21
Onary o labirinto dos espelhos
...
Sentia minha mão coçar conforme o fluxo de energia pulsava pela madeira, Alícia havia voltado e agora se encontrava bem atrás de mim, curiosa como sempre. Quando finalmente abri a porta conseguimos ver o negrume que se estendia por aquela passagem. Era um retângulo negro em meio ao laranja das planícies.
-Temos mesmo que entrar aí?
-É a direção que a bússola mostrou.
-Sua bússola nunca deu defeito antes?
Ignorei sua pergunta avançando pela passagem, logo em seguida ouvi seus passos ressoarem bem atrás de mim.
Assim que passamos para o lado de dentro pude ouvir a porta se fechar em um ruído baixinho até nos trancar naquela escuridão silenciosa.
-Odeio lugares assim...
Podia sentir a mão de Alícia agarrar firme meu manto enquanto sua voz ecoava pelo vazio.
-Apenas continue andando.
Mesmo que minha visão se adaptasse facilmente ao escuro eu não conseguia ver um palmo a minha frente ali dentro. Droga. Era como estar cego, andando a esmo. Tive que me esforçar para não esticar as mãos e tatear o caminho. Quando achei que enlouqueceria com a sensação do vazio uma fraca luz começou a brilhar bem na nossa frente, conforme nos aproximavamos várias tochas surgiram iluminando um pouco aquele estranho lugar de paredes escuras.
-Ora ora!Ih ih!Visitas!
Um macaquinho de pelos amarelos e colete vermelho saltitava sobre uma pilha de objetos, só quando cheguei mais perto percebi que aquela pilha era feita inteiramente por espelhos, todos quebrados e sem utilidade.
-Bem vindos!Bem vindos!Uh Uh!
-Onde estamos?
A humana foi a primeira a perguntar nitidamente curiosa com o macaco.
-Boa pergunta!Ih ih uh uh!Aqui é Onary!O labirinto dos espelhos!E eu sou Domi, o grande guardião!
-Labirinto? - Alícia pronunciou a palavra como se não soubesse seu significado - Como assim?
-Ih ih!Você é engraçada!Uh uh!
O macaquinho voltou a saltitar derrubando um dos espelhos que estava de baixo dos seus pés, no mesmo instante que o objeto se chocou com o chão um som alto ecoou a nossa volta como se algo maior se partisse.
-Ora ora!Alguém conseguiu!Uh uh!Mas que bom que vocês chegaram!Ih ih!Vão ser ótimos substitutos!Uh uh!Ih ih!
-Substitutos?Não estou entendendo nada...
-A única coisa que precisamos entender é como sair daqui.
Tentei ver alguma coisa na linha luminosa que as tochas criavam mas era como se a própria escuridão engolisse o brilho das chamas.
-Sair? - o macaco riu alto, como se tivesse ouvido uma piada engraçada - Muito boa!Muito boa!
-Do que está rindo?Só queremos sair logo daqui! - Alícia deu um passo à frente - O que isso tem de tão engraçado?
-Ora ora mocinha!Não há como sair de Onary!Uh uh!E isso é engraçado!Muito engraçado!
-O quê?!
-Como assim não há saída? - perguntei surpreso - Tem que haver uma saída!
Domi continuava a saltitar sobre os espelhos.
-Na verdade há uma saída sim!Uh uh!A única saída!Ih ih! Mas é tão difícil achá-la que é mais fácil aceitar que ela não exista!Ih ih!Uh uh!
-Achá-la? - vi Alícia tentar espiar pela escuridão - Não há mais nada aqui...
-Onary está aqui!Uh uh!Está sim!E será o novo lar de vocês!Ih ih!
-Não esgote minha paciência macaco! - dei um passo a frente vendo o animal recuar sobre a pilha de espelhos - Se você é o guardião daqui então deve saber onde está a saída!
-É claro!É claro!Domi sabe!Uh uh!Não precisa perder a paciência!Ih ih!Também não há por que ter pressa, afinal de contas, tempo é tudo o que lhes restam agora...
