Capítulo XII
– Aziz... Aziz... – Ouviu a voz de Fátima o chamar assim que entrou nos aposentos batendo a porta da mesma maneira que havia feito no quarto de Amber poucos minutos antes. – Onde estava?
– Não quero conversar – Respondeu seco se dirigindo a mesa de chás que havia no dormitório.
– Mama – Desta vez foi Samira quem falou – Acho que Aziz está apaixonado – Disse entre risos o que fez os dois olharem para ela, embora o olhar de Fátima tenha sido de completa surpresa os olhos verdes Aziz exalavam puro ódio.
– Cale-se, Samira! – Respondeu nervosamente – Não sabe o que está falando. Como poderia me apaixonar por alguém que conheço a um dia ou dois? Mal trocamos palavras. – Respondeu raivoso enquanto bebericava o chá quente.
– Então porque está se justificando? – Arqueou as sobrancelhas para o irmão esperando outra resposta mal criada de Aziz. – Admita que gosta dela, não tirou os olhos da princesa durante o baile todo e nos surpreendeu tomando a mão dela em casamento daquela maneira – Disse em tom de brincadeira vendo Aziz bufar com sua petulância.
Fátima observava atenta a conversa dos filhos, e apesar de no fundo sentir alegria por tê-los juntos ali seu coração apertava com a possibilidade de Samira estar certa. Das muitas coisas as quais almejava usufruir daquele casamento a oportunidade de fazer o sheik e a princesa sofrerem por tudo o que lhe causaram era perfeita e Amber era a pessoa ideal para isto. Sua mente começara a ferver com a possibilidade de Aziz se apaixonar pela jovem e se isso acontecesse seus planos iriam por água a baixo, pois sabia que o filho protegeria a princesa com unhas e dentes.
– Aziz – O chamou os tirando da breve discussão entre irmãos – Você não está se deixando levar por seus sentimentos, está? – Questionou estudando as feições do filho – Você quebrou aquela garrafa pensando no melhor para o Império, no melhor para todos nós. Quebrou aquela garrafa para não dar nenhuma brecha para que atrapalhassem este casamento, não foi? – Questionou mais, sentindo sua veia saltar em sua têmpora.
– É claro – Respondeu sucinto, embora a rainha não tenha visto verdade em seus olhos.
– Aziz – Falou outra vez – Esta princesa é a nossa única chance de reerguermos o império, de recuperar tudo o que tomaram de nós. Você sabe tudo o que está em jogo, não sabe? Estamos enfraquecidos, as guerras nos devastaram, seu tio terminou de nos destruir... não podemos errar. Amber não é uma noiva de verdade. Ela é o nosso trunfo e não nos apaixonamos por trunfos. – Disse com o tom ameaçador que o futuro imperador já conhecia muito bem. – Eu fui clara, Aziz?
– Sim, rainha. – Respondeu a chamando pelo título, como fazia em todas as vezes em que sabia que Fátima não falava como sua mãe, mas como a governante de todos os vermelhos.
*
– Ridículo! Parvo! – Amber gritava para a porta ao mesmo tempo que arremessava os arranjos de flores contra a madeira – Quem ele pensa que é para me dizer aquelas ousadias? Quem ele acha que é para me desafiar?
A porta se abriu antes que pudesse arremessar outro arranjo revelando Jade que logo se esquivou da mira da irmã.
– Por Alah! O que está fazendo? – A olhava surpresa pelo ataque de histeria de Amber – Abaixe essa vidraria, não quero morrer hoje. – Disse adentrando os aposentos.
Amber bufou enraivecida, sentindo seu sangue ferver cada vez que a conversa com Aziz passava por sua cabeça. Em sua mente imaginava cada cena que teria convivendo com ele e em todas seu único consolo era vê-lo com ódio tanto ódio que a única saída que ele teria era devolvê-la. No entanto, apesar de seus pensamentos irem a favor de seus desejos o rumo que sua vida tomava nem sempre a agradava.
