Capítulo 03: Não estou doente para ser evitado
Era mais um dia lindo e perfeito, os pássaros cantavam animados do lado de fora enquanto os criados serviam a família real, com a animação de Amir, Ambrose sequer teve tempo de comer algo antes de se unir a família e os observar comer, não que estivesse reclamando, tudo o que precisaria fazer era pedir para seus servos pessoais levarem um pouco da comida para seu quarto logo após o café da manhã, até porque não tinha compromissos para este dia.
Ele não tinha compromissos para o resto de sua vida.
Balançou a cabeça para afastar o pensamento fúnebre antes de encarar o irmão que mostrava um caderno onde anotava todas as ideias para o baile por vir.
– Amir está realmente empolgado - Camilla, a rainha, sorriu para os filhos - Ele não tens falado de outra coisa senão isto pela última semana, está adorando planejar o baile, imaginem quantos mais há de planejar quando for coroado!
– Minha mãe, da forma que falas faz-me parecer uma criança - O príncipe herdeiro corou, apesar de sorrir para a mulher, a coroa em seus cabelos combinando perfeitamente com o conjunto dourado que usava aquela manhã.
– Fico feliz que tenhas decidido por organizar o baile por mim, irmão - Ambrose garantiu - Eu mesmo não teria cabeça para organizar algo de tal magnitude com meus pensamentos todos voltados para o fato de que muito em breve irei morrer.
– Não digas isso - Camila franziu o cenho - Não falemos de morte enquanto comemos.
– E o que eu deveria dizer, Majestade? Se é o que me aguarda dentro de um mês.
– Não sejas rebelde, Ambrose - William, o rei, finalmente falou algo, apertando a mão da esposa que tremia - Se houvesse um jeito de frear a maldição nós já teríamos feito.
– Bem o sei, meu pai, perdoem-me - O príncipe mais velho suspirou - Apenas um pouco cansado, novamente peço perdão por não ser a melhor das companhias, acho que irei me retirar agora.
– Espere, irmão! - Amir arregalou os olhos, pronto para segurá-lo, mas Ambrose foi rápido em desviar das mãos do mais jovem.
– Tenho certeza de que irá organizar um baile perfeito, Amir, prometo ajudar-te mais tarde, agora realmente sinto-me indisposto.
Ambrose deixou a sala de jantar, maldizendo-se por estragar tudo, mas o que leu na noite anterior não saia de sua cabeça, se magia realmente existia então devia existir uma forma de quebrar sua maldição, por que ninguém antes tentou?! Só porque todos tinham medo daquela floresta?
Deveria tentar de alguma forma, precisava entrar na floresta e encontrar a fonte da magia!
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Amir encontrava-se nervoso, mal mantinha a concentração nos estudos que fazia com o tutor, seus pensamentos no irmão. Era possível amar alguém que nunca viu? Que nunca, de fato, conheceu?
Sempre acreditou que o irmão escondia sua verdadeira natureza, preso fingindo ser o que não era para agradar a todos, sentia que a maldição dele era muito mais em sua própria cabeça do que algo que o atacaria aos seus 18 anos.
Sabia que a mãe havia o incumbido de planejar o baile para desviar Amir de todas as perguntas que fazia acerca da maldição, de toda a sua busca por uma forma de a quebrar e não conseguia entender os motivos da progenitora de permitir que as coisas continuassem. Se fosse um de seus filhos - e um dia seria - Amir faria tudo a seu alcance para garantir que ficasse seguro!
No momento, porém, o baile de aniversário do irmão tomava todo seu tempo e nada poderia fazer, este era o motivo de estar tão nervoso, ficando ocupado com o baile não poderia pesquisar e tentar ajudá-lo de forma efetiva, afinal de que importava um baile se possivelmente morreria dias depois?!
Soltando um longo suspiro, virou a página do livro que lia antes de encarar seu tutor, Miguel era relativamente jovem e agradavelmente bonito, com os cabelos escuros cacheados que caiam sob os ombros como uma cachoeira, olhos castanhos analíticos e os lábios cheios sempre com um sorriso contido, realmente bonito e Amir sempre gostou de estar rodeado de pessoas bonitas e não seria diferente com seus tutores, muito diferente de seu irmão que sequer se presta a estudos.
– Não te preocupes, Alteza, terminaremos em breve - O mais velho garantiu ao perceber o olhar do príncipe sobre si.
– Não tenho motivos para me preocupar - Amir garantiu, seus olhos esquadrinhando a sala de estudos que sempre usou - Em verdade pensava em meu irmão, recuso-me a acreditar que não existe forma alguma de quebrar a maldição.
– Não devias pensar nisso, é bem conhecido o que aconteceu com os reis que tentaram.
– É realmente verdade? Todas aquelas histórias de tragédias que assolaram o rei Lee? - O príncipe encarou o maior assustado.
