Capítulo XXXVIII
A primavera que chegava repleta de sinuosos tons vibrantes que coloriam as terras que outrora estavam alvas e frias era, se não, a melhor época para a chegada de um bebê.
— Milady precisa respirar em pausas por favor — A parteira pediu pela terceira vez — É uma criança pequena, virá com facilidade... — Disse em tom pensativo — Apenas continue respirando... suas dores ainda não regularam.
— O que quer dizer?! — Helena questionou desesperada
— Ainda não está na hora, mas logo será milady.
Helena estava ofegante, cansada em um nível que nunca ficara nem mesmo quando lutava com Robert vestindo as pesadas armaduras de guerra. O corpo estava tomado pelas manchas avermelhadas, que pareciam prestes a saltarem em bolhas. Ardia em febre e todos os músculos pareciam querer algum descanso.
A irmã a olhava em plena angústia, sem saber ao certo o que fazer ou esperar daquela situação tenebrosa. Uma doença devastadora e um bebê prematuro não podiam significar boas novas e certamente iam contra as belezas provindas da nova estação.
— Precisa descansar mais um pouco, Helena — Ela pediu — Tome mais uma xícara de chá.
— Se eu tomar qualquer gota deste chá desprezível vomitarei em minhas vestes. — Disse aflita e enjoada — O que há comigo? Porque está tão difícil? Não haveria de ser tão difícil... — Falava ao tempo que já parecia delirar
— É a febre, senhora. — A parteira disse para Isabel — Vou preparar um fumacê de ervas... mas milady Helena precisará de um médico. Depois que esta criança nascer, não poderei fazer muito por ela.
— Já foram-no buscar, chegará dentro de algumas horas... — Isabel respondeu — Espero que...
— É melhor que chamem um padre também...
— Para quê? — A imperatriz arregalou os olhos
— Peço perdão senhora por interromper — Uma das criadas disse — Mas se todos devemos estar preparados... milady Helena vai assiduamente às missas e deve desejar que seu corpo receba a consagração. Posso mandar que busquem o padre na catedral.
A imperatriz se calou sentiu os olhos se banharem em lágrimas, parecia reviver aquela angústia outra vez. Dia a após dia ainda se recordava do último suspiro da filha e agora a irmã passava pelo mesmo. Como Isabel poderia se recuperar daquela perda? Como poderia contar a Robert que a mulher e o possivelmente a criança que gerava haviam morrido? Como poderia conviver com aquela dor?
Ajoelhou-se ao lado da cama e agarrou as mãos de Helena outra vez.
— Me prometa que vai ser forte, Helena. Me prometa que vai passar por isso, me prometa. — Implorou
— Eu vou... eu vou tentar
— Não, não — Isabel disse rapidamente — Prometa Helena... eu preciso que prometa.
Helena suspirou, elevando uma das mãos até a face da irmã mais velha. Sabia que não poderia prometer nada a ela, se sentia tão fraca e tudo o que desejava era que Robert estivesse ali para segurar sua mão. No entanto, os olhos desesperados de Isabel não lhe deixavam escolha, se não, mentir para ela e para si mesma.
— Eu prometo, minha irmã. Eu prometo.
*
Assim como muito longe dali a mudança de tempo já era contemplada, as flores começavam a desabrochar pelo campo. As abelhas haviam retornado em busca de pólen e os veados tornavam a pastar por entre as árvores.
Aziz já não enxergava um só rastro de neve pelas planícies, haviam passado mais do que as três semanas previstas para que se deparassem com o exército britânico o que lhe causava certa preocupação.
Os homens já estavam cansados após tantos meses de caminhadas árduas e de acampar pelo relento. As provisões começam a faltar e haveriam de procurar por algum vilarejo nas proximidades, embora já não soubesse onde de fato estavam.
Olhou para as próprias mãos, repletas de bolhas e calosidades que se formavam uma por cima das outras conforme fazia o trabalho árduo de cortar madeira para as fogueiras.
— Senhor, deixe que façamos isso. — Um dos soldados disse — Não é trabalho para o imperador.
— Aqui somos todos iguais, homem. — Respondeu partindo a madeira ao meio — Temos de encontrar uma vila, há um pouco de prata pra que troquem por comida e armas.
— Todos temos um pouco para contribuir, milord.
— Antes do anoitecer partiremos, não deve estar a mais de 3 milhas daqui. Avise aos outros que se preparem. — Aziz disse.
— Sim, eu..
