my past.
Presto atenção aos detalhes das obras de mármore que descansam no meio do salão do palácio. As cortinas em cores claras cobriam a visão da violência que era silenciosamente cometida contra os mais fracos, o silêncio era perceptível enquanto eu caminhava pelos corredores com as paredes acolchoadas e o chão coberto com um tapete vermelho extenso. Depois de quase um mês fora, todo esse luxo parecia desnecessário, e todo o lugar parecia um quarto psicodélico em que as pessoas simplesmente fingiam que estava tudo perfeitamente em seu lugar, quando na verdade tudo desmoronava em frente aos seus olhos.
Passei pela última porta de madeira, dando de cara com a cozinha completamente feita, e pela abundância eu poderia dizer que eles já me esperavam, mas sempre fora assim. Enquanto o resto do inferno teria que se humilhar para comer um simples pedaço de pão, eu, e toda a família da coroa teriam tudo o que precisávamos e até um pouco mais, tudo que sobrasse, seria jogado fora. Claramente um desperdício quando toda a população estava morrendo de fome bem em frente a nossa luxuosa mansão.
Todos de fora tem uma péssima visão do inferno, e eu não os julgo, afinal, isso não era nada além da verdade sendo exposta ao seus olhos. A questão é que esse nunca foi o objetivo do inferno. Nunca foi como a bíblia descreveu, ou ao menos, nunca deveria ter sido.
Um lugar cheio de miséria, sofrimento, em que criaturas maldosas te torturavam porque você foi mal na terra. Quando eu era criança, costumava rir das histórias da bíblia, porque elas eram tão fora da realidade que chegava até a ser engraçado.
Quando o filho de netuno foi designado a cuidar do inferno, ele o fez com prazer. Nos livros mitológicos, as histórias que contam é que ele se isolou por ser obrigado a o fazer, o que é uma grande besteira. O filho de netuno é meu bisavô paterno, que mora tão distante que eu nunca fui capaz de visitá-lo, meu pai costumava dizer que ele era muito fechado, por ter sido rejeitado pelo seu filho, Lúcifer primeiro, então em sua primeira oportunidade, desistiu do trono, o deixando nas mãos de alguém negligente, e por natureza, uma pessoa ruim: Meu avô, que foi derrotado pelo meu pai em troca do trono, afinal, ele era tão ruim e tão egoísta, que se recusou a render o seu trono na hora que precisava – Comandou o inferno por 150 anos, e quando o seu primogênito, Hades, finalmente tomaria o seu lugar ele gritou:
“Só por cima do meu cadáver” E assim meu pai o fez, por cima do seu cadáver, ele enterrou o seu pai no mesmo lugar em que enfiou uma estaca no seu peito, e construiu uma estátua em sua própria homenagem, com a frase desafiadora do seu pai. E então foi aí, que o inferno virou o inferno que conhecemos. Depois de 150 anos de negligência, o inferno caiu nas mãos de alguém egocêntrico e cruel, inúmeras vezes pior do que seu pai.
Meu pai se casou com minha mãe, por um casamento arranjado, com o objetivo de ter sucessores com sangue puro, e uma linhagem longa.
Nasceu Melione, a quem chamávamos de Zoe, a deusa dos fantasmas, dos pesadelos e da loucura. A primogênita, aquela que deveria ser a perfeita para comandar o trono e seguir a linhagem. Meu pai disse assim que a segurou pela primeira vez:
“Não, ela não é a sucessora que preciso. Quando crescer, manda-a para um reino distante, para que ela comande qualquer outra coisa, exceto o meu reino”
Nasceu Zagreu, ou como o conhecemos, Finneas. O Deus da religião órfica. O primeiro homem da linhagem, aquele a qual queriam que herdasse o trono. Assim que meu pai o viu, exclamou:
“Ele será um bom garoto, mas não é o suficiente para o meu reino. Arranje-o uma mulher deusa de alguma virtude, será o suficiente”
Por fim, nasceu Macária, mas ninguém a conheceria por esse nome, eles a chamariam de Billie. Meu pai olhou para os meus olhos completamente negros e sorriu, ele apenas assentiu com sua cabeça, e deu um olhar orgulhoso para a minha mãe antes de sair do quarto.
E em menos de 20 anos, o inferno estaria em minhas mãos, para fazer o que eu quisesse.
Então, a vida seguiu. Meu pai tratava meus irmãos de maneira diferente de mim, eu não entendia. Por que eles recebiam tanto afeto? Por que eles saiam com o papai enquanto eu ficava em casa, treinando para quando eu tivesse 40 anos? Por que eles tiveram o privilégio de viver uma infância relativamente normal, enquanto tudo isso foi arrancado de mim a partir de quando eu abri meus olhos?
Eu precisava de afeto. Precisava de amor. Eu ansiava por qualquer pedaço de consideração por mim. No lugar disso, eles me deram algumas armas, e varias cicatrizes.
Me transformaram numa arma, e me disseram para trazer paz para a população, para trazer paz para mim.
