Capítulo XXI
Capítulo todo dedicado ao Robert... hora de descobrir por quais caminhos o destino está levando nosso joalheiro.
Índia – Meses antes
Robert era levado as pressas pelos guardas por entre as ruelas indianas, se sentia fraco e seus olhos quase não podiam se manter abertos diante a luz do sol. Perdera a conta de quantos dias, semanas, quem sabe meses ficara preso no calabouço do castelo.
O ar que deveria lhe dar um pouco de fôlego fresco e puro o incomodava, como se recusasse a fazer seus pulmões respirarem da maneira certo. Tudo parecia de cabeça para baixo, como se o lugar dele não fosse mais ali. Como se Robert não fosse mais bem-vindo no mundo de cores que era Índia.
Talvez de fato, estivessem o levando para sua sentença de morte. A sensação de que perderia sua vida em poucas horas se tornavam cada vez mais palpável. Assim, continuou o caminho todo com a cabeça abaixada fitando os sapatos desgastados e cobertos de poeira vermelha. As correntes que mantinham seus braços atrás de seu corpo pesavam e pareciam comer a carne de seu pulso. Mas Robert sequer conseguia distinguir dor física da dor que sentia por dentro naquele momento.
Estava assustado. Estava com tanto medo. E outra vez, quando ao seu redor tudo desmoronava, pensou em Amber.
Pensou nos olhos dourados que tanto amava. Pensou na cútis corada e bronzeada que somente ela tinha, pensou nos longos cabelos negros que sempre insistiam em cair sob sua face. Pensou nos sorrisos, nas risadas altas e livres que ela costumava dar.
Ele não evitou esboçar um meio sorriso ao lembrar-se de muitas cenas de Amber ao seu lado.
Pensou na alegria que ela sentia quando dançava e de quantas horas da madrugada ele dedicou nos bailes esperando que ela acabasse sua diversão. Pensou em quantos nascer e pores do sol os dois haviam contemplado, pensou em quantas perguntas respondidas com outras perguntas tiveram.
Outra vez sorriu, Amber era impossível. Curiosa e enérgica.
Robert então se deu conta de que estavam se aproximando do centro de liderança da Índia. Seus minutos pareciam ser os últimos, talvez tivesse muitas outras coisas para pensar, outras pessoas de quem deveria se lembrar. Seus pais deveriam sofrer muito, seus amigos, Jade...
Sorriu novamente.
Jade havia se tornado uma boa amiga e confidente. E embora não fosse a irmã, sua companhia sempre fora muito agradável. O joalheiro tinha consciência de que a jovem princesa havia feito de tudo para que a sentença dele fosse aliviada. Talvez tivesse implorado ao sheik por sua vida, talvez tivesse acobertado as aventuras da irmã. Mas Robert sabia que mesmo ela, sendo filha de um dos líderes, não poderia fazer muito por ele. Não quando ele havia tocado em um dos poderosos.
E mesmo sabendo que deveria pensar em questões muito mais sérias, Robert só pensava nela. Só pensava em Amber. Talvez seu destino fosse aquele então, amá-la de tal maneira que somente a morte poderia acabar com aquele sentimento.
Olhou então para o alto, o sol reluzindo forte sob sua face. Havia chegado a hora. Os guardas o fizeram subir a extensa escadaria, adentrar os amplos corredores da sede e embora não fosse proposital, o fizeram ser fitado por todos que passavam. As pessoas cochichavam, o olhavam como se fosse uma aberração, como se tivessem medo dele.
Suspirou. Não estava mesmo nos seus melhores dias.
– Entre. – O guarda ordenou quando pararam em frente a uma porta – Outros irão acompanhá-lo até o lugar onde deve ficar. – Informou abrindo a porta – Você me entendeu?
Robert acenou com a cabeça afirmando. Suas mãos suavam, estava afoito, aflito, com um sentimento irreprimível de perda. Não sabia exatamente o que, mas sentia que havia perdido.
– Robert – O soldado que se encontrava atrás dele o chamou – Não olhe nos olhos deles. Não fale nada além do necessário. Se controle e se tiver sorte terá uma sentença branda. – Lhe aconselhou, dando-lhe um tapinha nas costas em cumplicidade.
