Capítulo VII
O capítulo é dividido em várias cenas, fiquem atentos a isso.
Boa leitura.
1 semana depois
A primavera trazia consigo a beleza das flores e todo o colorido que o inverno insistia em levar, o canto dos pássaros outrora voltava a encantar os ouvidos dos moradores e as festas se tornavam eventos corriqueiros. O calor abraçava carinhosamente enquanto as noites embora ainda tivessem o vento gélido se tornavam cada vez mais suportáveis. Naquela manhã um agradável pedido de Safira havia tirado Robert da cama muito cedo.
– Tem certeza que é o melhor a ser feito, senhora Safira? – Robert questionava aflito enquanto se equilibrava no parapeito de um dos telhados baixos do castelo.
– Não tenho outra escolha, senhor Williams... – Safira respondeu precedendo um longo suspiro – Existem... – Tentou dizer mas um nó havia se formado em sua garganta – Existem coisas que o senhor e nem ela sabem... coisas que não podem acontecer... estamos a protegendo ao fazer isto – Disse erguendo o olhar até a garrafa colorida que ele colocava sob o telhado.
– Pronto, está feito – Disse observando as luzes do dia refletirem na garrafa – Espero que ela me perdoe por isso... sei que não vai gostar de saber que ajudei.
Safira o observou descer do telhado atentamente, enquanto milhões de pensamentos rondavam sua cabeça. A princesa muito mais experiente do que era quando tinha a idade dele pensava se o joalheiro não poderia ser em fim um bom marido para a filha, embora o destino não estivesse em suas mãos para escolhê-lo.
– Shukran, senhor Robert. – Ela o agradeceu acenando com a cabeça. – E não se preocupe quanto a Amber... ela entenderá... ela precisa. – Disse compreensiva, entendendo o receio dele. – Nos vemos no baile esta noite, espero que tenha uma boa mira Williams. – Falou se retirando dos jardins deixando o joalheiro embasbacado, no entanto, com um misto de euforia e alegria crescendo dentro dele. Parecia que ela então aprovava aquele possível enlace.
Aquela semana longe de Amber fez o joalheiro refletir muito sobre tudo o que estimava em sua vida e teve certeza, especialmente naquela manhã, que apesar de serem muitos os seus sonhos e deveras altos existia apenas um que não suportaria não realizar em sua vida. Seria uma grande tristeza não poder acordar e vislumbrar o âmbar dos olhos dela e ele parecia disposto a lutar por aquilo. Robert havia se dado conta que nenhuma mulher no mundo poderia ser mais perfeita para ele do que Amber, esperava apenas que não fosse tarde ou que ela não o odiasse o suficiente após o beijo roubado para lutar por ela.
Embora tudo lhe parecesse complicado naquele instante, olhou para cima apenas para enxergar a garrafa refletir mil tons outra vez e soube que a sorte poderia estar ao seu lado. Afinal, joalheiros eram famosos por nunca errar, ele não erraria aquela garrafa.
*
Said andava de um lado a outro em sua sala, o suor escorria por suas têmporas e as mãos estavam tão frias quanto as noites de inverno. Um dos criados havia acabado de se retirar após trazer notícias, estas que sequer teve tempo para digerir, pois o mau agouro adentrava com toda ostensividade em seu território.
– Malditos! – Repetia incansavelmente – Malditos turcos! – Sua respiração entrecortada e a veia pulsante em sua cabeça eram claros sinais de seu extremo nervosismo. – GUARDAS! – Ele gritou – Não deixem que saiam das carruagens, não deixem que contaminem o meu castelo. - Dizia temendo o que aconteceria quando ultrapassassem a última faixa de areia para chegar ao castelo.
Em meio ao eminente caos que se formaria naquela noite estavam os inúmeros criados que percorriam o salão dourado carregando tecidos, almofadas, comes e bebes que seriam servidos no baile. Soraia coordenava tudo indicando onde cada coisa deveria ficar, e embora tivesse tudo sob controle sentia um aperto no peito. Um conhecido aperto que sempre indicava que algo ruim aconteceria.