O homem de repente se silenciou, fazendo com que Aziz deixasse de se concentrar nas madeiras e o olhasse. Os olhos vidrados do soldado e sua aparente paralisia puseram o imperador em alerta, até que se deu conta de que o homem sangrava acima do peito, talvez tão próximo de seu coração.
Não houve tempo antes que ele logo caísse sob os pés de Aziz, que percebeu a flecha que o atravessa a costa. Mirou a frente de onde os outros já se encontravam em pleno alvoroço.
— Eles estão aqui. — Ele falou para si mesmo
E houve o caos.
*
Os exércitos de Alexandre e Said já haviam se encontrado à aquela altura, seguiam para o Sul outra vez atrás dos rastros do exército britânico. Estavam atrasados por, pelo menos, quatro ou cinco dias.
Por onde passavam, por entre os inúmeros pequenos vilarejos viam o caos que atormentava o povo. Haviam muitas crianças, e centenas de negros acorrentados em fileiras que não eram capazes de contar. Soldados britânicos faziam as rondas, vestidos com as casacas vermelha de seu país.
Estavam lá para mostrar que já haviam rendido aquele povo, e todos ali, brancos ou pretos, adultos ou crianças, estavam em posse dos britânicos. A maioria, especialmente os de cor, permaneceriam assim até mesmo depois do fim daquela guerra.
— Me surpreendo que não parem para nos revistar — Jasper comentou
Os homens continuavam a viagem em cima de seus cavalos, enquanto o novo exército os acompanhava.
— Sabem de que lado estamos, filho. Os britânicos podem ter muitos defeitos... mas sabem comandar um exército.
— Mas não sabem a hora de parar — Continuou ao observar o rastro de destruição no vilarejo.
— Poucos homens sabem... — Said respondeu, suspirando de maneira profunda.
Sua mente recalculava constantemente suas próximas ações, conforme avançavam indo de encontro ao que parecia ser o último ponto entre o exército britânico e o otomano, temia que já fosse tarde demais para que fizessem algo.
Não sabia se teriam de lutar ou se ficariam meramente de escanteio observando quando a matança começasse. Não sabia se poderiam mudar de lado no último instante ou se seriam obrigados a tirar vidas inocentes pela honra do Rei. Em teoria, meses antes de chegarem ali, o plano parecia certeiro. No entanto, depois de terem enfrentado o inverno rigoroso e passado pela fome e exposição às doenças já não tinha certeza se poderiam voltar para casa sem nenhuma perda.
— Senhor... Said — Foi chamado por Robert que o acompanhava logo atrás montado em seu corcel malhado — Podemos conversar? Não ousou me olhar desde que nos juntamos.
O sheik fechou os olhos, sabia que devia ao joalheiro uma palavra, mas com sua cabeça tomada de preocupações, Robert era a última pessoa com quem queria falar.
— Tenho pensado no que dizer. — Se limitou
— Se quiser — Robert pigarreou — Posso ser o único a falar.
Said acenou concordando. E então o joalheiro continuou.
— Sei que tudo o que fez por mim foi por causa da amizade que tem por meus pais. E sei que Safira e Jade lhe pediram misericórdia, e por isso, agora que tenho a oportunidade de estar frente a frente com o senhor, agradeço. E também...
— Não foi.. — Said o interrompeu — Não foi por seus pais ou por elas, embora eu deva confessar que meus ouvidos arderam com o importuno das duas, mas... tudo o que fiz foi por você. Eu vi você crescer e se tornar um exímio joalheiro... — Quase sorriu com a lembrança — Um dos melhores que já vi em toda a minha vida.
Fez uma pausa deixando que Robert absorvesse o que dizia. Os cavalos se mantinham em pleno ritmo e o sol do meio dia já brilhava em seu ponto alto.
— Não me agradeça rapaz, quando sou eu quem deveria lhe agradecer.
— Do que está falando?
— O que fez por Amber... o que fez por ela durante toda a sua vida. Não se pode encontrar uma amizade assim em qualquer lugar. — Disse — Sei que a amava... em outras circunstâncias teria deixado que se casassem. Teriam sido felizes, teriam filhos e estariam seguros conosco na Índia.
— Eu...
— Mas... há muitas coisas que fogem ao nosso alcance. — Disse — Talvez já tenha aprendido isso nesses anos que passaram... agora que já é um homem casado deve entender que o amor vem de muitas formas e as vezes para mais de uma pessoa. — Suspirou — Quando eu tinha sua idade, talvez um tanto mais novo, pensei amar uma mulher, e passei anos acreditando cegamente naquele amor a ponto de me consumir. Me casei com Safira pensando que meu coração nunca poderia pertencer a ela, pois já tinha uma dona.