Ele apenas engoliu seco e fitou o interior da grande sala que o esperava. Era um perfeito e assustador tribunal. Muitos homens estavam ali, muitos dos quais Robert ouvira seu pai comentar serem de muito poder e por vezes cruéis com quem estivesse abaixo deles. E naquele momento o joalheiro valia menos que a poeira que grudara em seus sapatos.
Outros guardas o acompanharam até uma espécie de cadeira que ficava no centro salão enquanto ao seu redor estavam os homens sentados em arquibancadas de piso branco. Notou então que tudo ali era branco, desde o chão até os detalhes no teto. Se sentiu exposto, o branco parecia iluminar todos os seus defeitos, parecia transparecer todos os seus pecados.
Levantou o olhar ao se sentar ainda acorrentado. E viu Said e Jasper o fitando, um com a feição mais preocupada que o outro, embora não demonstrassem qualquer sentimento de raiva sobre ele. Passeou o olhar tentando não fazer com que notassem que fazia aquilo e encontrou na lateral direita de sua cadeira, Abdul.
Seu sangue logo ferveu. O líder de exportações lhe dava um riso sarcástico, tinha a pose altiva e intocável. Exibia o rosto moreno sem qualquer lembrança de que um dia tivera levado uma surra de Robert. Junto dele muitos homens o fitavam com o olhar igualmente presunçoso, como se quisessem intimidar o joalheiro e de fato pareciam conseguir.
– Sentem-se senhores – Um homem que deveria ser o juiz se aproximou de onde ele estava e disse se colocando num cadeira mais alta e imponente. – Hoje reabrimos um caso arquivado a alguns meses. O réu em julgamento se trata do joalheiro real Lord Robert Willians, acusado de agressão, injúria, desacato e traição da pátria pelo atual líder de exportações marítimas Lord Abdul Faissar.
Robert arfou ao ouvir sobre suas acusações. Ora, ele apenas havia dado uma pela surra naquele infeliz, nada mais que aquilo. Desde quando tocar em Abdul era considerado um crime de traição da pátria? Era inacreditável, estavam-no acusando injustamente.
Tinha que fazer algo. Tentou se mexer, mas as mãos atadas não deixavam e então seus olhos procuraram ajuda do sheik, que o olhava negando com a cabeça. Ele precisava ficar quieto. Precisava se controlar.
– O senhor Abdul foi absolvido a alguns meses das acusações que recebera, referentes ao seu então envolvimento com a princesa Amber Al-amim Mamun. Neste tribunal ficou decidido que apesar de suas próprias afirmações durante o baile no castelo real, faltavam provas evidentes de que o mesmo havia de fato se envolvido intimamente com a princesa e por isso considerando a grande estima que todos tem por ele, foi declarado inocente.
Robert viu as mãos de Said se fecharem em completo ódio. Apesar de já terem passado meses desde o fim do caso aquela informação parecia mexer com ele profundamente.
– Sendo assim – O juiz pigarreou – Restara apenas esta questão entre o senhor Abdul e o senhor Robert, este que permaneceu em cárcere durante todo o tempo aguardando o julgamento. – Pausou observando se todos prestavam atenção. – Portanto, iniciamos a sessão. – Disse batendo um martelinho em sua mesa.
Horas e horas haviam se passado.
Horas em que ele fora acusado e humilhado de tantas maneiras possíveis. Embora Jasper e Said tentassem avidamente o defender , o tribunal já parecia ter sua sentença.
Talvez tivessem-na desde o início. Talvez sempre souberam o fim que teria o joalheiro. Mas as boas aparências e as leis ordenavam que ele tivesse direito a um julgamento, no entanto Robert sequer teve chance de se defender. Mas quem era ele aos olhos daqueles homens se comparado a Abdul?
Fechou os olhos ao ouvir a voz do juiz se sobressair outra vez
– Fica decidido então que o réu é culpado! – Declarou enquanto os homens pareciam urrar comemorando – Silêncio senhores! Silêncio! – Falou batendo o martelo novamente. – A pedidos do sheik, o réu não será sentenciado a forca. No entanto, considerando seus crimes será enviado para a corte Russa, onde servirá a eles como soldado.
Robert não sabia se ficava aliviado.
– Caso encerrado! – Ele continuou – Tenham uma boa noite, senhores. Guardas! Levem-no para o busquem ainda hoje e o levem para o império russo. – Declarou e então saiu acompanhando a multidão que também se retirava do salão.
