquanto o outro alguém parecia incrivelmente desapontado.
-Agora sim!Todos juntos é bem melhor!
A animação da humana era contagiante, mesmo que ela não percebesse as faíscas entre mim e Lance.
-Onde estávamos mesmo?
O tucunaré continuava de olho na minha pessoa antes de se voltar para Alícia cheio de gracejos.
-Na parte eu que eu te convido para dar um mergulho - mais uma vez o olhar - Só nós dois...
Começava a sentir as águas voltarem a se agitar violentamente dentro do meu peito.
-Seria ótimo!
-Se não corresse o risco de morrer afogada - intervi tentando controlar meu tom de voz - Que eu saiba o lar das sereias ficam nas partes mais profundas dos lagos - encarei o maldito tucunaré com um olhar mortal - Estou errado?
-Não, não está - ele retribuiu com o mesmo - Mas o beijo de uma sereia concede esse privilégio, assim como o de um tritão...
O mesmo músculo do meu maxilar voltou a se contrair.
-É sério?!
-Sim minha bela dama, e se quiser posso levá-la para conhecer meu lar agora mesmo.
Olhei aflito para Alícia que parecia ponderar.
Por favor não.
-Seria algo incrível...
Meu coração subiu até a garganta.
-Mas acho que terá que ficar para uma próxima.
Não contive um suspiro de alívio.
Espere, como assim "próxima"?
Olhei para ela que simplesmente permanecia com seu ar inocente.
Essa mulher...
-Que pena...
A decepção era tão nítida na voz de Lance que não resisti em deixar minha preocupação um pouco de lado para sorrir.
-O que foi Amenadiel?
-Não é nada Alícia.
-É bem incomum te ver sorrindo assim mestre...
-Só achei ter visto um peixe palhaço passando no fundo do lago.
É claro que a indireta não passou despercebida e o olhar do tritão confirmava isso.
-O que é um peixe palhaço?
-Nada que seja muito interessante.
-Se você diz...
Vi a humana abrir a boca em um grande bocejo enquanto esticava os braços na frente do corpo.
-Nossa eu estou cansada.
No silencio do lugar ouvimos um som alto vir do seu estômago. No mesmo instante a humana ficou vermelha.
-E faminta também.
Alícia olhou feio para Dexter que simplesmente riu.
-Não há mais mangas na sua bolsa?
-Não, eu dei a última para Nafila fazer um implastro para você.
Fiquei sem reação.
-Por que você fez isso?
-Você precisava oras - seu olhar era intenso - É tão difícil assim entender que me importo com você Amenadiel?
Sabia que aquela pergunta exigia uma resposta mas eu não conseguia dar a ela o que queria.
-Eu vou procurar algo para você comer...
-Ah!Eu tenho uma coisa que você vai adorar bela Alícia!
Antes que eu pudesse me colocar de pé Lance mergulhou rapidamente no lago, seria um gesto comum e até mesmo aliviante, já que não teria que suportar sua pessoa (mesmo que por breves segundos), se uma cauda azul não tivesse jogado um jato de água fria na minha cara segundos antes de desaparecer.
-Mestre?!
-Amenadiel!Você está bem?!
Tentei sorrir para Alícia.
-É claro...
Engoli a raiva que desceu rasgando minha garganta como espinhos.
-Perfeitamente bem!
Ainda mato aquele maldito tucunaré!
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