– Mama me mandou para ajudá-la a arrumar seus baús – Jade falou chamando sua atenção. – Sei que não quer ir, Amber... – Suspirou conhecendo o temperamento explosivo da irmã – Mas não há muito o que possamos fazer... além disso papai está irredutível, prefere que você vá com eles do que fique aqui.
Aquela revelação machucou Amber mais do que a irmã poderia imaginar. Saber que Said a queria longe deles doía demais, a massacrava por dentro, doía pois nada do que Abdul havia dito na noite anterior era verdade embora ela não pudesse provar o contrário afinal na noite do festival quase se entregara a ele e somente aquele ato já a condenava.
– Pode pegar meus sáris lá atrás? – Perguntou fazendo Jade se afastar um pouco para que pudesse limpar as lágrimas fugitivas que caiam de seus olhos. Não queria que a irmã soubesse o quanto estava sofrendo com tudo aquilo.
Amber respirou profundamente quando a irmã retornou e esboçou o melhor sorriso que conseguia naquele momento e as duas passaram o resto da tarde dobrando e colocando os sáris, véus e abayas dentro dos imensos baús. Estavam exaustas quando terminaram tudo e acabaram se jogando na cama exatamente da maneira que faziam quando eram mais novas.
– Sentirei saudades – Jade falou a olhando de lado – Você é uma boa irmã... a minha irmã e eu não consigo imaginar esse castelo sem você – Disse com a voz embargada.
– Minha pequena Jade... – Falou como costumava chamá-la quando criança – Também sentirei saudades, todos os dias. Eu prometo escrever cartas contando tudo o que acontecer lá, prometa que vai me escrever também – Disse com os olhos brilhando.
– É claro, toda semana escreverei – Respondeu sorrindo e logo seus olhos desceram vislumbrando o relicário que a irmã usava em seu pescoço. – Vai levar, não vai? – Questionou preocupada.
– Ele me odeia agora, Jade – Disse abrindo o relicário relendo os dizeres gravados por Robert – Ele disse que me amava... me amava como mulher... ele me queria como esposa, Jade. Ele me amava verdadeiramente e eu nunca percebi. – Revelou se entregando outra vez ao choro sentindo seu coração ficar miudinho e apertado.
Jade então a abraçou forte, acalentando a irmã. Doía nela ver Amber daquela maneira, doía nela ver a vida ser tão injusta e dolorosa. A jovem princesa não aceitava que as coisas tinham que ser como eram, como se nada fosse mutável. Jade também não gostava das regras, principalmente quando elas faziam quem ela amava sofrer.
– Deveria levar, e usá-lo. – Disse limpando as lágrimas do rosto dourado de Amber – Para que se lembre do Robert que cresceu ao seu lado, o Robert que te salvava dos inúmeros apuros e do Robert que te deixava ser quem você é. Lembre-se deste homem que passou horas em claro desenhando e esculpindo esse relicário, esse Robert te ama e é somente a isso que você deve se apegar.
– Shukran, Jade – Agradeceu a irmã a abraçando outra vez – O que eu faria sem você? – Questionou fazendo a princesa rir.
– Bem... – Disse fingindo pensar – Quase nada! – Falou fazendo Amber rir também – Já está noite, precisa se arrumar. Vamos jantar todos juntos no salão. – Os olhos da princesa brilharam com a possibilidade do pai a perdoá-la – Os vermelhos também – Mas logo viu que a noite seria longa e com prováveis desavenças.
*
A túnica verde de Aziz contrastava com os olhos, o futuro imperador havia parado em frente ao espelho para que pudesse terminar de se vestir enquanto podia se admirar. Gostava do que via, e estranhamente esperava que Amber também gostasse ou que ao menos dissesse que havia odiado aquela vestimenta, pois ela ficava muito bonita quando raivosa.
– Ficar se olhando no espelho não vai te deixar mais bonito, Aziz – Samira disse em provocação – Nem fazer ela te achar bonito – Disse se referindo a princesa.
– Quer parar com isso, por favor? – Ele se virou para ela, visivelmente sem qualquer resquício de paciência – Esqueça esse assunto. Você ouviu a rainha. – Respondeu se voltando outra vez ao seu reflexo.
