proposta
ANASTÁCIA MARQUÊS NARRANDO*
Era julho, e o frio do início do inverno já havia chegado. Eu era apenas mais uma aluna no campus durante as férias da faculdade de direito, a azarada que dividia o quarto com ninguém menos que Cátia Davens, a garota mais arrogante de todo o lugar. Seria estranho se ela não fosse tão esnobe, já que é a única herdeira do império das advocacias Davens.
Antes que eu pareça invejosa, vou explicar por que isso me incomoda tanto. Eu tive que preencher uma ficha enorme de burocracias para conseguir um dormitório aqui quando eu entrei hà tres anos e ainda precisei esperar seis meses, interrompendo meu tempo de estudo. Enquanto isso, pessoas como ela, que têm apartamentos caros perto da faculdade e poderiam muito bem residir neles, fazem questão de vir e ocupar os dormitórios apenas pelas festas.
A diferença entre os alunos da minha turma era gritante. A maioria deles vinha de famílias ricas, e a faculdade era apenas um trampolim para carreiras brilhantes, proporcionadas pelo dinheiro e pelas conexões. Esses alunos, como Cátia e seus amigos, nunca tiveram que lidar com o tipo de dificuldades que enfrentei. Eles estavam acostumados a uma vida de luxo e prestígio, onde o maior desafio era escolher qual festa frequentariam no final de semana.
Eu, por outro lado, estava aqui com um esforço imenso. Enquanto eles enchiam seus armários com roupas de marcas caras e desfrutavam de um estilo de vida confortável, eu passei noites sem dormir preenchendo formulários, tentando obter bolsas e financiamentos. Cada dia que eu passava aqui era uma vitória pessoal.
As coisas que eles consideravam triviais, como um simples passeio pelo shopping ou os próprios livros para as aulas, era para mim um luxo distante. Fiz muitos sacrifícios para chegar até aqui. Desde trabalhar em vários empregos para pagar os materiais até economizar cada centavo para não depender do apoio financeiro de meus pais, que simplesmente não tinham como ajudar.
Ver todos os outros sempre em festas e com seus carros de luxo apenas reforçava o quanto eu havia lutado para chegar até aqui. Não era apenas uma questão de status ou aparência, mas uma constante lembrança de que para mim era muito mais árduo e repleto de obstáculos. E ainda assim, eu não podia me dar ao luxo de desanimar. Estar na faculdade era o meu sonho, e eu estava disposta a fazer o que fosse necessário para realizá-lo.
E foi aí que eu conheci o Joarez, um aluno do penúltimo ano em medicina que era o melhor amigo de Vicente Kauã, o namorado de Cátia. Joarez era o oposto completo de Cátia e dos outros alunos ricos. Ele era acessível e genuinamente simpático, algo raro em um ambiente onde a arrogância parecia ser a norma.
Desde o início, Joarez demonstrou uma atitude amigável e prestativa, o que me chamou a atenção. Ele se aproximou de mim durante uma das festas organizadas pelos alunos da faculdade, que eu só havia conseguido frequentar porque havia sido convidada por um colega. Embora eu não estivesse muito à vontade em meio àquelas pessoas, Joarez fez questão de conversar comigo.
- Não parece que você pertence a este lugar - ele comentou, notando minha timidez. - Como você acabou aqui?
- Cátia, ela me tirou do meu ciclo de estudos.. - sorri e Joarez ouviu com atenção e, ao contrário dos outros, não fez julgamentos.
- Sempre à Cátia infernizando as pessoas! - ele ri e então revira os olhos.
...
Depois da festa, onde Joarez foi um oásis de simpatia em meio ao mar de ostentação, eu fui surpreendida por uma proposta inesperada. Cátia, com seu usual tom de desdém, me abordou com um olhar calculista.
- Anastácia - começou ela, seu tom frio contrastando com o calor da noite. - Eu ouvi a conversa que teve com o Joarez. E eu sei que você deve achar ele um ótimo trampolim em todos os sentidos. - Ela ri com malícia.
Eu ergui uma sobrancelha, surpresa.
- O que você quer dizer? - perguntei, tentando manter a calma.
Cátia manteve seu olhar fixo em mim, um sorriso enigmático se formando em seus lábios.
- Olha, eu tenho uma proposta para você. Vou pagar todos os materiais necessários para este ano e para o próximo, se você conseguir... - ela fez uma pausa dramática, - fisgar o Joarez e fazer com que ele se afaste do Vicente. Não vai ser difícil, Joarez se atrai facilmente por quem tem um perfil mais... humilde. Você vai se sair perfeitamente bem nesse papel.
