Capítulo 5
Como o capítulo 4 foi bem curtinho, vou disponibilizar o capítulo 5 pra vocês. <3
BOA LEITURA
A.C.NUNES
— Eu estou arrependida.
Ela me diz isso, e eu entendo o recado. Eu devo parar de procurá-la. O que estamos fazendo é errado, é como apunhalar Lívia pelas costas. É covarde.
E eu me esforço para atender ao seu pedido. Juro, eu me esforço muito. Mas eu a procuro nos dias seguintes, e embora ela tenha me falado do seu arrependimento, se deita comigo todas as vezes. E todos os nossos encontros às escondidas são estupidamente maravilhosos. A sensação quente do seu corpo sob o meu, nossos lábios se encontrando profundamente, tresloucados e desejosos um pelo outro, nossas duchas quentes e os abraços debaixo d'água, as carícias, as risadas e sorrisos confidentes, a forma como nos emolduramos um com o outro, o prazer imenso que Victória me propicia, o modo sutil e suave dela de segurar na minha mão e entrelaçar nossos dedos durante o sexo, a maneira como grudamos um ao outro pelo suor. O encontro dos nossos olhos.
Depois, como me sinto divertido e confortável com sua presença atrás do balcão enquanto comemos alguma coisa e, diferente das outras vezes, conversamos sobre amenidades — excluindo Lívia do assunto, claro. No entanto, apesar de confortáveis um com ou outro, a tensão sempre retorna para nós com a despedida; como se, com o adeus, a realidade caísse sobre nossos ombros e nos déssemos conta do que realmente somos: amantes. Algo terrível quando a pessoa a ser enganada é uma melhor amiga e uma esposa.
Agora, na minha mesa, perto do horário do almoço, meu telefone toca. Suspiro vendo o nome dela piscar no identificador e me forço a ignorá-la. Já tem alguns dias que Lívia vem tentando falar comigo, mas eu não atendo suas ligações e não respondo suas mensagens. Continuo magoado e com raiva, o mesmo de sempre, além de não querer encará-la tão já por medo de ela perceber meus encontros extraconjugais com Victória. Continuo dormindo na casa de mamãe já há quase uma semana e pretendo ficar por lá por mais algum tempo.
O telefone enfim para de tocar, e eu finalmente posso trabalhar em paz. Ao terminar, eu sigo para a mansão Hauser; e para minha surpresa, mamãe está aqui. Normalmente, desde o acidente, a essas horas ela está no hospital. Ela me dá um sorriso cansado e vem ao meu encontro, me recebendo com um abraço e um beijo no rosto.
— Oi, meu bem. Veio almoçar?
— Oi, mãe. Sim. Surpresa a senhora por aqui.
— Me conseguiram convencer a vir comer alguma coisa e descansar um pouco — diz, me encaminhando para a sala de jantar.
Eu realmente noto sua postura cansada e abatida, e compreendo todo seu abatimento. Mamãe não está cansada apenas fisicamente, mas emocionalmente também — acho até que mais. Eu sei como os filhos são a maior fraqueza de uma mãe ou de um pai, e o estado crítico de Alfredo a deixa abalada. Além da morte da nora e da neta também ter sido um fator crucial em seu abatimento. Ela se dava muito bem com Sophie, e Lauren era sua maior alegria.
— Aliás, quando fará uma visita ao seu irmão, Henrique? — pergunta, em tom de advertência, enquanto me indica o meu lugar na mesa para me sentar.
Eu o faço e tento não suspirar alto. Confesso, eu fui visitá-lo poucas vezes, diferente da minha mulher que está lá com ele todos os dias desde esse acidente. E já tem bem quase uma semana desde a última vez.
— Amanhã, mamãe. Eu prometo. Como ele está? — pergunto, e sou sincero quando quero saber do estado do meu irmão; algo muito raro, inclusive.
Antes de me responder, mamãe chama por um dos empregados e pede para servir o almoço. Sentada ao meu lado, se vira para mim e segura em minha mão.
— Na mesma. Ele progrediu desde o acidente... já respira sozinho, mas ainda... — mamãe parece engolir a vontade de chorar. — Ainda em coma. Doutora Ariana vem nos alertando sobre isso. Quanto mais tempo seu irmão ficar em coma... menores são as probabilidades de ele acordar.
A comoção em sua voz alfineta meu peito e parece despertar alguma emoção e compaixão em mim para com meu irmão.