– A rainha é nossa mãe, Aziz – Ela respondeu virando os olhos arrastando o vestido dourado indo em direção a ele. – Ela não pode mandar em tudo, você sabe disso.
– Samira... – Disse a advertindo – Ela tem razão, esse casamento é apenas uma fachada. Eu preciso me casar para tomar o trono e... bem... resolveremos de uma vez por todas essa guerra entre nós e esse povo.
– Eu não acredito em você – Falou fazendo-o franzir o cenho – Eu acho que você está apenas concordando com ela para que ela fique quieta e te deixe em paz. Eu acho que você está apaixonado pela princesa, e eu acho que nem você e nem ela se tocaram disso. – Disse cruzando os braços.
– Você é romântica, Samira. – Retrucou – Vê paixão onde não existe. Eu não a conheço, sequer a acho bonita. – Disse fazendo a irmã tossir em ironia – Estou falando sério, a beleza dela é questionável. Nossos filhos seriam feios. – Concluiu fazendo Samira gargalhar.
– Filhos? – Arqueou as sobrancelhas – É pior do que eu pensava... Aziz. Vai se casar porque sabe que mais cedo ou mais tarde amará esta princesa tanto quanto ama o império. Talvez a ame muito mais do que ama o povo. E eu estarei ao seu lado quando isso acontecer – Sorriu para ele vendo o quase revirar os olhos outra vez – Mamãe não precisa governar o seu coração, faça isso por você Aziz, faça por você. – Falou o abraçando forte.
– Está bem – Respondeu com um profundo suspiro – Vamos? Estamos atrasados para o jantar.
*
Amber desceu a escadaria acompanhada da irmã e do irmão que as encontrou no corredor do primeiro andar, aquele singelo momento a fez lembrar de todos os anos que fizeram aquele mesmo caminho naquelas mesmas posições todas as vezes que iam para o jantar. Se segurou para não chorar outra vez.
– Não me diga que vai chorar outra vez – Resmungou Jasper olhando para ela – Amber... todas as noites dessa semana você chorou copiosamente e eu não consegui dormir. Será que dá pra jantarmos sem esse derramamento de lágrimas?
– Jasper! – Censurou Jade o olhando brava – É um momento difícil, não seja insensível.
– Tudo bem.. – Amber deu de ombros nervosamente – Sinto muito Jas... você está certo, não posso mais ficar chorando pelos cantos nem me lamentando sobre o quanto Allah está sendo cruel ao me dar este destino.
– Am.. – Ele tentou dizer – Eu não...
– Vamos aproveitar nossa última noite juntos, vamos aproveitar o jantar meus irmãos. – Amber disse interrompendo a assunto e assim logo chegaram ao fim da escadaria.
O restante da família já estavam sentados em seus devidos lugares e os visitantes turcos como se precisassem lembrar o quanto eram indesejados ali haviam tomado os lugares de costume dos três irmãos que demoraram alguns segundos até escolherem novos lugares. Jade sentou-se ao lado de Samira, enquanto Jasper encontrou lugar em frente a elas, restando apenas uma cadeira vazia ao lado de Aziz o que fez a princesa se remoer por dentro.
– Perdoem o atraso – Ela disse ao se sentar
– Tudo bem, querida. Acabamos de começar – Respondeu Safira – Podem nos servir – Disse ordenando aos criados que começassem a servir a entrada do jantar.
O clima era tenso, ninguém de fato queria estar naquela mesa mas não podiam evitar o que já estava feito e como mandava o costume um jantar de despedido era o mínimo que poderiam fazer pela princesa. Embora Said permanecesse com a feição fechado durante todo o tempo, Amber ficou feliz com a presença dele na mesa.
– Então... como é o Império? Vermelho? – Jasper questionou fazendo a família o olhar em censura, enquanto os turcos seguraram o riso. – O que? Foi só uma pergunta! – Deu de ombros.