Zoe se renegou a sua função, ela fugiu, fugiu para tão longe que ninguém a encontrou, e ela deixou algo para mim, algo valioso, mas que eu nunca usaria: Ela deixou comigo, a sua sede por viver, sede por experiências. Mas eu não era tão corajosa quanto ela, eu não teria forças para lutar contra meu próprio sangue.
Eu era uma criança, afinal.
Essa é a história de como me moldaram para ser um monstro. É a história de como me perdi entre quem eu sou e quem eu nasci para ser.
Meu pai chama minha atenção, limpando sua garganta. Ele puxa a cadeira, e gentilmente, acena com a cabeça para que eu me sente, e assim o faço. A mesa está vazia, digo, em questão de pessoas. Os mordomos se posicionam parados, próximo aos quatro cantos da mesa, olhando para frente.
— Meu Zeus. Você está parecendo um cadáver. — Meu pai gritou, logo antes de gargalhar. — O mundo humano não te fez bem, não é? Lá tem muito afeto, muito carinho, e eu acredito que você não esteja acostumada com isso. — Ele riu histericamente mais uma vez, no final, isso era só mais uma piada para ele.
Tranquei meu maxilar e apertei meu punho, tentando controlar minha raiva.
— Fica calma. — Sorriu cinicamente. — Um pouco de vinho deve te ajudar. Thompson, traz uma taça de vinho para esse monstro estressado. Não quero que ele destrua meu palácio. — Ele gargalhou mais uma vez, cada vez mais alto, cada vez com mais vontade, cada vez mais sarcástico. A cada palavra que escapava de minha boca, minha vontade de estrangula-ló crescia. Sua presença me incomodava, estar em sua presença completamente sozinha, me incomodava ainda mais.
O mordomo vestido em um terno simples deixou a taça de vinho sobre o guardanapo estendido na mesa, antes de se curvar para dar as costas. Encarei o líquido vermelho arroxeado por alguns segundos, antes de tomar um gole pequeno e voltar a olhar para o meu pai.
— Tenho uma pergunta que não saí da minha cabeça. — Revela — O que faria alguém como você, com tudo na vida, ir até a terra? — Inclinou a cabeça, com um sorriso psicodélico.
— O que te faz ter certeza que eu queria essa vida, papai? — Sorrio junto, sem mostrar os meus dentes.
O de terno fechou seu sorriso imediatamente, me encarando com uma feição vazia, seus olhos completamente monótonos, mas suas sobrancelhas mostravam seu estresse.
— Qualquer criatura daqui queria ter uma existência como a sua, querida. — Voltou com o seu sorriso meigo. — Sabe, quando você nasceu, eu sabia que você seria um desafio.
— E ainda sim me escolheu para ser a herdeira do trono? — Perguntei, sínica, tomando mais um gole do vinho.
— Não, não mesmo assim. — Sorriu com os dentes. — Te escolhi por isso. — Ele gargalhou mais uma vez, me assustando um pouco. — Eu não posso te impedir de voltar para a terra, querida deusa da morte. Mas você não vai querer que eu descubra o motivo disso, porque, você disso tenha certeza, eu vou tira-ló de você. — Socou a mesa, fazendo a minha taça de vinho derramar no chão. — E haverá sangue. — Riu tão alto que fez com que eu tapasse meus ouvidos, sua risada foi contínua. Ele continuou rindo quando se levantou da mesa e saiu em passos rápidos.
Meus olhos se encheram de lágrimas, lágrimas agônicas, me levantei da mesa, voltando pelo mesmo corredor de onde vim. Esbarrei com minha mãe, que ficou surpresa ao me ver.
— Billie, querida! Que bom te ver aqui. — Ela tinha um sorriso meigo no rosto, que logo se transformou em uma feição preocupada ao ver os meus olhos lacrimejando. — Oh, meu amor, não chore! — Ela puxou meus ombros, me abraçando. A abracei apertadamente, deitando minha cabeça em seus ombros e deixando minhas lágrimas encharcarem sua camisa. Isso era o que eu precisava, o que eu precisei durante toda a minha existência. Mas isso também era ao que eu fui negada desde que meu pai decidiu que a crueldade me faria uma ótima líder.
— Eu odeio isso, eu odeio ele, odeio ele! — Eu gritei, estremecendo as paredes dos corredores. Não era preciso de muito para ela saber de quem eu estava falando. A ruiva com cara de jovem tirou meu rosto de seu ombro, e acariciou meu rosto com delicadeza. Ela sorriu, e eu pude ver algumas lágrimas encharcarem seus olhos também.
— Ser forte não é sinônimo de ser cruel. Você não precisa ser como seu pai, querida. — Foi o que ela disse, antes de se desvincular do meu abraço e continuar o seu caminho para onde quer que fosse. Virei de costas, apenas para vê-la secando suas lágrimas com dor. Eu passei tanto tempo vendo a minha própria dor, que esqueci que eu não era a única vítima. Toda a minha família era. Toda minha nação era. E meu pai teria que pagar por isso, de um jeito, ou de outro.
Eu só precisava de tempo para isso.
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* mano eu amei esse capítulo! não tem muito diálogo mas explica bastante, eu acho.
espero que tenham gostado, ainda vou tentar publicar outro hoje.
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