Sem que esperassemos Domi puxou uma cartola rasgada da escuridão cobrindo seus olhos enquanto um longo sorriso moldava sua boca deixando os longos caninos brancos visíveis.
-A saída é a verdade...
Com uma das pequenas mãos ele apontou para cima onde uma tocha se acendeu iluminando um velho letreiro de bronze.
-E a verdade está em Onary!Uh uh!Ih ih!Agora a pergunta que fica é! - um brilho estranho se incendiava naqueles olhos miúdos - Serão capazes de encontrá-la?
Ainda sorrindo Domi abaixou a cartola sobre o rosto fazendo com que a escuridão o cobrisse aos poucos até envolvê-lo por completo. Assim que o pequeno macaco sumiu o brilho das outras tochas aumentou mostrando uma única passagem também banhada em trevas. A cima de nós o letreiro de bronze brilhava com as seguintes inscrições talhadas em letras italicas:
"Encontre a verdade"
-Amenadiel...
Mesmo que o lugar estivesse parcialmente claro ainda sentia a mão dela segurar firme o meu manto.
-O que ele quis dizer com "A saída é a verdade"?
-Eu também não entendi - olhei novamente para a passagem - E parece que vamos ter que descobrir sozinhos.
Sem muito o que fazer segui adiante com Alícia bem atrás de mim.
...
As tochas tremulavam nas paredes escuras, tão escuras que pareciam não existir, era como se estivessem suspensas no nada. Dezenas, centenas, milhares, era impossível contar, entre elas, vários espelhos dos mais variados tamanhos e formas se encontravam.
-Então isso são espelhos?
Alícia parou em frente a um de formato oval e duas vezes maior que ela, seus olhos varriam o próprio reflexo banhado em sombras com admiração.
-Nunca tinha visto um antes não é mesmo?
-Não, é a primeira vez...
Sua mão esticava lentamente em direção ao grande objeto mas por algum motivo ela não o tocou.
-Algum problema? - perguntei intrigado.
-Não, nenhum...
-Entendi.
Observei a humana por mais alguns segundos antes de avançar pelo longo corredor.
Conforme andávamos centenas de espelhos surgiam, todos diferentes, as vezes alguns com molduras douradas que remetiam a ouro outras vezes simples peças de metal polido, sem contar a variedade de tamanhos e formas, sempre iluminados por duas tochas mas, assim que nos afastavamos eles desapareciam, quase como se não estivessem estado ali antes. Estranho. Olhava meu reflexo surgir por várias e várias vezes sempre banhado por sombras antes de desaparecerem conforme me afastava dos espelhos.
Depois de longos minutos (Ou horas, eu não sabia mais... ) caminhando até mesmo a admiração de Alícia pareceu ter sumido, seu corpo passava pelos espelhos e com indiferença ela olhava para o próprio reflexo antes de seguir adiante.
-Estou cansada...
Sua voz ressoava baixinho atrás de mim.
-Quanto tempo mais vamos ter que procurar?
-Gostaria de ter uma resposta para isso.
-Parece que estamos andando a horas, isso não acaba nunca?
-Reclamar não fará com que a saída apareça.
Só vai fazer com que minha paciência se esgote mais...
-Não deveríamos ter entrado aqui...
-Foi o caminho que a bússola indicou.
-Ótima bússola essa sua.
Começava a sentir uma ponta de raiva começar a se inflamar em meu peito mas logo a sufoquei. Não é a melhor das horas para isso.
-Espera!Você tem uma bússola!Cacete!Por que não lembramos disso antes?!
-Se eu fosse você não ficaria tão animada.
-Como não?!Bússolas apontam uma direção, ela pode apontar o caminho e nos mostrar a saída!
-Já disse para não ficar animada...
-E por que diabos eu não ficaria?!
-Por que ela não funciona aqui! - tinha chegado ao meu limite - Assim como naquele maldito deserto o ponteiro simplesmente gira, como louco! - respirei fundo tentando me acalmar - Agora fique quieta e continue andando.