Os guardar imediatamente se puseram a levá-lo para fora.
– Robert – O príncipe correu até ele – Meu amigo... – Disse em um respirar profundo – Fizemos o que pudemos... eles.. Eles iriam matá-lo. – Disse com pesar
– Eu agradeço, meu amigo – Falou, a primeira coisa que dissera durante todo aquele tempo.
– Servirá no exército Russo, terá alimento, moradia. – A voz de Said se fez presente – Com sorte e sei que terá, poderá mostrar a eles suas habilidades com as joias e será promovido. – Falou se aproximando dele – Filho... – Disse carinhosamente, afinal o conhecia desde menino – Seus pais ficarão bem, estão instalados no castelo. É a sua chance de construir uma vida nova. Que Allah te proteja. – Falou o puxando em um abraço desajeitado pois ainda estava acorrentado.
– Obrigado, por tudo. – Foi tudo o que ele disse. Tinha mais para falar, mas não conseguia.
E assim, o levaram.
Foram dias e dias em viagem. De fato ao chegar fora tratado muito bem, o exército o recebera com respeito, o alimentaram, lhe deram roupas e local para dormir. Tudo parecia progredir nos primeiros dias, mas Robert não esperava que o Império Russo entrasse em guerra.
Então tudo mudou outra vez.
*
Império Russo - Um tempo depois
– Vamos soldados! Acordem!
O grito do comandante podia ser ouvido por toda a instalação onde dormiam os fazendo levantar rapidamente. O dia sequer havia amanhecido e Robert já se encontrava vestido com uma pesada armadura de prata. Incomodava, apertava, e com toda certeza o sufocava.
– Todos em seus lugares! Agora! – Gritou outra vez, fazendo os soldados se posicionarem em perfeitas fileiras.
Todos os dias eram daquele jeito desde que a guerra havia sido anunciada. O primeiro grupo de homens já havia sido enviado para as fronteiras russas enquanto o restante permanecia no território aguardando ordens para que fossem se juntar ao batalhão.
O joalheiro ainda estava muito fraco e apesar dos esforços e boa alimentação não havia recuperado toda a massa muscular e força que perdera em seu tempo prisioneiro na Índia. Assim, quando os treinamentos começavam Robert costumava ser um dos primeiros a cair no chão ou se machucar fazendo com que ficasse de lado.
Os russos não eram muito comunicativos e se tratavam de homens muito altos e com montanhas de músculos no corpo fazendo com que ele se sentisse pequeno demais perto deles. Robert tinha certeza que conforme os dias passavam, sua morte estava cada vez mais próxima. Morreria em batalha, seria o primeiro a cair. Não restava dúvida.
– Encontrem um parceiro e lutem – O comandante disse – Vamos! A guerra chegou! Vamos, vamos! – Disse batendo com a espada em seu escudo. – Peguem suas espadas e lutem como homens! Vocês me entenderam? – Gritou novamente
– Sim, senhor – Todos responderam em uníssono, batendo igualmente suas mãos em seus escudos.
Robert respirou fundo pegando a espada presa em sua armadura com certa dificuldade. Procurou com os olhos algum soldado próximo a ele que estivesse disposto a lutar, mas ao que parecia todos já haviam encontrado seus parceiros. Não era de se surpreender.
Bufou irritado.
– É claro que não querem lutar comigo – Disse em voz alta para si mesmo – Sou um fracassado, um nada. Fracassado, Robert, fracassado...
Murmurava palavras indescritíveis enquanto se ocupava em enterrar a ponta da espada na neve que cobria o pátio. Ficara ali observando os outros lutarem por um tempo considerável até, por fim, se distrair.
Ainda os fitava quando sentiu uma espada em seu pescoço. No primeiro momento fechou os olhos pensando que morreria naquele mesmo instante. Logo depois percebeu que não fazia sentido ser morto no meio do pátio de treinamentos e por último se deu por vencido virando-se para olhar quem o havia ferido.
– Se continuar dizendo que é um fracassado, terei que concordar. – O soldado em sua frente disse. – Lute comigo.
Robert não conseguia identificar quem era o soldado em questão por conta da armadura que cobria seu rosto, mas não deixou de sorrir sarcástico. O homem a sua frente parecia ser muito menor que ele, e com toda certeza aparentava ser mais fraco. Mesmo que não tivesse em seus melhores dias, o joalheiro sabia que poderia derrotá-lo facilmente.
