Capítulo 11: Olho por olho, Álvares
“Take a bite just to watch me bleed, freak
Say what you want and what you want is behind your teeth”
— Nos vemos no baile, eu acho… — Nico avisou, antes de sair do carro.
Ele abaixou a cabeça e se preparou para enfrentar os questionamentos de sua mãe. Suas pernas pareciam feitas de pedra e quando se movia parecia ter uns duzentos quilos sobre suas costas, mais do que por conta do carro, o nervosismo se instaurava pelo medo de dizer algo errado e complicar todos eles. Sendo um homem preto, a morte de sua namorada branca seria ligada diretamente a ele.
Nico andou até a porta de sua enorme casa com suas mãos trêmulas e suadas, subiu os três pequenos degraus com dificuldade. Tirou a chave do bolso, logo depois destrancando e entrando em casa. Sua intenção era subir as escadas de fininho, passar direto pela porta do quarto de sua mãe, que provavelmente ainda dormia, e passar o dia em seu quarto.
— Nicolas Conrado Álvares.
Nico se virou em direção a sua mãe, que estava sentada no sofá. Sua expressão deixava clara sua desaprovação.
— Onde você se meteu? Eu te liguei feito louca!
— Me desculpa, o meu celular descarregou. — ele pensou que ao menos isso era verdade, suas mãos não paravam de tremer enquanto ele tentava pensar rápido em respostas.
— Onde você estava? — sua voz estava mais branda agora. — Por que você está todo sujo de terra?
— Fui dormir na casa de um amigo, jogamos um pouco de futebol no jardim dele, tava bem úmido. — ele suspirou, andando devagar até a mulher. — Mãe, tenho algo importante a dizer… É que… Meu carro foi roubado.
— O quê? Como assim?
— É, pois é! Estacionei ele e quando fui buscá-lo, boom, não estava mais lá… A culpa é minha! Eu deveria ser mais inteligente. — lágrimas começaram a escorrer por seu rosto e em alguns segundos sua mãe mudou completamente de atitude.
— Não, meu filho, você não tinha como saber. — ela puxou Nico pelo braço para se sentar com ela e o abraçou, acariciando sua cabeça.
As lágrimas do garoto haviam se iniciado para tentar manipular sua mãe, mas agora estavam mais intensas e realmente sinceras, ele soluçava de tanto chorar. Nico estava exausto, a noite passada havia o perturbado intensamente e ele estava assustado demais para pensar em qualquer coisa que não fosse aproveitar os braços de sua mãe para extravasar todo o misto de sentimentos que estava abafando seu peito.
— Querido, está tudo bem… Mesmo! Sei que já sabe de toda a história da Amber… E, sobre isso, pode chorar, mas não sobre o carro, é besteira. Coisas materiais a gente sempre consegue de volta. Questões do coração são as que doem de verdade. — ela levantou seu queixo, fazendo os olhos verdes do filho fixarem nos seus. — Vai ficar tudo bem! Vão encontrar ela.
Esse é o meu medo, pensou Nico. Mas, ele apenas assentiu e depois subiu para o seu quarto, se sentiu idiota e impotente. Entrando no cômodo, ele tirou a roupa da noite anterior, que o estava fazendo se sentir nojento e marchou até o banheiro.
No chuveiro, o moreno chorou mais ainda, com seu coração parecendo ser esmagado e sua garganta com um nó doloroso.
— Adoro seus olhos… Não chore, Nico, eu entendo… Todos nós já fizemos coisas ruins, você quer que eu vá com você?
Ele bateu algumas vezes na parede, coberta com pisos de cerâmica, de início foram socos de leve, gradualmente foram se tornando mais e mais agressivos, a água começara a descer num tom escarlate por conta do sangue saído de seus punhos. A cerâmica estava partida e ensanguentada depois de alguns minutos de banho e sua mão estava doendo como mil infernos, mas de certa forma, ele se sentia um pouco menos mal.
— Já conversamos sobre isso. — a mãe dele fazia um curativo em suas mãos. — Não gosto desse tipo de comportamento agressivo, mi hijo.