Os bravejes de Said podiam ser escutados do salão e lhe causavam arrepios apenas por imaginar o motivo deles. E logo uma presença se fez ao seu lado a tirando de seus devaneios e o bronzeado príncipe Jasper foi fitado por seus olhos.
– Qual o motivo da gritaria? – Perguntou parecendo alheio ao ar sombrio que pairava pelo castelo naquela tarde. – Faz muito tempo que ele não fica assim – Comentou enquanto comia o terceiro docinho de romãs.
– Não sei... – Respondeu nervosamente – Mas temo que seja algo sério... é melhor voltar ao seu quarto, querido – Disse temerosa.
– Não sou mais uma criança Soraia – Ele retrucou recebendo um olhar censurador dela – Me diga o que está havendo – Falou ao mesmo tempo que escutaram os jarros de flores serem quebrados dentro da sala do sheik.
– Eu... eu... – Soraia tentou dizer – Jasper volte ao seu quarto e não saia de lá... ache suas irmãs e diga o mesmo a elas. – Falava enquanto, por fim, seus olhos enxergaram além da entrada dos jardins de narcisos o motivo da fúria de Said. – Temos visitas... – Foi tudo o que disse saindo em direção ao portão principal.
*
– Acorda Amber... rápido, acorda – Era a voz de Jade que a tirava do sono mais profundo – Vamos, acorda. Você precisa ver isso! – Dizia enquanto balançava o corpo da irmã fazendo-a acordar.
– Por Allah! – Reclamou finalmente abrindo os olhos – Já acordei Jade! O que aconteceu? – Olhava para irmã ainda com a visão turva vendo ela correr em direção as janelas.
O fim de tarde havia começado nas terras indianas e o barulho das carruagens adornadas de rubis e pintadas de tons escuros como a noite que adentravam os jardins já causava um caos no primeiro andar do castelo. Amber forçou a visão tentando enxergar quem eram os visitantes, mas não teve sucesso tendo assim que buscar nos olhos verdes da irmã a resposta para suas perguntas silenciosas.
– Ouvi pelos corredores que são os otomanos... – Disse em um perfeito sussurro – A rainha e seus filhos... – Olhava para a irmã com certa preocupação embora também não soubesse o motivo de estarem ali.
– Achei que eram proibidos de frequentar nossa corte – Amber comentou observando os cavalariços estacionarem as carruagens próximas a escadaria – Não foram eles? – Questionou a irmã – Não foram eles que tentaram tomar o trono de papai? E destruíram nossos outros reinos?
Jade continuava a fitá-la aflita, enquanto enrolava ainda mais o véu em seu pescoço num gesto de puro desconforto. Amber por sua vez suspirou profundamente indecisa se sairia do quarto para descobrir mais sobre a misteriosa visita dos vermelhos.
– É melhor descobrirmos agora ou no baile? – A irmã perguntou ao mesmo tempo que Amber bocejava e tinha seu olhar perdido no céu alaranjado – Amber! Estou falando com você – Reclamou brava – Por Allah! Só pensa em dormir...quando temos coisas importantes a fazer.
– Estou cansada, Jade – Retrucou – De qualquer maneira não irei ao baile... estou de castigo, se esqueceu? – Perguntou arqueando as sobrancelhas para a princesa mais nova. – Além disso... deve ser um engano, papai não deixaria que entrassem no castelo sem qualquer resistência. Devem ser apenas convidados do baile... chegaram cedo.
A irmã bufou arrastando Amber até o outro canto do quarto onde ficavam os baus de festa. Abrindo os artefatos de madeira tirou de lá um traje vermelho-escuro repleto de pedrarias e fios de ouro, véus e joias de todos os tipos e deixou-os na cama da princesa vendo os olhos dourados de Amber fitarem tudo com curiosidade.