– Tem certeza? – Robert questionou
– Está com medo de perder?
Ele riu outra vez. O soldado só podia brincar, não era possível.
– Não. Não tenho medo – Se limitou a dizer
– O que está esperando então? – Disse em um desafio velado
Assim Robert se aproximou sacando a espada ainda fincada na neve, posicionando-a frente ao corpo com os braços postos nas posições que havia aprendido. Não deixou de escutar um riso irônico do outro, o que por sua vez fez com que se irritasse ainda mais.
Então começaram o embate. No primeiro momento pareciam apenas estudar os próximos passos um do outro, indo e vindo, andando em círculos. O pequeno soldado a sua frente tinha as pernas rápidas e parecia extremamente confortável em continuar com aquilo por horas, mas Robert não tinha sequer fôlego para tanto.
Começara a sentir os pés formigando por conta do frio, e em seu peito o ar quase não entrava mais. Não deveriam parar? Fazer uma pausa apenas para que ele pudesse...
O primeiro golpe veio certeiro em seu lado direito, o fazendo cambalear para trás e instintivamente colocar a mão no braço. Suspirou ao perceber que fora golpeado apenas na armadura, não havia sido ferido. Assim voltou a se posicionar e lutaram outra vez.
Um golpe e então mais outro e no que pareceram horas Robert finalmente percebeu o soldado se cansar, os passos já estavam mais lentos e ele já não se preocupava em atacar, apenas se esquivava das investidas do joalheiro. Ele não deixou de sorrir, era o instante que ele precisava para vencer.
Atacou outra vez.
E então mais outra, até que seu corpo quase cobrisse o soldado e o golpeou novamente. O suficiente para que o soldado caísse ao chão sentado, segurando uma das pernas com força. Ele parecia grunhir, embora a armadura que tampava seu rosto não deixasse que Robert o ouvisse com clareza.
Então ele viu. O sangue manchava toda a extensão de neve ao redor dele. Sangue esse que se esvaia das frestas da armadura do soldado caído em sua frente.
Robert praguejou. Era mesmo um estúpido. Não haveria de saber lutar sem ferir um de seus companheiros?
– Espere não se mexa – Disse vendo que o soldado ameaçava se levantar – Não vai conseguir andar assim.
Se aproximou então, e imediatamente o soldado tentou se afastar.
– Eu não vou te machucar outra vez, foi um descuido. – Disse com pesar em sua voz – Venha, te levarei de volta a instalação. Poderão cuidar de seus ferimentos lá. – Falou se aproximando o suficiente para que pudesse ajudá-lo a se levantar.
Demoraram alguns segundos para que o soldado desse a mão a Robert, e se não estivesse se sentindo tão culpado e atento ao que acontecia, não teria percebido o quanto as mãos cobertas pelas luvas de prata era pequenas e delicadas.
Ouviu o soldado grunhir outra vez. Parecia se conter, parecia querer gritar embora estivesse evidente que tentava se manter em silêncio.
– Está tudo bem se quiser gritar ou me golpear de volta – Disse com certo humor ao ouvi-lo outra vez – Se apoie em meu ombro, te ajudarei a chegar na enfermaria do exército.
Mas o soldado fez que não. E apertou a mão de Robert com tamanha força que ele quase pode ver estrelas. Fez que não mais vezes que ele conseguiu contar.
– Quer ir para outro lugar? – Questionou embora achasse estranho.
Ele fez que sim.
– Onde?
Ele apontou para os jardins do castelo.
– Para os jardins?
Ele fez que sim outra vez.
– Se não falar será difícil de entende-lo... – Disse com pouca paciência.
– Apenas me leve para a droga do jardim... – O soldado respondeu entredentes, baixo de mais, quase em um perfeito sussurro.
Robert suspirou. O que mais poderia fazer? Então o arrastou apoiando o peso dele em si e o levou até a parte mais afastada dos jardins, onde acabara encontrando uma estufa a qual certamente o soldado conhecia.
Adentraram o pequeno local e ele sentou o soldado no único banquinho disponível ali. Ouvi-o reclamar ou talvez apenas falar consigo mesmo, o que de qualquer maneira era muito estranho.
– Precisa retirar a armadura, está sangrando muito. – Robert disse chamando sua atenção. – Não quero ser responsável por sua morte. Precisa estancar o sangue..