Eu a encarei, atônita.
- Por que você está interessada nisso? - perguntei, embora já suspeitasse da resposta.
- Vicente é meu namorado, e eu não quero que ele se distraia com ninguém que não seja eu. Se você conseguir isso, ficará com a ajuda financeira que precisa. Não é uma oferta ruim, considerando que você deve estar lutando com as finanças.
Eu pensei na proposta por um momento. A ideia de ter todos os materiais pagos e garantir a continuidade dos meus estudos era tentadora. Mas, ao mesmo tempo, havia algo moralmente perturbador na proposta de Cátia. Eu sabia que Joarez não merecia ser manipulado dessa forma.
- E se eu recusar? - perguntei, procurando um ponto de fuga.
- Ah, bem - Cátia deu de ombros. - Então você continuará lutando para pagar seus materiais como tem feito. - ela se virou para mim novamente, com um olhar mais incisivo. - Ah, e tem mais uma coisa - disse ela, com um tom que fazia meu estômago revirar. - Se você decidir recusar a oferta, talvez apareça algo interessante em meio as suas coisas em uma dessas inspeções, aquelas que fazem quando menos se espera.
Meu coração acelerou.
- Do que você está falando? - perguntei, tentando manter a voz firme.
Cátia deu um sorriso frio, como se já soubesse exatamente o efeito que suas palavras estavam causando em mim.
- Eu não quero fazer ameaças, Anastácia. Mas, pensando bem, talvez alguns itens que não são exatamente... convencionais para alguém na sua posição apareçam entre as suas coisas.. Talvez um baseado ou algo com mais chances de expulsão.. Uma inspeção poderia ser um jeito de "ajudar" a limpar o ambiente e garantir que tudo esteja em ordem. Não seria bom para você ter algo indesejado assim aparecendo nas suas coisas, não é?
Ela piscou e, sem esperar minha resposta, deu uma última olhada e se afastou, deixando-me sozinha com uma mistura de pavor e indignação. Eu sabia exatamente o que ela queria dizer, ela armaria pra mim se fosse necessário.
Eu olhei ao redor do meu quarto, a ideia de ter meus pertences vasculhados e expostos com coisas que não eram minhas entre eles me deixava aflita.
...
Mais tarde meu celular apitou com uma nova mensagem. Era de Joarez. Com o coração ainda acelerado, desbloqueei o telefone e li a mensagem:
Joarez : — Olá, Anastácia! Gostaria de te convidar para um café e um passeio pelo campus agora, o que acha?
Eu fiquei com a mente repleta de pensamentos conflitantes. A ameaça de Cátia ainda ecoava em minha mente, e eu me encontrava dividida entre a tentação de aceitar a oferta e a indignação pela manipulação. Entretanto, a proposta de Joarez parecia ser um alívio e uma oportunidade para conhecê-lo melhor.
Enquanto pensava sobre o convite, olhei novamente para a foto de perfil de Joarez, que apareceu junto com a mensagem. A imagem mostrava um rapaz de olhos azuis penetrantes e cabelos castanhos claros, alto e com um sorriso amigável. Ele estava em frente à Torre Eiffel em Paris, o fundo da foto irradiava uma atmosfera de elegância e sofisticação, contrastando com minha realidade atual.
A foto fez com que eu me perdesse em pensamentos sobre quem Joarez era. O cenário parisiense era tão distante da vida que eu conhecia, e a forma como ele parecia se encaixar perfeitamente em um ambiente de classe e riqueza era notável.
Eu sabia que um encontro com ele poderia ser a chance de conhecer alguém genuíno em meio à superficialidade da minha situação atual. Mas também havia a pressão de atender às expectativas de Cátia, uma situação que me deixava agoniada.
O café poderia ser uma oportunidade para relaxar, escapar um pouco das tensões da faculdade e, quem sabe, descobrir mais sobre a pessoa por trás da imagem charmosa e sofisticada. Por outro lado, a ideia de agradar a Cátia e cumprir o que ela esperava de mim ainda estava na minha mente me assombrando.
Finalmente, decidi responder. Se eu aceitasse o convite, teria a chance de passar um tempo com alguém que parecia ser a única pessoa ali que me via mesmo eu já estando aqui a mais de três anos. Eu poderia, ao mesmo tempo, manter a opção de lidar com Cátia de forma mais estratégica e cuidadosa. Com um suspiro, comecei a digitar minha resposta, tentando não deixar que a pressão de Cátia influenciasse minha decisão.
Anastácia: — Sem açúcar, por favor !
Dei um sorriso pequeno para a tela do aparelho enquanto apertava para enviar.
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