— Ele vai sair dessa, mãe. — conforto-a, apertando com firmeza suas mãos envelhecidas. — Ele ainda vai viver muito para nos dar dor de cabeça. — brinco, mas sei que sou infeliz na escolha das minhas palavras.
— Henrique! — ela me adverte suavemente.
Eu não a respondo, apenas forço um sorriso e bebo um pouco da água em minha taça. O almoço é servido e comemos um instante em silêncio antes de mamãe perguntar:
— Quando você vai voltar pra sua vida com Lívia, Henrique?
A pergunta me incomoda sobremaneira. Eu tenho vontade de lhe dizer que nunca tive realmente uma vida com Lívia porque Alfredo sempre foi uma pedra em nossos sapatos, mas eu engulo minhas grosserias pra mim e respondo apenas:
— Eu não sei, mãe. Nós precisamos de um tempo.
— Ela está ajudando seu irmão, filho — mamãe alega, afavelmente.
Isso de ela também ficar do lado de Alfredo me irrita. Apesar de saber de todas as canalhices do seu filho caçula contra mim e contra Lívia, ainda assim mamãe não é capaz de entender todo meu ódio cultivado por Alfredo.
— É, mãe, ela está ajudando o homem que partiu seu coração e atrapalhou nossa relação onze anos atrás. — Eu quero acrescentar: "e também a engravidou", mas me contenho. Esse é um segredo apenas nosso, e não tenho vontade alguma de revelar para ninguém. Alfredo tem um apreço fora do comum pelo meu filho, o garoto que acredita ser seu próprio sobrinho; e eu tenho certeza, se ele souber da paternidade do menino, vai querer assumi-lo, muito mais agora, após perder sua filha.
— Henri, filho, o passado não importa. Seu irmão é outra pessoa hoje, sabe disso.
— Isso não apaga o que ele fez, mãe. Eu e Lívia hoje podíamos estar casados oficialmente, vivendo nossas vidas em paz; talvez com mais um filho, como planejamos quando éramos namorados. Mas Alfredo teve de entrar nas nossas vidas, não? E a senhora sabe muito bem, Lívia também não foi mais a mesma depois dele.
Ela não me responde, porque sabe que eu não preciso de respostas. Não foi só comigo que Lívia nunca mais conseguiu se dedicar e retribuir afeto. Ela namorou outros caras, e todos os relacionamentos foram fracassados, todos fracassados porque Lívia estava profundamente marcada pelo canalha do meu irmão. Embora ele tenha se arrependido, seu arrependimento não arruma a bagunça causada em nossas vidas.
— Além disso, antes de se casar com Sophie, ela também foi só mais uma na mão dele. Ela veio da França procurá-lo pra lhe falar da sua gravidez. — despejo as palavras, repleto de raiva. — Agora, mãe, se Alfredo não tivesse iludido aquela pobre garota, ela jamais teria engravidado, nunca teria vindo ao Brasil procurá-lo, e ela... estaria viva.
Mamãe me olha, completamente horrorizada com minha afirmação.
— Não culpe seu irmão pela morte de Sophie.
— Não o culpo — respondo, calmamente, me encostando à cadeira. — Mas as escolhas dele o trouxeram até aqui. E isso a senhora não pode contestar.
Mamãe apenas acena, terminando sua refeição. Limpa os lábios com o guardanapo de pano e depois traga um pouco de sua água na taça.
— De qualquer maneira, Henrique — mamãe continua, cruzando as mãos na frente do queixo e me olhando —, precisa se resolver com Lívia. Qualquer que seja a decisão de vocês. Há uma criança no meio desse fogo cruzado.
Então, com a simples menção, eu me recordo de Enzo, que, aliás, eu não vejo há quatro dias. Apesar da pouca idade, ele já vivenciou muito dessas intrigas entre mim e Lívia e, recentemente, com Alfredo também. Não sei como ainda não confundimos sua cabecinha inocente com tanto vaivém de sua mãe comigo.
Diante essas palavras, eu não tenho resposta. Mamãe está repleta de razão. Estive tão ocupado me envolvendo com Victória e remoendo mágoas de Lívia que me esqueci do meu próprio filho, de estar com ele. Eu sempre fui um pai presente, e agora, com mamãe abrindo meus olhos, eu sinto falta de ajudá-lo à noite com as tarefas da escola, de pô-lo para dormir, de brincarmos no sofá ouvindo Lívia dizer para ficarmos quietos porque ela está vendo o jornal. Tem pouco menos de duas semanas que saí de casa, mas parece ter sido há séculos.