– O Império é negro, o castelo é sombrio e misterioso. Temos calabouços que lhe dariam arrepios e em nossos jardins não há nenhum indício de vida vegetal. Somos chamados de vermelhos porque tomamos banho com o sangue de nossos inimigos – Samira o respondeu fazendo o príncipe arregalar os olhos e engolir seco enquanto todos a olhavam espantados. – É brincadeira – Por fim disse abrindo seu sorriso esperto – É porque somos ruivos, é de família. – Respondeu dando de ombros e então todos voltaram ao silêncio.
Todos haviam terminado de comer as entradas e logo o prato principal foi servido. O hommus assim como nas terras árabes eram muito apreciados no castelo indiano e acompanhado de pão pita e carne de cordeiro foi o que fez todos se deliciarem naquela noite. A comida estava tão deliciosa que impediu que qualquer conversa fosse trocada enquanto comiam o que para a princesa foi um momento de puro alívio, podendo assim escutar apenas as vozes em sua cabeça que não paravam de fazê-la pensar e pensar em como se livrar daquele casamento.
No entanto, o tilintar dos talheres que Aziz usava começou a irritar Amber a tirando de seus devaneios. A princesa não escondeu seu incomodo ao bufar para que ele percebesse, o que o fez fechar os olhos e se virar para ela.
– Algum problema? – Perguntou parando de comer o que restava em seu prato para olhá-la.
– Você. – Ela respondeu – Você é o meu problema.
– Pode me dizer o que eu fiz agora? – Arqueou as sobrancelhas ruivas em questionamento.
– Não teve aulas de etiqueta? – Perguntou olhando para ele e para os talheres – Não lhe ensinaram que é feio fazer barulho ao comer?
– Não lhe ensinaram que questionar a maneira como alguém faz algo é falta de educação? – Devolveu fazendo Amber morder as bochechas segurando uma resposta.
Aziz sorriu sárcastico e voltou a dar atenção ao cordeiro em seu prato enquanto Amber fechou a cara e se virou para o outro lado observando a conversa entre os pais, que parecia muito mais amistosa que qualquer outra coisa naquele castelo. Assim passaram mais alguns minutos onde o silêncio reinou novamente, até Jade intervir.
– Amber, porque não dança? – Perguntou animada recebendo um olhar furioso da irmã – Será sua última dança aqui, por favor. – Disse sabendo que a princesa não negaria se ela fizesse aquele olhar de súplica.
A princesa então respirou fundo e seu olhar foi em busca da mãe que a olhava atentamente. Safira sorriu contida como se segurasse uma risada e acenou afirmando que a filha podia se levantar. Amber teve tempo de ver a mãe segurar firme nas mãos de Said que a olhava com a fúria que ela mesma já conhecia.
Amber foi para o centro do salão dourado e como se já esperassem por ela um dos músicos começou a dedilhar a harpa enquanto o outro tamborilava em seu alaúde. Fechou os olhos e deixou que abaya azul balançasse pelo salão assim como o véu em seus cabelos que se esvoaçava com o mínimo movimento. Seus quadris começaram a balançar e suas braços pareciam flutuar ao redor do corpo acompanhando o ritmo. Conforme as batidas aceleravam as moedas presas em suas pulseiras chacoalhavam fazendo a dança ficar ainda mais bonita. Logo Jade puxou as palmas que seguiam a música enquanto Amber fazia seu show.
Seria loucura dizer que não havia afetado o imperador. Qualquer um que tirasse os olhos da princesa e observasse-o veria que aqueles olhos verdes não haviam piscado uma só vez desde o início da dança e que o coração de Aziz batia descompassado como se quisesse acompanhar o ritmo, como se precisasse estar perto dela. Como se precisasse dançar com ela. No entanto, era algo que ele jamais admitiria em voz alta.
O encanto logo se foi com a música e o sorriso de Amber pôde ser contemplado por eles assim que seu corpo finalmente parou de dançar. Uma salva de palmas se seguiu e por instantes ela se sentiu normal, por instantes tudo parecia estar bem. Até seus olhos dourados encontrarem os de Aziz e o verde das íris dele a lembraram de seu destino outra vez.
É meu povo... vai ser entre tapas e beijos
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