– Para quê tudo isso? – Perguntou sentando-se na cama acariciando o tecido fino do vestido com os dedos. – Jade... este baile é em comemoração a que? – Questionou por fim parecendo raciocinar finalmente com clareza, tamanha que a fez imaginar que talvez – e somente talvez – aquele baile fosse algo relacionado a ela.
– Por quê apenas não se arruma, fica linda como sempre e desce para me ajudar a descobrir o motivo da visita de nossos aparentes inimigos? – A irmã disse tentando desconversar, mas sabia que aquele baile anunciaria que Amber estava pronta para se casar.
– Eu já disse que estou de cast..
– Não está mais – A voz de Safira invadiu o quarto fazendo as filhas olharem em direção a porta onde estava parada. – Ao menos não esta noite – Ponderou se lembrando que apenas Said poderia tirar a princesa do castigo.
A mãe caminhou em direção as duas, sempre com a postura impecável e os trajes azuis que aumentavam a opulência de seus olhos. Beijou os cabelos negros de Jade e então acarinhou a bochecha dourada de Amber e, por fim, sorriu.
– Minhas duas princesas... – Falou com os olhos cheios de lágrimas – Como cresceram... e se tornaram belas mulheres.
– Mama... por quê está chorando? – Perguntou Amber
– Estou apenas emocionada em vê-las aqui juntas e unidas... o tempo passou tão rápido – Dizia em plena nostalgia – Era bom quando eu podia protegê-las com os meus braços, quando ainda podia carrega-las em meu colo e quando ainda precisavam de mim quando iam dormir. – Suspirou se lembrando de tantos momentos das filhas – Vocês cresceram... – Disse outra vez, mais para si mesma do que para elas.
– Sempre seremos suas princesas, mama – Jade disse abraçando a mãe.
Embora Safira soubesse que as filhas de alguma maneira sempre seriam suas, sentia que o tempo juntas estava acabando e que nem todo o amor do mundo era capaz de mudar o destino, pois embora o amor fosse, se não, o mais importante de todos os sentimentos ele não tinha força suficiente contra os desígnios do destino.
Ela soube disso quando viu os turcos através das janelas. Soube que não poderia mudar o destino.
– Querida... – Disse para Jade – Será que poderia nos deixar a sós, tenho que conversar com sua irmã. – Falou fitando os olhos de Amber que esperavam atentos por suas palavras.
*
De dentro da carruagem a pequena família Ibrahim observava o imenso castelo tomar forma conforme adentravam a propriedade, Aziz permanecia quieto fitando o lado de fora enquanto Fátima lia um livro sobre rainhas invencíveis o que para Samira que admirava a beleza do castelo indiano era um tanto narcisista até mesmo para a própria mãe.
– Não se atire tanto pela janela Samira – A rainha falou – Podem flechar você. – Falou com a calmaria de sempre, mesmo quando o assunto era delicado ou até mesmo perigoso.
– Se podem nos matar não deveríamos ter vindo – Retrucou se ajeitando outra vez na poltrona da carruagem.
– Tenho que concordar – Aziz se limitou a dizer.
Fátima por sua vez respirou profundamente ajeitando a coroa de jades que carregava na cabeça, assim como o traje igualmente verde. Seus olhares para os filhos eram confundidos com tédio, no entanto, a rainha estudava as reações de cada um, como se pudesse prever o que viria a seguir. Como se pressentisse o que aconteceria naquela noite.
– Viemos aqui porque temos algo a cumprir, aliás – Tentou concertar sua frase – Porque viemos reivindicar um direito que é nosso, uma paz que almejamos a décadas... um casamento que irá nos vingar por todos os anos em que estivemos em profundo sofrimento.
– Acha mesmo que sairemos daqui com a princesa e ficará tudo bem? Acha que deixarão que a levemos enquanto assistem sentados a filha ir embora com o povo que eles mais odeiam? – Aziz questionou.