— Senhor... — Robert tentou falar, mas o sheik o impediu outra vez
— O que quero dizer... é que as vezes os sentimentos se tornam confusos a ponto de nos levar a decisões erradas. Decisões que nos magoam e magoam outras pessoas. Acredito que vocês dois fizeram isso, foram negligentes com a amizade que tinham e não puderam se perdoar ou se amar o suficiente para enxergar o que realmente importava. Eu fiz o mesmo com ela, a magoei com palavras que nunca deveriam ter saído de minha boca. Deixei que o ódio tomasse conta e em vez de protegê-la a acusei levianamente.
Said parou o cavalo fazendo com que Robert imediatamente fizesse o mesmo parando ao seu lado. Se tinha de dizer tudo aquilo, faria olhando nos olhos do joalheiro. Exatamente como faria com Amber se tivesse tido oportunidade, ou ao menos, se pudesse mudar o que aconteceu antes que ela partisse. Devia isso aos dois, e o joalheiro de tantas formas podia ser considerado um filho.
— Então agora que estamos aqui tentando buscar um perdão que não é merecido, prestes ajudar o marido da mulher que você amou, é preciso de algo maior que o amor, maior do que o senso de injustiça que te move, maior do que a vontade de provar algo para ela ou para si mesmo. Precisa de lealdade, rapaz. — Said o olhou profunda e seriamente — Seja leal a amizade que teve com Amber e seja leal à mulher que entregou o coração a você, sua esposa. Seja leal a mim que falo a você como se fosse meu próprio filho... tire-a de seus pensamentos e de seu coração, pois só assim poderá fazer o que é preciso.
Robert tinha os olhos marejados, sentindo o peito comprimir. Não conseguia pensar em nada que pudesse convencer o sheik que já não nutria nenhum sentimento por Amber, que em realidade não estava ali por ela. Ou estava?
— Pretendo devolver o imperador vivo para a minha filha e não vou deixar que nada impeça que isto aconteça. — Said continuou — Você me entendeu?
O joalheiro afirmou, deixando que o cavalo voltasse a trotar numa tentativa vã de evitar uma resposta para aquele sermão. Não seria louco de prejudicar a missão ou aqueles homens que a meses arriscavam suas vidas, não por um capricho, não por vingança ou por amor.
— Já estamos chegando no próximo vilarejo, fique à vontade para se misturar entre os soldados. — O sheik falou, não se importava com o silêncio de Robert. O entendia, afinal. — É bom vê-lo outra vez Robert, é bem-vindo em minha casa sempre que desejar. Safira ficará feliz em receber você e sua nova família. — Disse acenando para o joalheiro ao tempo que se afastava indo de encontro aos outros.
Robert suspirou vendo-o ficar cada vez mais distante. Não havia nenhuma mentira em tudo o que Said lhe dissera, nenhuma palavra mal calculada. Amber já não tinha e não podia ter mais espaço em sua vida, não do tanto que um dia ocupara. Ele tinha outro alguém que o amava o suficiente para que ele se preocupasse em voltar, alguém que sentiria orgulho ao saber que finalmente aquela história teria seu fim.
*
— Empurre Helena, empurre! Segure em minhas mãos e faça força mais uma vez! — A parteira disse assim que as dores já não puderam mais ser controladas pelos chás e conversas miúdas.
O padre já havia chegado e repetia todas as rezas que podia continuamente. Podia jurar que nunca presenciara tal fato tão de perto e se não tivesse uma reputação a zelar teria desmaiado ali mesmo entre as mulheres.
— Estou tentando.... — Disse fraca enquanto seu corpo ainda queimava de febre — Mas não encontro forças...
— Helena! Olhe para mim querida — Isabel pediu — Apenas mais uma vez, tente... o bebê já está vindo. Segure minha mão com força e empurre, grite o mais alto que conseguir se isso lhe ajudar.
A jovem lady concordou apesar da sonolência e dor que sentia em seu corpo todo. Sabia que o bebê precisava nascer e parecia já estar tão perto...
Os gritos de Helena ecoavam pelo castelo, deixando que saísse tudo de si. Tudo o que tinha dava ali naquele instante, todo o resquício de coragem e determinação, toda a proteção e amor que podia sentir pelo ser que ainda não conhecia.
— Isso Milady, continue! — A parteira disse a incentivando — Mais uma vez!