— Tá bom, desculpa, não vai se repetir. — ele abaixou a cabeça, evitando olhar em seus olhos.
— Quero que pegue meu carro e vá ao mercado… Liberei Justina, então… Terá que ser você. — Isa sorriu, finalizando o curativo — Vai ao baile hoje?
— Acho que sim… Mas, nem sei se vou conseguir me formar vou.
— É claro que vai… Você fará aquelas aulas e calar a boca daquele professor racista, conseguindo nota máxima é claro! Não apoio violência.
Nico deu uma risada quase inaudível.
— Jeffrey não é racista, ele só preferiu não ir contra a escola. Eu senti raiva, mas não foi só comigo.
— A questão é que todos te ajudaram, menos ele…
— Não é obrigação dele, mãe. — Nico rebateu, meio incomodado com aquela conversa. Ele odiava sentir que estavam com pena dele.
— Só estou dizendo… Ele parece ser igual aquela Dakota.
— Mãe, deixa isso para lá. Já não basta a humilhação que vou passar com meus próprios colegas tendo que me ensinar pra me formar. — ele revirou os olhos e se levantou — Deixa o cartão de crédito e a lista de compras em cima da mesa, já volto.
Nico havia jogado seu cabelo para trás e feito um rabo de cavalo para conseguir colocar dentro de um chapéu dos Nicks. Ele se espantou por seu cabelo estar tão volumoso a ponto de precisar prender e depois riu tristemente da futilidade daquele pensamento.
Ele dirigiu cantarolando em cima de uma música que tocava na rádio. O carro de sua mãe era um SUV prata de dois anos atrás e ele sempre quis dirigi-lo. O moreno se culpou muito por tudo que aconteceu na noite passada e, de forma egoísta, principalmente por perder seu carro.
Naquela tarde de sábado, o mercado estava lotado e ele não pôde evitar revirar os olhos pensando no tamanho da fila que teria que enfrentar. Seus olhos percorreram a longa lista, enquanto ele se perguntava se realmente iria aguentar todo aquele tempo naquele espaço.
Após estacionar o carro, ele saiu, dando de cara com alguém fantasiado de bruxa, o mascote da cidade.
— …Temos abóboras pela metade do preço, venha, senhor. — a enorme cabeça verde gritou, em sua direção, com uma voz masculina demais para uma bruxa.
— Se fode, cabeção.
Nico pegou um carrinho de supermercado e se dirigiu ao interior da loja, passando pelas longas filas, impaciente. Ele foi direto ao corredor de não perecíveis onde começou a pegar alguns produtos. Indo até o Hortifrúti, ele se perguntou se a bruxa não estava certo, as abóboras realmente estavam com um preço ótimo.
— Nicolas! — ele se virou para encontrar Jeffrey com uma cesta cheia de maçãs e outras frutas em suas mãos.
— Ah, oi, professor! — um sorriso amarelo apareceu em seu rosto quadrado.
— Que bom te ver… Perguntei-me como estava se sentindo com toda a questão da Amber.
— Da Amber? — Nico engoliu em seco.
Sua mente o levou para os piores lugares, ele se perguntou se já sabia, será que encontraram o corpo? Ou seu carro fora achado?
— Ela está desaparecida. Aposto que para você lidar com tudo isso tem sido difícil, ainda mais com as aulas de reforço e a sua prova final chegando já na próxima semana… — ele disse, passando a mão esquerda em seus cabelos loiros e espessos, Nico não conseguiu não pensar no fato de que o professor era quase atraente, quando não estava com o cabelo entupido de gel e armado num topete estúpido.
— É. É uma barra… Mas, estou tentando lidar! E tenho esperança que ela vai…
Uma figura de vermelho chamou sua atenção, nos fundos do mercado, ele podia jurar que debaixo do capuz alguém o observava e estava parado, estático.
— Ela vai…?
— Ser encontrada! Tenho certeza.