Quando, pela primeira vez, buscou os pais para explicar ser incapaz de se resignar sobre a maldição do irmão, a mãe contou sobre o rei Lee, como ele tentou de todas as formas burlar a maldição, tendo um único filho, fazendo um batismo onde convidou todas as pessoas do reino e ignorando completamente os avisos dos mais velhos sobre os desastres que poderiam vir.
Nos primeiros anos de seu filho enchentes inundaram o reino, as colheitas simplesmente não produziam, doenças se espalharam por todo o lugar, parecia o fim de Valmorath, por sorte, logo após um grande incêndio no castelo, o rei Lee anunciou a gravidez de sua esposa e, como num passe de mágica, as coisas voltaram ao seu lugar.
Já faz quinhentos anos e ninguém nunca mais tentou quebrar a maldição.
– Se é verdade, não posso dizer - Miguel suspirou - Não existem registros sobre, porém é o que dizem e é uma história muito difundida, ainda mais dentro da nobreza.
O príncipe herdeiro bufou irritado.
– Então não conte, como se fosse verdade! - Reclamou - Se não existem indícios de que tudo isso aconteceu, eu irei encontrar uma forma!
– Sua majestade não irá gostar disto.
– Mamãe só o saberá quando eu obtiver êxito - Amir decidiu, levantando-se apressado
O jovem tutor apenas pôde observar seu aluno e amigo sair com determinação, torcendo para que sua decepção não fosse grande quando fracassasse.
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Uma suave música preenchia o ambiente, ecoando por toda a catedral, ela era um dos prédios mais bonitos do reino. Assim como os principais prédios, ela era feita completamente de cristal, sua localização a fazia reluzir em alguns horários do dia, refletindo as cores do arco íris por toda Valmorath, haviam bancos de madeira enfileirados para aqueles que buscavam a paz do lugar a fim de meditar e bem no centro tinha uma enorme estátua igualmente de cristal, parecia ter saído do próprio chão, a figura ali representada possuía belas e angelicais feições, com longos cabelos soltos que emolduravam o rosto delicado e parecia chorar lágrimas de cristal, possuía ainda um belo par de asas que lembram asas de borboleta e usava uma túnica idêntica a que Ambrose costuma usar.
Amir sentou-se enquanto fechava os olhos, sua cabeça estava cheia, não sabia o que fazer, precisava encontrar ao menos uma pista sobre como salvar o irmão!
O som de passos não o perturbou enquanto continuava a meditar, só dando atenção quando a pessoa sentou bem ao seu lado
– O que o traz a este lugar, irmão? - A voz de Ambrose o fez abrir os olhos para encarar o mais velho, completamente coberto, isso o fez querer chorar.
Nunca soube sequer qual a cor dos olhos do mais velho, se eram como mel assim como os da mãe ou se lembravam casca de árvore como os do pai, como poderia dizer amar tão incondicionalmente alguém que nunca conheceu?!
– O que houve, Amir? - Ambrose se alarmou - Por que choras?!
– Nada - O príncipe herdeiro secou suas lágrimas ensaiando um tímido sorriso.
– Se nada é, então por que choras?
Amir suspirou, seus olhos voltando para a estátua que igualmente chorava lágrimas que nunca secariam.
– Apenas incomoda-me a tua dor.
– Minha dor? - O tom do mais velho soou divertido e carinhoso - E que dor haveria de ser esta que esqueci de sentir?
– Tu dissestes esta manhã que morrerá em um mês - Amir encarou o irmão com visível preocupação - Mesmo que não sejas verdade, que a maldição não seja a morte, ainda é doloroso viver tanto tempo acreditando ter um prazo de validade.
– Sempre tão doce - Ambrose puxou o menor para um abraço - És realmente afortunado, meu irmão, não te preocupes com isto.
– E como não hei de preocupar-me?!
Ambrose riu, um riso suave que lembrava um sino fazendo Amir suspirar.
– Achas realmente que me resignei? Ainda busco uma forma, irmão - O mais velho garantiu, parecia olhar a estátua, porém o príncipe herdeiro jamais poderia dizer com certeza - Achei um livro interessante outra noite, algo me diz que as respostas que buscou estão na floresta.
– Na floresta?
– Não penses mais nisso, foque no que nossa mãe quer, faça a melhor festa que este reino já viu, eu cuido do resto.
Amir sorriu, um sorriso de puro alívio enquanto fechava os olhos, a cabeça encostando no ombro do mais velho.
– Eu te amo, Ambrose.
– Altezas - A voz distraiu os dois irmãos que viraram em sincronia para encarar o guarda pessoal de Amir - Desculpe interrompê-los, mas o príncipe herdeiro possui compromissos.