Helena trincou os dentes daquela vez, sentindo a camisola branca molhar com seu suor. Sentindo seu rosto arder e se contorcer num instante de dor intensa, sentindo as pernas falharem e a respiração que prendia implorar por liberdade. Fechou os olhos buscando dentro de si um último fôlego e então o ouviu.
O choro veio baixinho, calmo e manhoso. Veio acompanhado do alívio e de uma súbita vontade de chorar, foi quando Helena se deu conta que não estava mais sozinha naquele mundo.
— É tão pequeno... — A parteira sussurrou, embora não demonstrasse grande preocupação — Mas é saudável... meus parabéns Milady — Disse terminando de limpar o bebê — É um menino.
— Um lindo menino... — Isabel elogiou assim que o tomou nos braços a fim de entregá-lo à irmã. — Me ajudem a sentá-la direito na cama... e tragam um pouco de água para ela, está exausta. — Pediu aos criados — Vou deixar que o segure por um momento... — Disse colocando o bebê sobre um dos travesseiros postos no colo de Helena.
A lady suspirou ao senti-lo tão perto, quase não tinha coragem para olhá-lo. Mas o choro baixinho continuava, fazendo com que seu coração palpitasse com tamanha realização. Era tão lindo e sequer sabia como exprimir a beleza dele em palavras, os cabelos de tom castanho eram fartos para um bebê tão pequeno e a pele quase tão transparente quanto a de qualquer russo ou europeu. A boquinha formava um quase perfeito coração e o nariz era inegavelmente igual ao de Helena.
— Ele é perfeito — Disse em voz alta — Perfeito, perfeito... meu filho... — Falou emocionada.
— Minha irmã... — Isabel chamou sua atenção — Preciso levá-lo.
— Levá-lo? — Questionou confusa — Para onde?
— Uma ama de leite irá alimentá-lo... ele deve estar faminto.
— Mas... eu devo ter leite, sei que devo... — Disse confusa
— Querida... não é isso. Você está muito doente... e é contagioso, ele não pode ficar com você até que fique saudável outra vez. — Isabel explicou — Eu sinto muito... sei que não gostaria de se separar dele agora, saiba que dói em mim ter de fazer isso... mas é para o bem dos dois.
As lágrimas desciam pelos olhos de Helena, tristes como se seu coração tivesse se partido ao meio. Lhe doía imensamente ter que ficar longe do menino, já o amava de maneira incondicional.
Isabel o pegou no colo outra vez, sem deixar de admirar o sobrinho. Era uma alegria para ela compartilhar daquela felicidade com Helena.
— O médico vem examinar você enquanto este pequeno rapazinho vai comer e dormir um pouco. — Disse em um meio sorriso — Oh... veja... — Falou em surpresa mostrando para Helena — Ele está abrindo os olhos...
— De que cor são? — A lady perguntou curiosa
— Azuis. — Respondeu maravilhada — Cristalinos, iguais ao do pai. É realmente um menino muito lindo e saudável, minha irmã. Contrariou todas as expectativas, não é mesmo? Nem a lua minguante foi capaz de detê-lo — Comentou alegre lembrando-se da superstição.
— Milady, já escolheu um nome? — O padre que ainda estava ali chamou a atenção das duas.
Helena apenas o olhou somente mais uma vez para ter certeza da escolha.
— Darei a ele o nome de Valentin, igual a nosso pai. — Respondeu com os olhos cheios de lágrimas novamente.
— Que a graça do Senhor esteja com você Lorde Valentin, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. — Disse dando a benção ao menino.
— Que seja tão forte e valente como o avô dele foi. Lorde Valentin Alexis de Alexievna e Williams — Helena disse.
— Alexis? — Isabel a fitou surpresa — C-como... como a minha...
Helena sorriu.
— Em homenagem a pequena Alexia, para nunca seja esquecida.
— Oh... Helena...
— A amo minha irmã... obrigada por tudo. — Disse recebendo um olhar amoroso de Isabel — Agora vá, cuide de meu filho e dos meus sobrinhos. Eu ficarei bem... eu lhe prometi.
Deu nem pra sentir minha falta dessa vez, hein??
Ahhh que capítulo foi esse? To boazinha demais gente... ou não, rs. Aziz que me perdoe.
Amo uma cena de parto haha Mais um bebezinho veio ao mundo, gostaram?
E a conversa entre Said e Robert? Concordam com o ponto de vista do sheik?
Deixem seus comentários, volto em breve. Bjosss
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