Capítulo 41
Desabei na minha cama sem força nenhuma, caindo justamente com toda força.
Quanta mentira.
Espremi meus olhos.
Será que estou sendo orgulhosa demais para enxergar que ele não fez por mal, ou estou sendo condescendente para poder me aproximar dele?
Meia garrafa de vinho depois, as coisas pareciam menos pesadas, como se o álcool fosse um atenuante de gravidade, apesar de nos deixar mais pesados.
Dormia tão torta que meu pescoço parecia estar travado quando eu tentei me mexer. Ainda estava sob efeito do vinho umas duas horas depois quando desci até a cozinha para tomar um analgésico para dor no pescoço.
Eu vou mesmo tomar analgésico com álcool?
Tive a sensação de ter escutado alguém bater na porta. Coloquei o copo que estava na minha boca de volta na pia e olhei em direção à sala. Mais uma vez o barulho.
Andei até lá arrastando as meias. Pelo vidro jateado, pude ver uma silhueta. Mas o álcool não me deixava pensar com clareza.
Abri a porta sem muita preocupação.
- Ah... - falei com excesso. - Mas será possível? - senti minha língua enrolar um pouco.
Ele permaneceu quieto.
- Use o mesmo controle que usou para entrar e dê meia volta - fechei a porta, mas ele a segurou.
- Me perdoa. Estou parecendo um psicopata. E isso está me atormentando. Se quiser chamar a polícia, não vou me opor - falou só com um pedaço do rosto aparecendo pela abertura da porta.
- Pfff - bufei soltando a porta. - Não seja ridículo.
Caminhei para a sala enquanto notei que ele estava receoso.
- Deixe o meu controle onde encontrou. As chaves também. E o que você quer ainda? - me irritei.
- Não sei, não. Pedir desculpa pela cena no café? - arriscou.
- Você é você mesmo? Ou efeito da minha bebida - ri sarcasticamente.
- Sou eu - falou agarrando meu pulso para pousar minha mão no peito dele.
Senti o coração bater enquanto o peito dele se movia ao respirar.
- Mas que coisa mais cafona - falei tirando a minha mão do peito dele. Mesmo que eu tivesse gostado da cafonice.
***
- Oi - falei quando abri meus olhos e vi que ele estava deitado no outro sofá, de frente para mim.
- Oi.
- Você ainda está aqui?
- Não tive coragem de ir. Você podia achar que eu era mais uma alucinação.
Fechei os olhos novamente
- O que aconteceu? - perguntei tentando me lembrar.
- Usei teu controle para entrar.
- Disso eu lembro - interrompi.
- Você apagou - começou. - Estava falando sem parar sobre coisas cafonas. Depois fez uma oferta tentadora. Falou que eu era um idiota e apagou no sofá.
Sentei ajeitando o cabelo.
- O que foi que eu falei?
- Falou para a gente fazer sexo de uma vez e acabar logo com isso.
- E você falou o quê?
- Fiquei puto.
- Ficou?
- Sim.
- Ué, por quê?
- Porque eu não vim aqui pra isso, Sofia. Porque não é só isso que eu quero com você.
Me ajeitei no sofá sentindo minha cabeça latejar.
- Não?
- Claro que não.
Fiquei quieta enquanto ele me olhava surpreso por eu achar que ele só queria sexo.
- Aquele idiota no café. Era seu ex?
- Sim.
- Estou curioso para saber por que você disse para ele manter distância.
- Porque sim.
- Fala logo.
- Ou você vai usar um espião russo para descobrir?
- Não tem graça.
- Pra mim tem sim - ri um pouco sarcástica enquanto ele continuava sério.
Revirei os olhos quando bati minhas duas mãos na coxa.
- Ele tentou me procurar esses dias e eu pedi para ele me deixar em paz.
- Se ele tentar fazer algum mal pra você eu acabo com ele.
- Eu não gosto desse tipo de demonstração de força. Ainda mais porque não sou uma pessoa que precise disso. Eu sei me defender.
- Não estou insinuando que não saiba. Mesmo que você tenha matado ele, eu ainda vou querer surrar ele um pouco.
- Por que isso?
- Porque sim.
Estava visivelmente irritado.
- Porque me preocupo com você - continuou mais ameno.
Fiquei em silêncio observando seu rosto corado pela raiva. Os cabelos despenteados jogados para trás totalmente bagunçados. Quando ele se mexia, eu podia sentir o perfume.
Ele tinha se trocado. As roupas eram as dele finalmente. Camisa de veludo vinho, uma bota que parecia dourada e uma calça extremamente justa desfiada no joelho.
- O que foi? - ele quis saber enquanto eu estava avaliando ele.
- Pensei muito essa noite. Pelo menos antes de você chegar - fiz um sinal de indiferença com as mãos. - O caso é que cheguei a uma conclusão estranha.