– Você teve dez dias de viagem para digerir estas questões e essas dúvidas tolas que carrega em sua mente. Se durante este tempo, que considero mais do que suficiente, não conseguiu enxergar que estamos prestes a ganhar este jogo, que estamos muito, mas muito, próximos de vencer esta batalha, sugiro que nestes minutos que nos separam da entrada daquele castelo você faça isso Aziz. – Falou elevando o tom da voz visivelmente irritada.
– Pare de agir como se isso fosse simples! – Ele bravejou – É apenas uma donzela que não deve fazer ideia do que acontecerá quando pisarmos naquele lugar. Parou para pensar em como se difícil para ela ir morar em outro reino? Conosco?! – Perguntou com incredulidade vendo Fátima o olhar com decepção e sem paciência.
– Eu não lhe criei para agir com o seu coração Aziz! – Gritou outra vez – Comece a se comportar como o imperador que em breve será ou então trará ruínas para todos nós. E não sobrará donzela alguma para que você se importe.
E então o silêncio se fez, algo que aprenderam com o tempo sabendo que poderiam continuar aquela discussão por horas e horas sem que qualquer um dos dois se cansasse ou perdesse argumentos. O tempo os havia ensinado a conviver e saber a hora de parar, e ensinaria ao futuro imperador que a vida nem sempre era justa embora Aziz fosse um dos homens mais justos que já havia existido naquelas areias desérticas.
Estava silêncio, até os guardas chegarem.
*
– Você está tão bonita... – A mãe elogiou assim que a viu sair detrás do biombo.
O traje vermelho havia caído como uma luva nas curvas acentuadas da princesa e os cabelos presos em uma trança assim como a coroa vermelha que usava davam a Amber um ar de poder. Como se naquele momento ela fosse muito mais poderosa que um dia pensou em ser, muito mais do que uma princesa, muito mais do que a dançarina que se orgulhava de ser. Naquele momento não sabia distinguir ao certo com o que se parecia, mas sabia que algo havia mudado e era estranho demais que uma roupa pudesse causar aquilo.
– Não precisa fazer isso – Disse com a voz magoada – Não precisa tentar me alegrar, não precisa se esforçar mãe.
Os segredos costumam machucar mais do que ferimentos comuns como um corte ou uma queda. Segredos, especialmente os que existem para nos proteger, estes doem profundamente e atingem todas as camadas. Amber não conseguia olhar nos olhos de Safira, e embora não odiasse a mãe não conseguia entender porque esconderam aquilo por tantos anos.
Amber respirou fundo tentando se concentrar na quantidade de informações que havia recebido minutos antes. Ela era a garantia de uma paz, de uma trégua entre eles e os vermelhos. Ela era parte de um plano sujo e sórdido de uma rainha que não se importava com ninguém além dela mesma, era parte de todo aquele massacre, de tudo aquilo que os atingiria se não escolhesse fazer o que era certo. Era parte de um casamento com um homem que nunca vira, de um império que não era seu.
No entanto, como se não bastasse Amber também era parte dos desejos de um outro homem, este que passeava pelo salão com os típicos trajes negros se misturando por entre os convidados do baile, exalando o poder que possuía. E mais ainda a princesa era parte dos sonhos do outro, do melhor amigo que aguardava ansiosamente encostado em um dos pilares para quebrar aquela garrafa que poderia selar suas vidas.
A princesa então se retirou do quarto, farta de escutar mais segredos e revelações da mãe. Se retirou e seguiu pelo extenso corredor até chegar a escadaria, desceu degrau por degrau arrastando o longo vestido enquanto atraia todos os olhares para si. Os muitos convidados não impediram que os olhos negros de Abdul a fisgassem rapidamente, nem que depois as piscinas azuis-claros que Robert carregava em seus olhos chamassem sua atenção, e menos ainda que então como se a esperasse no fim da escadaria o verde dos olhos de Aziz a paralisasse.
– Princesa Amber – Ele disse com a voz firme ao beijar sua mão em cumprimento. – É uma honra conhece-la.
O destino nunca brincava, ele sempre cruzava todos os caminhos.
*
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