– Eu sei, não se preocupe. – Respondeu entredentes novamente – Obrigado por me trazer, pode ir embora.
Robert o olhava incrédulo, embora o soldado não pudesse ver seu rosto. O que ele estava pensando? Ficaria ali com a perna sangrando?
– Mas você...
– Eu sei! – Disse dessa vez o cortando – Sei me cuidar sozinho, pode ir embora!
Era inacreditável. Robert bufou inconformado. E saiu da estufa deixando que a porta de vidro se batesse com força. Saiu, apenas para voltar momentos depois com alguns panos quentes e agulhas.
Quando adentrou outra vez a estufa encontrou o soldado de costas para ele, já havia retirado parte da armadura que cobria sua cabeça e ao que lhe parecia vendo um pouco de longe era que chorava.
Robert pensou que estava vendo e ouvindo coisas, mas tinha certeza que aquele choro era fino demais e os cabelos castanho avermelhados que caíram longos quando o soldado se mexera, com certeza, não eram masculinos.
Pigarreou fazendo com que o então soldado se assustasse olhando para trás. E então o coração de Robert parou. Descompassou e retumbou forte, instantes depois. Estava surpreso, é claro. Mas... não saberia dizer porque seu coração batia frenético.
– Você... você é uma mulher – Disse porque não sabia exatamente o que falar.
Talvez tivesse de ficar com raiva, ela nunca deveria chegar perto nas instalações do exército e em hipótese alguma deveria lutar com um deles. Robert pensou que ela tivera muita sorte que havia sido ele, pois se fosse outro... Mas logo sacudiu a cabeça em negação a seus próprios pensamentos. Certamente outro em seu lugar não teria a ferido.
– Eu não disse para ir embora? – Ela finalmente o respondeu, com certa petulância – Mas que droga! – Praguejou revirando os olhos para ele que continuava parado a fitando.
– Você é uma mulher – Repetiu porque era difícil acreditar
– Está brincando? Não me diga, está evidente não está? – Disse arqueando as sobrancelhas para ele.
– É só que você não deveria estar aqui, não deveria.
– Não é você quem decide onde eu devo estar. – Resmungou e logo uma feição de dor surgiu em sua face, a levando apertar com força a perna ferida.
Robert ficou em alerta.
– Preciso limpar o ferimento. – Ele disse se aproximando dela – Se continuar aqui vai sangrar até morrer – A informou e viu em seus olhos tão azuis quantos os seus um rastro de medo.
Ela fechou os olhos e respirou profundamente virando seu corpo totalmente para frente.
– Faça logo, tenho que voltar para casa cedo. – Disse vacilante.
Assim ela retirou a armadura, e tudo o que a cobria em baixo era um fino tecido de linho branco que havia se tornado descartável com tanto sangue o manchando.
Os olhos de Robert então seguiram seus movimentos, ela retirou as botas, deixando que os pequenos pés repousassem no chão frio da estufa. Retirou o restante da armadura que cobria seu dorso, ficando ali da maneira que sempre haveria de ser, sem qualquer lembrança de que se vestira de soldado.
Robert arfou. Ela era linda.
– Vai continuar mesmo me olhando com essa cara? – Ela questionou.
Linda e sem filtros.
– Me-e desculpe – Ele disse limpando a garganta – Vou limpar o ferimento.
Era linda, sem filtros e o deixava como um completo tolo.
O joalheiro se ajoelhou frente a ela, deixando em seu lado a bacia com os panos quentes. Molhou um a um na água e com a delicadeza que não sabia possuir colocou em cima do corte aberto na coxa dela. Ele engoliu seco, certamente ficaria com uma cicatriz.
– Não me importo com a cicatriz se quer saber – Ela disse como se tivesse lido seus pensamentos – Não é o que faz os grandes soldados? Não é isso que os garante honra e glória? Cicatrizes de guerra? – Perguntou com um certo ar de divertimento.
– Você é louca? – Perguntou incrédulo
Recebeu dela um olhar incisivo. Deveria mesmo continuar?
– Me desculpe – Ele disse parecendo acabar com a conversa, embora não pudesse conter sua indignação – Você poderia ter morrido... poderia ter se ferido seriamente, eu nem sequer consigo listar todos os motivos pelos quais não deveria ter feito o que fez hoje – Terminou, fazendo-a grunhir com o toque na ferida.