-Então quer dizer que estamos presos aqui? - sua voz não escondia seu desespero - Não, não...
-O macaco disse que a verdade é a saída ent-
-Verdade?!E que verdade é essa Amenadiel?! - vi suas mãos irem até a cabeça em um gesto desesperado - Estamos andando a horas!Dias!Eu já não sei!Não tenho noção alguma de tempo nesse escuro infitino!Apenas vejo espelhos!Espelhos!E mais espelhos!
-Alícia...
-Não me venha com Alícia!Eu quero sair daqui!
-Alícia!
-O quê?!
-Fique quieta e me dê a sua mão bem devagar...
Seu olhar antes desesperado agora se enchia da mais pura confusão, por algum motivo ela parecia não ver que, bem ao seu lado, no reflexo de um grande espelho retangular com bordas de madeira sua própria imagem a encarava de uma forma tenebrosa, estendendo uma das mãos como se quisesse puxá-la para dentro.
-Por que está me olhando assim Amenadiel...
Seu rosto virava lentamente para o lado esquerdo onde sua imagem parecia ter se aproximado mais ainda do vidro.
-Olhe para mim ok?Apenas para mim...
-Você está me assustando...
-Escuta - dei um passo vacilante - Sei que quer sair logo daqui - tentava não olhar para os dedos que começavam a sair do espelho e se aproximar dela - Eu também quero isso mas...
O reflexo de Alícia começava a tomar forma do lado de fora porém, diferente da imagem da bela jovem à minha frente o que eu via não passava de um corpo esquelético e putrefo que tentava alcançá-la. Mas por algum motivo ela parecia não ver aquela imagem horrenda.
-Amenadiel - lágrimas caiam dos seus olhos - Eu não aguento mais... - sua voz parecia um sussurro distante - Não vamos conseguir sair daqui...
Quanto mais ela se entregava aquele sentimento mais visível a criatura ficava, dessa vez podia ver uma das suas pernas sair de dentro do espelho.
-Nós vamos sair daqui Alícia, confie em mim, agora por favor segure a minha mão...
-Não adianta...
Podia ver metade do rosto daquele ser bizarro surgir, cada vez mais perto de alcança-la. Droga!
-Alícia por favor!
-Não Amenadiel!Eu não consigo!
-Eu preciso que venha comigo Alícia!Segure logo a minha mão!
-É mentira!Não vamos sair daqui!Meus pais nunca mais vão voltar!Você não precisa de mim!Isso é mentira!Tudo mentira!
Podia sentir meu coração doer no peito a cada batida, dessa vez os longos e finos dedos daquele ser se fechavam em torno do pescoço dela. Mas Alícia não via. Tentei alcançar minha espada, cortar o braço daquela aberração e correr com a humana para longe mas meu corpo não se movia, não conseguia fazer nada. Apenas olhar. Olhar Alícia ser tomada por aquele ser. Faça alguma coisa! O ar me faltava aos pulmões. Vai perdê-la também! Meu corpo tremia e pela primeira vez em anos me senti impotente. Alícia não via, não percebia o perigo que estava bem ao seu lado, apenas chorava. Conseguia sentir seu medo. Ou será que era o meu? O medo da perda. Da solidão. E principalmente o medo da morte.
-Eu quero mor-
-Eu preciso de você Alícia!
Gritei com todas as minhas forças ouvindo minha voz ecooar alto dentro dos meus ouvidos. Dentro de mim. No mesmo instante um forte som de estouro e vidro se quebrando preencheu a escuridão daquele lugar, bem ao meu lado um dos espelhos havia se partido e uma forte luz branca saía dele ofuscando minhas vistas. O que é isso? Uma força invisível parecia me puxar para longe dali. Só tive tempo de me esticar e agarrar o braço da humana antes de ser tragado para dentro daquela forte e estranhamente calorosa luz branca.
Preciso dela...
Era a única coisa que conseguia pensar enquanto sentia meu corpo cair.
Preciso da humana...
Cair em direção ao nada.
E essa...
É a mais pura verdade.
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