– Não te desculpes - Ambrose levantou - Vá, meu irmão, vejo-te no jantar.
– Até lá, Ambrose - O menor sorriu sem jeito antes de acompanhar o guarda.
Ambrose suspirou decidindo por uma caminhada, tinha despistado os próprios servos para estar sozinho na catedral com o irmão e ainda tinha tempo antes de ser encontrado.
– Nunca pensou em sair por aí sem máscara? Ninguém desconfiaria que é você.
A voz assustou o jovem príncipe que se virou de uma vez para encontrar aquele mesmo homem de terno vermelho e cabelos loiros encostado contra a estátua, estavam só os dois na catedral.
– Começo a cogitar a ideia de que sejas fruto de minha mente - Ambrose resmungou fazendo o homem rir.
– Sou assim tão bonito que pareço uma miragem?
Por baixo da máscara, o príncipe revirou os olhos decidindo sair dali, obrigando o desconhecido a acompanhá-lo na caminhada.
– Ainda não disseste teu nome - Ambrose retornou o assunto.
– Já o disse, Alteza, sabes qual é, apenas não te recordas.
– Então refresque minha memória.
O loiro riu, os dois nenhum pouco preocupados com o caminho que faziam, a maioria das pessoas passavam a metros de distância, todos com medo de que, caso se aproximassem, pudessem ver algum vislumbre do príncipe e isso os amaldiçoasse também.
– Está tão carente de companhia que aceitas a minha tão fácil? - A voz do loiro fez Ambrose fechar os olhos em claro sinal de frustração, o problema era que o outro não era capaz de ver e entender este sinal - Afinal todos o evitam.
– Se tu estás tão incomodado com isto, então por que continua vindo até mim?
O maior riu chamando a atenção do príncipe. Ele era alto, mais alto que Ambrose e isso era alguma coisa, ele tinha um sorriso bonito com lábios carnudos levemente avermelhados e uma covinha que aparecia sempre que ria abertamente, os olhos brilhavam etéreos contra a luz do sol e os cabelos loiros pareciam reluzir, a pele banhada de sol lembrava o pó de casca de árvore, simplesmente encantador.
– Incomoda-te que eu venha?
– Não realmente - Ambrose riu baixinho - É justo, na verdade, eu não sei teu nome e tu não sabes meu rosto e assim nós seguimos.
– Não te incomoda nem um pouco está fadado a nunca ser visto? - O príncipe viu seus criados se aproximando e suspirou, é, sua liberdade havia tido um limite - Nunca pensou que jamais seria reconhecido e tu poderias facilmente andar por aí?
– Por que está fazendo estas perguntas impertinentes? As coisas sempre foram assim e ninguém nunca ousou mudar! - Ambrose bufou frustrado, cada vez mais decidido que este homem era fruto da parte mais rebelde e inconformada de sua mente
– Teu irmão parece interessado em mudar as coisas.
– Amir é somente uma criança que nada sabe sobre a vida, agora pare com essas ideias tolas e não ouses buscar por meu irmão!
O loiro riu claramente se divertindo.
– Não te preocupes, alteza, nada irei fazer sobre isso - Garantiu - Mas saiba, talvez exista uma forma de mudar tudo, talvez exista realmente uma maneira de quebrar a maldição.
– E esta resposta se encontra na floresta?
O homem parou, seus olhos presos no horizonte, encarando as árvores mais altas da floresta que circundava todo o reino.
– Talvez, talvez em um passe de... mágica, possas encontrar a resposta.
Ambrose se obrigou a parar também encarando o desconhecido como se o olhasse pela primeira vez, a sensação de que realmente já havia o conhecido antes o tomando, onde teria o visto? Andando por aí? Em algum lugar do castelo? Não eram exatamente muitas as pessoas que ficavam por perto de um amaldiçoado, então quem era este homem?
– Alteza! Ainda bem que o achamos! - A voz de um dos servos fez Ambrose se desviar dos próprios pensamentos para encará-los - Precisamos regressar ao palácio, está quase na hora do chá.
– Apenas esperemos por meu irmão, quero retornar com ele ao meu lado - O príncipe virou-se novamente, não mais surpreso com o desaparecimento repentino do desconhecido que ninguém mais parecia ver - Viram para que lado ele foi?
– Ele quem, alteza?
– O homem loiro que estava comigo.
– Não havia ninguém contigo, alteza.
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Ambrose havia chegado no palácio bem a tempo do chá onde ouviu o irmão traçar planos para o baile, Amir parecia chateado de Ambrose não estar nem um pouco animado então foi uma interação breve antes do mais velho dos dois se retirar para que pudesse comer, isolado como sempre.
Assim que entrou no quarto, porém, retirou as roupas que usava, ficando somente com shorts antes de vestir seu avental preparando um cavalete e tintas para pintar. Ajudava-o a pensar, pintar sem realmente se importar com o produto final, deixando apenas que seus sentimentos se manifestassem enquanto analisava cada pensamento em sua mente.