– Quem você pensa que é para me falar tais coisas? – Questionou irritada
– Alguém mais sensato que você – Disse sarcástico – Vou precisar costurar – Informou pegando as agulhas que havia trazido.
Ela apenas concordou com a cabeça, não se demorando muito a olhar para a coxa que já havia parado de sangrar.
– Vocês homens acham que são os únicos que podem fazer estas coisas – Ela disse – Acham que são os donos do mundo.
– Não acho que seja verdade – Ele respondeu
– É claro que acha, apenas é cavalheiro demais para discordar – Disse o olhando enquanto Robert se concentrava em colocar a linha dentro da agulha. Ela bufou – Me dê isto aqui, será mais rápido se eu o fizer. – O olhou triunfante quando na primeira tentativa a linha entrou – Talvez realmente não consigam dominar o mundo, não totalmente pelo menos – Comentou entregando a agulha para ele.
– Não concordei com a senhorita – Ele retrucou – Apenas não creio que os homens se acham os donos do mundo, somos exatamente isso.
Ela quis se mexer em puro ódio
– Se fizer isso outra vez acabei a machucando – A censurou enquanto enfiava a agulha em sua carne.
Robert a viu sufocar um grito e apertar os olhos como se pudesse controlar a dor que sentia.
– É muita petulância sua falar algo assim. – Ela reclamou ignorando o que acontecia em sua perna – Não se sente mal por ser detentor de tanto poder?
Robert quis rir.
– Não sou eu quem detenho o poder. – Ele deu de ombros – Se eu tivesse qualquer mísero poder não estaria aqui.
– Então não deveria generalizar – Ela retrucou – Mas entendo sua colocação, é mais fácil se imaginar sendo um deles. – Disse fechando os olhos ao sentir a ferida em sua coxa se fechando por completo – É difícil conversar sem poder saber com quem falo – Disse batendo de leve na armadura que Robert ainda usava.
– Não me lembrei de tirá-la, sinto muito. – Deu de ombros outra vez – Acho que já está bom, fiz o meu melhor... as enfermeiras teriam feito um trabalho melhor se tivesse ido à enfermaria.
– Não acho que seja verdade, teriam ficado histéricas. – Ela comentou – Não é sempre que se encontra uma mulher ferida assim. Além disso... eu estaria encrencada.
– Tem razão – Ele concordou se levantando.
O joalheiro então, por fim, retirou a armadura que cobria seu rosto, apenas para poder contemplar o olhar astuto e incrivelmente surpreso da dama a sua frente.
Ele pensou ter visto-a arfar, mas talvez tivesse sido coisa de sua mente.
– Precisa de ajuda para voltar pra casa? – Ele perguntou
– Não, não. – Ela se apressou em dizer – Consigo voltar sozinha, não fica muito longe.
Ele apenas assentiu.
– Helena – Ela disse o fazendo a olhar duvidoso – Meu nome... é Helena – Falou se explicando
Ela parecia decidida, ele percebeu. Decida a fazê-lo lembrar-se dela. Decidida certamente a deixar que os pensamentos de Robert começassem e terminassem com ela. Ela sabia o que estava fazendo quando estendeu uma das mãos para que ele beijasse em cumprimento.
Seria impossível não lembrar-se dela. Dos cabelos avermelhados, dos olhos de um límpido azul, das feições que indicavam que ainda era muito jovem. Certamente ela era jovem demais, ainda possuía um misto claro de sua mocidade com o aflorar da idade adulta. Mas não importava muito, era bela. E talvez a personalidade a deixasse um pouco mais velha do realmente era, mas como haveria de saber? Seria indelicado perguntar sua idade.
– Robert, meu nome é Robert – Ele disse pegando a delicada mão da dama e levando ao encontro de seus lábios.
Helena usava um belíssimo solitário em seu dedo, cravejado de pequeninos diamantes, o que ao olhos do experiente joalheiro não passaram desapercebidos. Não poderia ser camponesa, e certamente não era filha de comerciantes. Não haveria de ter parentesco com os militares do alto escalão, embora o interesse pelas lutas fosse claro, nem mesmo eles possuíam riquezas para comprar um anel tão precioso. Só haviam duas opções, ou ela era noiva de um nobre ou Helena só poderia vir de um lugar, um do qual Robert estava muito familiarizado.