— Está certo, Nicolas. — o mais velho pousou sua mão em seu ombro, deixando o moreno desconcertado — Se precisar de qualquer coisa, pode contar comigo e com os Luo-Johnson, isso é uma dor que toda a família compartilha com você.
— Hum, beleza… Obrigado, professor!
— Me chame de Jeffrey, você logo vai se formar! — ele sorri — Até mais, Nicolas.
Depois que o professor se foi, Nicolas percebeu que a figura de vermelho já não mais estava ali.
— Com sorte, foi atropelado por algum carrinho de supermercado.
Ele terminou de fazer suas compras e voltou para o estacionamento onde colocou as compras no porta-malas do veículo. Abrir e fechar aquele porta-malas foi estranhamente difícil para ele, já que ele não conseguia se esquecer dos acontecimentos da noite passada.
Indo até à porta do motorista do veículo, ele percebeu que esqueceu de comprar a tal abóbora e se dirigiu de volta para dentro do mercado. Chegando na sessão das verduras, a figura de vermelho estava ali novamente e um arrepio o atingiu. Estava parado, através de um tipo de véu, o capuz vermelho o encarou.
— Por que não tira logo uma foto? Tá olhando o que, parceiro?
De dentro do casaco, o Capuz tirou uma faca, a lâmina reluziu nas luzes artificiais do mercado. Nico recuou ao ponto que o de vermelho se aproximou, em passos apressados, o garoto deixou cair no chão a abóbora que compraria e correu com a figura anônima em seu encalço. Ele saltou por cima de uma garotinha que amarrava o sapato, seu coração se acelerava mais e mais e sua mente ficava cada vez mais confusa.
Seu corpo inteiro tremia, ele fez um zigue-zague nos corredores do mercado até o ponto que saiu no estacionamento, sem fôlego e com a boca seca. Na janela do carro de sua mãe, um bilhete foi colado por dentro, nele dizia:
“Seus erros tiraram vidas e vida só se paga com vida. Vá ao baile e poupe a sua.”
Nico enxugou o suor que escorria em sua testa com as costas de sua mão e, de canto de olho, percebeu a figura de vermelho no lado oposto do estacionamento. Nico se apressou para adentrar o carro, com suas mãos custando a conseguir colocar a chave na fechadura. Ele se jogou para dentro do veículo, já colocando as chaves no lugar e ligando-o. A figura apenas colocou o dedo indicador em cima da boca sobre o véu. O moreno cerrou os olhos, tentando entender o significado de tudo aquilo.
— Shh… — Amber disse, esfregando suas costas — Todos nós já fizemos coisas ruins! Seu segredo está a salvo comigo.
Nico dirigiu como um alucinado até chegar em casa, ele apenas deixou as compras em cima da mesa de alvenaria de sua mãe e subiu correndo as escadas de sua casa, correndo pro grande espaço que chamava de quarto. Naquele momento, a bagunça do local começara a lhe causar perturbação e ele começou a arrumá-lo compulsivamente, sentindo seu corpo inteiro coçar.
Seu coração quase saiu pela boca quando a grande sequoia de seus vizinhos bateu com tudo em sua janela e uma brisa forte adentrou o espaço. Ele correu para fecha-la.
Pegando o celular, ele criou um grupo de conversas no aplicativo de mensagens, comigo, Jordan e Savannah. Se sentiu preocupado com os outros, se aquele maníaco havia o atacado, o que poderia fazer com o resto de nós?
— Sabe, você não deveria brincar comigo, assim… Imagina se decido contar para todos aquilo que você me contou? — Amber ameaçou, fazendo biquinho — Não seria nada legal.
— Você disse que eu poderia confiar em você! — ele gritou com lágrimas nos olhos.
Ao receber a resposta de Savannah, o garoto pegou o terno que usaria no baile e enfiou numa mochila, descendo as escadas correndo.
— Mãe, vou precisar do carro pro baile… Mando mensagem depois!
— Tá bom! Juízo! — a mãe grita, ao longe, enquanto Nico corre para a garagem.
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