— Minha relação com Lívia é complicada, mãe — suspiro, não sabendo quais palavras exatamente lhe dizer.
— Sentir ciúmes de Lívia com seu irmão nessas circunstâncias é um absurdo, Henrique.
— Não estou com ciúmes — rebato, entre os dentes. OK. Talvez eu esteja, mas não vou admitir. — Só estou ressentindo porque mais uma vez ela está se afastando de mim por causa dele.
Minha mãe me olha e suspira, balançando a cabeça. Ela sempre foi neutra sobre esse triângulo amoroso que protagonizamos um ano atrás, mas sei como essa minha intriga com Alfredo a magoa sobremaneira. Limpo a garganta e me ajeito no meu lugar.
— Olha, mãe, eu só preciso de mais uma semana, e então vou me resolver com Lívia. Seja lá qual for minha decisão — digo-lhe, reforçando a mim mesmo que preciso realmente dar um basta nisso e decidir qual será o futuro da minha relação com Lívia.
Mamãe parece satisfeita com minha resposta e por isso me abre um sorriso, afagando minha mão.
— Decida o que for melhor para vocês três, querido. — Então se levanta, vem até mim e me beija na bochecha.
Ela se vai segundos depois, me deixando com meus pensamentos me atormentando.
Decido passar na casa dos meus sogros e buscar meu filho — ele normalmente fica aqui com os avós após seu horário de aulas. Quando chego, Enzo está almoçando na companhia deles. Quem me recebe é Marcus, o pai de Lívia. Ele está vestido com calças jeans e blazer cáqui, lhe conferindo uma fisionomia juvenil.
— Veio ver o Enzo? — questiona-me, enquanto atravessamos sua sala em direção à sua sala de jantar.
— Vim buscá-lo, na verdade. Se vocês não se importarem.
— Claro que não. Ele perguntou mesmo de você.
Quando chegamos, Enzo corre, gritando estridentemente e me abraçando forte pela cintura. Katia o adverte por sua correria desnecessária dentro de casa, sempre preocupada em ele se machucar.
— Ei, filhão! — exclamo, apertando-o forte entre meus braços e beijando o alto de sua cabeça. — Vim te buscar pra darmos um passeio, o que acha?
— Podemos tomar sorvete? — pede, com seus olhos azuis quase suplicantes.
Rio um pouco e aceno.
— No máximo, duas bolas, ok?
Enzo acena freneticamente, já todo elétrico. Ele é um garoto muito agitado e hiperativo, toda atenção em cima dele ainda é pouco.
— Vamos voltar pra casa depois? — indaga, vestindo seu tênis, sentado no tapete no meio da sala.
Engulo em seco e troco um olhar rápido com seus avós.
— Ainda não, Enzo. Mas se quiser dormir comigo hoje à noite, estou na casa da vovó Carmen. Pode vir comigo.
Ele fecha a cara um segundo, não gostando da resposta.
— Você e mamãe ainda estão brigados. — Não sei se é uma pergunta ou uma afirmação. Mas não importa. O que importa é como ele pronuncia. Está aborrecido.
— Não estamos brigados... só... afastados — improviso para contornar a situação.
E embora seja uma criança de dez anos, ele não se deixa enganar.
— Eu sei quando estão brigados — responde, cabisbaixo, amarrando os cadarços.
— Nós vamos nos entender logo, eu prometo — respondo, e sei que estou mentindo descaradamente.
Mentira ou não, parece o bastante para ele. Enzo sorri mais uma vez e se levanta, batendo a mão para tirar a poeira da roupa.
— Eu queria dormir com você hoje. Mas vovó fez bolo de sorvete. Quero voltar para o jantar — diz, nos arrancando uma gargalhada.
— Está trocando seu pai por um bolo de sorte — Katia enuncia, se aproximando do neto e o beijando. — Isso mesmo, Enzo, isso mesmo.
Enzo se despede dos avós com um beijo amoroso antes de partimos. Eu o levo até o parque, não sem antes de passar em casa e pegar uma bola de futebol americano. Ele toma seu sorvete e depois brincamos, fazendo alguns arremessos com a bola oval. Passeamos no shopping e passamos no cinema. Comemos um lanche no Macdonald e jogamos fliperama numa lanchonete. Temos um momento divertido até o entardecer, então o levo de volta a casa dos avós, já que hoje sua mãe está de plantão no hospital com Alfredo. Marcus me pergunta do estado dele, realmente preocupado. Eu lhe digo o que sei, e, abruptamente, ele quer saber sobre mim e sua filha, sobre esse nosso afastamento tão abrupto. Marcus conhece muito pouco da história toda. Ele sabe do envolvimento de Lívia e Alfredo no ano passado, que eles namoraram e tudo mais, mas não sabe do envolvimento deles onze anos atrás, das canalhices do Alfredo contra sua filha única.