Estava extremamente absorto nesta função, o pincel em uma mão e o godê na outra, faltavam 20 dias para seu aniversário, faltavam 18 dias para o baile e sua mãe parecia cada vez mais angustiada também.
Camilla, a única pessoa que sabia exatamente o que era esta maldição e a mais empenhada em manter os filhos longe de tudo isso, o que ela teria visto na noite que o próprio irmão desapareceu?
Parou de pintar, seu cenho levemente franzido ao enfim notar o que formou na tela: o rosto do homem desconhecido que vinha aparecendo para si aleatoriamente faz 10 dias.
– O que é você? - Sussurrou para o quadro sabendo que ele não o responderia.
– O correto não seria perguntar quem é você?
A voz o fez gritar, pincel e godê voando de sua mão enquanto Ambrose se virava para encarar o homem sentado em sua cama, provavelmente havia sujado o chão e o tapete de tinta, mas porra! Alguém o tinha visto sem máscara e túnica!
O homem sorriu para si, seus olhos pareciam ganhar um brilho vermelho contra a luz do entardecer que entrava pela varanda, os cabelos loiros molhados estavam presos em um rabo de cavalo alto e ele usava um terno azul escuro, sentado na cama de Ambrose com as pernas cruzadas e aquele sorriso que revelava uma linda covinha. O mesmo homem que pintava em sua tela instantes atrás.
Este cara havia o visto!
Ambrose ainda estava congelado, os olhos arregalados em horror enquanto sequer sabia o que fazer tendo sido visto por um completo desconhecido.
Sons de passos o tiraram do torpor antes de alguém bater à porta.
– Alteza, está tudo bem? Nós ouvimos um grito - A voz soou do outro lado, era a voz de um dos tutores de Amir, como era mesmo seu nome? Miguel!
– Estou bem, Miguel - Ambrose garantiu ainda tentando controlar a respiração - Eu acabei caindo enquanto dançava, mas estou bem, não se preocupem.
– Tens certeza disso, alteza?
– Tenho sim, desculpe-me por preocupar.
O príncipe aguardou em silêncio, ouvindo os passos se afastarem, seus olhos nunca deixando o loiro que levantava ainda sorrindo, como se tudo aquilo o divertisse bastante, deixando o menor mais apreensivo.
– O que raios tu fazes aqui?! - Ambrose chiou - Como entrastes no meu quarto?!
– Tu pareces acostumado a mentir para teus criados, acaso recebe muitas pessoas escondido?
– Eu é quem faço as perguntas! - O jovem príncipe cruzou os braços - A começar por teu nome!
– Por que é tão importante que saiba disto? Faz alguma diferença em tua vida saber?
Ambrose estreitou os olhos, a adrenalina baixando à medida que a compreensão o atingia: nada havia acontecido! Este homem havia o visto e nada aconteceu! Mas e a maldição? E o perigo de alguém ver qualquer parte de seu corpo por menor que fosse?! Era... era mentira?!
Toda sua vida... era mentira?
– A maldição existe e certamente se fosse um de teus guardas ou mesmo teu irmão a vê-lo desta maneira estariam perdidos - O loiro explicou parecendo ter lido a mente do príncipe - Mas a maldição não atingirá a mim desta forma, pode-se dizer que sou imune a ela.
– E espera realmente que eu acredite que tu és imune como em um passe de mágica?! - Ambrose zombou irritado - Diga-me de uma vez teu nome!
– Está realmente empenhado em descobrir isso.
– Dizem que o nome das coisas dá ou tira o poder que elas têm - O menor cruzou os braços - Agora diga de uma vez!
– Direi, caso concorde em me ajudar com algo.
O menor dos dois estreitou os olhos em completa desconfiança.
– O conheço a menos de um mês, porque achas que eu concordaria em ajudar-te?
O loiro caminhou lentamente até o príncipe de Valmorath tocando seu rosto com delicadeza.
– Porque posso quebrar a tua maldição - Sussurrou - Tu não precisas de me responder agora, tens até o teu baile, agora eu preciso ir.
– Ambrose, querido? - A voz de Camilla - O tutor de Amir disse-me que caiu, está tudo bem? Eu estou entrando.
A porta foi aberta junto do anúncio fazendo o príncipe se virar para encarar a rainha.
– Avisaram-me que poderia ter se machucado - A mulher se aproximou preocupada buscando possíveis hematomas, Ambrose nem mesmo precisou se virar para ter certeza de que o outro havia desaparecido novamente.
Como em um passe de mágica.
– Estou bem, mãe - O príncipe garantiu com um sorriso - Só foi uma pequena queda enquanto dançava, não te preocupes.
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