- Qual? - perguntou com a curiosidade claramente aguçada. Os olhos estavam ligeiramente arregalados.
- Sabia que uma das coisas que eu mais queria na vida era saber a cor dos seus olhos com exatidão?
Ele fez uma cara surpresa com a mudança repentina de assunto.
- Pelas fotos e pela televisão eu nunca conseguia saber. Algumas vezes eles parecem mais claros, outras vezes mais escuros - levantei e andei até ele que estava sentado.
- Olha pra mim - pedi de pé, vendo ele de cima.
Cheguei até o meio de suas pernas que agora estavam entreabertas e com as duas mãos segurei seu rosto que estava virado para mim. Suas pupilas estavam um pouco dilatadas, mas consegui finalmente decifrar a cor.
- São verdes - ele continuava em silêncio enquanto eu analisava seus olhos. - Têm um contorno mais escuro, quase azulado, mas definitivamente, são verdes - falei e continuei segurando o rosto dele. - São lindos.
Eu quis beijar seus lábios entreabertos, mas rapidamente interrompi o contato visual e me sentei ao seu lado. Me virei para ficar totalmente de frente para ele que fez o mesmo.
- Como foi que você descobriu aquele lago?
- Assim que cheguei, antes de ter coragem de te procurar, dirigi pela cidade, depois saí dela e acabei caindo lá. Eu achei o lago primeiro, depois achei você.
- E quanto ao seu sorvete favorito?
- O que tem ele?
- Me lembro bem de você comendo aquele sorvete estranho comigo, mas sempre li que seu favorito era de chocolate. Eu vi você falando em uma entrevista que era chocolate - falei efusivamente.
- Eu falei mesmo. Mas eu menti.
- Ora, ora... - fiz de conta que era uma surpresa ele mentir.
- Não por mal, Sofia. Mas por querer guardar alguns detalhes meus só pra mim, poxa. E para pessoas que realmente me importa que saibam meu sabor de sorvete favorito.
Me arrependi do comentário acusador instantaneamente.
- Aquele dia - disse diante do meu silêncio. - Que você me confessou que estava com uma música minha na cabeça, eu entrei em desespero. Achei que logo você se lembraria de tudo e que me deixaria.
Se moveu para mais perto de mim.
- Sofia, nunca fui tão egoísta na vida. O fato de você me ver como você me via e não como um astro do rock fez com que eu tentasse esconder as coisas de você.
- Isso é realmente horrível.
- Mas era genuíno. Você parecia gostar de mim e não da minha imagem.
Balancei a cabeça negativamente.
- Eu sei que estou errado - ia continuar, mas eu interrompi.
- A verdade, Eduardo, é que você é um arrogante, pedante, convencido e mimado, mas você me salvou.
- Salvei? - falou baixo, ainda confuso.
- Sim - afirmei e sorri. - Eu estava decidida a não fazer tratamento para a minha doença. Mas você apareceu naquele corredor e eu entendi como um sinal. E eu me curei. Mas você não me salvou só dessa vez. Quando eu perdi a memória, pensei em desistir de tudo, e eu nem sabia que já tinha vencido um câncer. Então, você apareceu novamente e me devolveu a vontade de viver.
- Sofia - falou com pressa - eu amo você.
Fiquei estática. Minha boca se abriu para responder, mas eu estava paralisada.
- Fica comigo - ele continuou.
Não movi nenhum músculo enquanto meus olhos permaneciam arregalados.
Engoli a saliva dolorosamente e umedeci a boca que estava seca.
- Eu... Eduardo... Como?
- Como o quê? Como ficar juntos?
Eu pensei no que ele era e tudo que envolvia ficar com ele.
- Pode chamar de namoro se quiser - disse e sorriu.
- Eu não estou preocupada com o rótulo do nosso relacionamento e sim com conteúdo dele. Você mora longe, e trabalha demais como eu.
- Eu tenho uma casa aqui na região metropolitana agora.
- A casa onde você cresceu? - falei irônica.
- Sim. Aquela casa é minha.
- Ok. Mas eu também trabalho muito e você consegue trabalhar ainda mais que eu que sou médica.
- Sofia! Não é como se a gente fosse casar.
- Fico feliz em ouvir isso.
- Mas se quiser, podemos. Eu sei como você adora esse lance de casamento.
- Cala a boca - eu tentei não rir.
- E além do mais, eu vou dar um tempo.
- Um tempo no quê? Na banda?
- Sim.
- Não! - levantei.
- Sim. Vou sim.
- Está maluco?
- Sofia - segurou minha mão que balançava diante de mim. - Isso já estava decidido antes de nos conhecermos, você não é a responsável.
Parei para ponderar e ver se ele estava falando a verdade dessa vez.
- Jura?
- Sim. Faz tempo que estamos pensando nisso. Não é uma decisão que se toma do dia para noite.
Sentei novamente, olhei seus olhos verdes brilhantes.
Fiquei extremamente aliviada.