Mas também não é tão alheio assim. Ele apenas sabe que Lívia teve uma decepção amorosa no passado, só não sabe com quem.
— Não vou mentir, Marcus — digo, sendo sincero. — Estou incomodado com Lívia tão perto do meu irmão. Eu só tenho medo de perdê-la de novo. Não é só porque eles namoraram ano passado, mas também porque Alfredo tem histórico de roubar minhas namoradas.
— Entendo — diz apenas, acenando diplomaticamente. — Espero que se resolvam.
Agradeço por tudo e, deixando Enzo comendo seu bolo de sorvete, entro no meu carro para fazer meu caminho até a mansão Hauser. Penso em trabalhar um pouco, ou talvez caminhar na esteira na academia, qualquer coisa para preencher minha cabeça e me fazer me esquecer dos meus problemas, desviar meus pensamentos.
No entanto, quando percebo, estou fazendo a rota do apartamento dela. Eu me repreendo profundamente enquanto subo as escadas até seu andar — preferi as escadas para demorar um pouco mais e, quem sabe, desistir dessa loucura. Começo a pensar em todas as palavras da minha mãe, da falta de Enzo na minha rotina desde que decidi dormir um tempo na mansão, de como estou sendo covarde e cretino com Lívia a traindo, dormindo com sua melhor amiga.
Frente à sua porta, eu peso todos os meus sentimentos distorcidos e confusos. Amo Lívia, inegavelmente. Mas estou atraído por Victória, também inegavelmente. Mas acabo concordando com mamãe: preciso tomar uma decisão.
E eu tomo.
Toco sua campainha.
Victória volta do banheiro, enrolada em uma toalha branca, os cabelos amarelos molhados respingando pelo seu corpo branco e curvilíneo. Ainda estou em sua cama, nu, e a observo se vestir. Dói profundamente a decisão que tomei. E se estou aqui agora é apenas porque será a última vez. Considere uma despedida.
— Vou pedir comida chinesa, você gosta? — pergunta, colocando uma regata, sem o sutiã. Eu sorrio com a visão, me perguntando se em algum momento da minha vida gostei tanto de uma mulher sem sutiã como gosto de Victória sem.
Então, me recordo da maldita decisão. Do que é correto fazer.
— Não vou ficar, Victória — revelo, baixando os olhos. — Não vou ficar e não vou voltar. Precisamos parar com isso. Não é certo.
Seus olhos verdes de repente parecem assustados.
— Tem razão — ela concorda, sentando-se do meu lado e mordendo o lábio inferior. — Eu me sinto tão suja e culpada... e — ela arqueja, de repente, seu corpo tremendo. Ela parece ponto a desabar em lágrimas, mas é forte e se segura. — Apesar disso... eu gosto de você, de estarmos juntos.
— Eu também. Mas não é justo. E se Lívia souber...
— Eu sei... Não quero perder a amizade dela. — Victória me olha, as lágrimas estão ali, forçando-a, mas ela as mantém nos olhos. — Li é minha melhor amiga e eu a amo muito.
— Eu a amo, também, Vic — admito.
Victória desvia o olhar de mim, mordendo forte e constante seu lábio inferior.
— Então vá. E não volte. Eu nunca procurei você.
Ela tem razão. Pergunto-me, depois daquela primeira noite, há uma semana, se eu não tivesse voltado, se ela o teria feito. Acredito piamente que não.
— Não vou voltar. — afirmo, convicto.
Ela apenas acena e sai do quarto. Eu me visto; não me darei ao luxo de tomar banho em sua casa. Quando saio para a sala, quero vê-la e pelo menos me despedir, lhe dar um beijo no canto da boca ou na testa.
No entanto, o apartamento está vazio. Há um bilhete escrito a punho sobre a mesa de vidro em que transamos dias atrás ao lado de um molho de chaves.
Quando sair, deixe as chaves debaixo do tapete.
Uma dor quase insana preenche meu peito. Mas eu atendo ao seu pedido.
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