– O que tanto olha, senhor? – Ela perguntou curiosa – Há algo de errado com meu anel?
– Não, não há – Ele negou – É uma bela joia. Tem muito bom gosto, senhorita – Elogiou disfarçando seu repentino interesse sobre a procedência da dama.
– Tem razão – Ela o respondeu com um sorriso – Costumo ter bom gosto com tudo.
Se não estivesse tão debilitado mentalmente, Robert poderia jurar que ela flertava com ele. E o joalheiro nunca fora conhecido por sua timidez, muito pelo contrário, há tempos era chamado de cafajeste. Não era possível que tivesse deixado sua fama ou ao menos sua essência para trás. Mas talvez, agora que observava os olhos azuis de Helena o estudando avidamente sentisse que ser o mesmo Robert de antes já não valia a pena.
Ele tinha a chance de recomeçar.
– Não tenho dúvidas – Ele devolveu – Tem certeza que não quer que eu a acompanhe até em casa? – Perguntou outra vez mudando o assunto com sutileza.
– É um perfeito cavalheiro, Robert – Ela disse zombeteira – Mas até mesmo as damas mais frágeis podem seguir seus caminhos sozinhas. Chegarei em casa tão rápido quanto lhe atingi com a espada. – Falou olhando o pequeno corte superficial que fizera no pescoço dele quando o abordou mais cedo.
Instintivamente ele levou uma das mãos até o local ferido, sequer havia se lembrado do corte. Negou com a cabeça como se não pudesse acreditar na mulher que havia em sua frente. Helena era diferente, ele não precisou de muitas horas com ela para perceber.
– Preciso voltar para o treinamento – Ele indicou finalmente se lembrando que tinha compromissos – Já devem ter sentido minha falta.
– Duvido – Ela disse – É um péssimo guerreiro, eles nem se lembrarão de você. – Ela deu de ombros quando ele a olhou incrédulo. – O que? Estou dizendo a verdade.
– Nenhuma compaixão?
– Sinto muito – Ela riu, o que fez Robert acompanhá-la também – Irá para a guerra? – Perguntou e dessa vez parecia sinceramente preocupada.
– Parece que não tenho outra opção – Ele respondeu com certo pesar – É o que os soldados fazem – Disse como se aquilo explicasse.
Ela pareceu concordar.
– Tenho a impressão que você não é exatamente quem diz quem é. – Ela disse
– Posso dizer o mesmo, Helena. – Respondeu e o nome dela parecia dançar em seus lábios.
– Um segredo e eu irei embora –Falou desafiadora
– Eu era joalheiro da realeza oriental – Ele confessou sem medo.
– Isso explica muita coisa – Disse pensativa
– Sua vez, me conte um segredo.
– Me visto de guerreiro às vezes – Disse e um singelo sorriso surgiu em sua face
– Mas isto eu já sei... – Respondeu divertido
– Não deixa de ser um segredo – Deu de ombros.
Era esperta, ninguém poderia negar.
– Está bem – Ele riu – Preciso mesmo voltar – Disse e dessa vez era com vontade de ficar.
– Foi uma honra conhecê-lo, Robert – Ela falou lhe fazendo uma reverência, embora ele sequer estivesse em uma posição à altura do cumprimento – Espero que sobreviva para que eu possa vê-lo outra vez.
Helena não esperou que ele lhe respondesse, com um último olhar se retirou da estufa e sumiu por entre as árvores do jardim.
– Também espero vê-la outra vez, Helena. – Respondeu mesmo que ela não estivesse mais ali.
Semanas depois Robert foi para a guerra e os russos não tiveram notícias de seu batalhão por meses. Todos foram dados como mortos.
Vocês lembram do soldado misterioso do primeiro bônus? Pois é, olha só quem é... (cá entre nós, que homem bonito rsrs)
Só vontade de socar a cara de Abdul de novo, ninguém merece... foi inocentado meninas, dá pra acreditar???'
Mas... ainda bem que nosso joalheiro foi "salvo", que sorte porque tenho muita história pra ele ainda.
Personagem nova na área... vamos mexer com os corações nesse livro, haha. Tem foto da Helena lá no capítulo dos personagens pra quem quiser vê-la.
Comentem muuuuito, talvez volte ainda essa semana com mais para vocês
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