- Poxa, que pena.
- Que pena? - ele estranhou.
- Perdi a oportunidade de ser a Yoko Ono?
Ele riu.
- Sim - as covinhas estavam lá.
Tive que abraçá-lo.
Certa de que tinha pegado ele desprevenido, apertei com força, tanta que deve ter doído.
Passada a surpresa, ele envolveu os braços na minha cintura e também me apertou.
- Você quase me matou do coração. Achei que ia me deixar - falou com a voz apertada pelo nosso abraço.
- Eu amo você - também estava com a voz abafada e com o rosto enfiado em seu pescoço em meio ao cabelo dele.
- Não entendi - falou me empurrando para frente para ver meu rosto.
- Entendeu sim - falei ao notar a expressão no rosto dele. - Só pare de ser tão estranho e tudo vai dar certo.
Ele sorriu, olhou para baixo, pensando no que ia falar a seguir, como costumava fazer desde quando nos vimos pela primeira vez no corredor do hospital.
- Era você.
- Era eu o quê?
- Quando a gente estava conversando um dia, eu confessei ter feito sexo com uma pessoa pensando em outra. Era em você que eu estava pensando.
Fiz uma cara de estranhamento, franzi um pouco o cenho e senti meus lábios enrugando um pouco.
- Isso entra na categoria de declaração de amor? - quis rir, mas me segurei.
- Claro que não. Só não queria que ficasse pensando que eu sou assim leviano com as pessoas que me relaciono. O caso é que você virou aquela música estúpida que gruda na cabeça e se repete sem parar, sabe?
- Mais uma declaração de amor! - ironizei.
- Essa até entra na categoria.
- E por falar em música - falei pegando um de seus dedos e comecei a acariciar. - Aquela música no show, me pareceu familiar.
- Pareceu? - seu rosto o entregou quando a covinha esquerda apareceu.
Sim.
- Fiz pra você. Declaração de número três - confessou.
- Eu lembro do refrão de algum lugar, mas não sei de onde.
- Saiu de uma conversa nossa lá no corredor do hospital.
- Sabia! - bati com o punho da mão direita na palma da mão esquerda.
Ele sorriu com a minha empolgação.
- Aquela nossa conversa me marcou bastante. Gostou? - quis saber.
- Heaven Strike fez uma música para mim - falei a frase como se fosse o comunicado de que o homem havia pisado na lua pela primeira vez. - E você me pergunta se eu gostei? É absurdamente surreal. E maravilhoso.
Os olhos dele estavam mais tranquilos, mas quase não piscava.
- Você sabe? Não, não sabe - falei olhando para cima para lembrar. - Você é a pessoa famosa. Mas por um acaso já deitou na cama e antes de dormir fantasiou exaustivamente com alguém? Toda santa noite e em alguns momentos do dia também?
- Claro que sim.
- Sim?
- Com você eu fiz isso várias vezes.
- Fez nada!
- Eu fiz!
- Então me diz que eu não estou fantasiando novamente e nem tendo alucinações perigosas.
- Não está - Envolveu meu rosto com uma das mãos. - Eu estou bem aqui. De frente para você, sentado no seu sofá, morrendo de vontade de te beijar.
Então o fez.
Era um alívio estar com ele depois de tanta confusão.
Saber que ele era real, melhor ainda.
- Acho que vou ser obrigada a ser odiada por todas as garotas do universo. E perseguida por fotógrafos também.
- Isso é ruim?
- Sim.
- E por um acaso um sim?
- Sim.
Ele riu entre um beijo e mais um abraço.
- Hoje uma paciente se recusou a ser atendida por mim, por sua culpa.
- Como? - se assustou.
- Ela me viu com você na revista, depois deve ter me visto em fotos no seu show - suspirei.
Seus olhos estavam preocupados.
- E tem gente sempre me monitorando quando saio de casa. Aposto que eles estão lá fora agora mesmo.
- Desculpa - pediu pesaroso.
Eu quis rir, pois ele não estava enxergando meu sarcasmo.
- Na verdade, eu acho que a gente deveria abrir a cortina e mostrar para eles o que eu pretendo fazer agora - olhei para ele e ele finalmente entendeu o que eu queria.
***
- Ele já deve estar chegando.
- A comida está quase pronta, querida. Não quer ligar para ele? - minha mãe quis saber colocando uma forma imensa de lasanha sobre a mesa.
A campainha tocou logo em seguida fazendo meu estômago vibrar.
- É ele - falei convicta.
Ajeitei meu cabelo e fui para a porta.
- Finalmente! - meu pai falou quando eu estava quase chegando na porta.
Ele estava ali. Parado em frente à porta da casa dos meus pais. O sorriso estampando as covinhas e a roupa chamativa não escondiam mais quem ele de fato era. Os cabelos soltos com cachos que o vento balançava, estavam perfeitos. Ele era de verdade.
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