Capítulo 32
Peguei a revista, inconformada com o que via. Parecia um truque da minha mente doentia e intoxicada por Eduardo.
- Mas que merda é essa? - soltei quando uma pontada muito forte atingiu minha cabeça como se eu tivesse sido apunhalada.
Os olhos dele surgiram em diferentes ângulos na minha mente. Apertei meus olhos com força. Dei uma cambaleada para trás quando vi Gabriel na minha frente com uma aliança na mão... os olhos amendoados dele e a barba curta por todo rosto.
Carter. Carter apareceu num saguão de hospital em flashes coloridos.
Minha cabeça doía e minhas mãos se contraíram quando vi Eduardo sentado de frente para mim no corredor de um hospital. No meu hospital!
Cristofer me abraçava apertado na minha lembrança confusa e de repente eu já me vi na sala de cirurgia onde Carter estava parado num canto com um olhar blasé.
Meus olhos se arregalaram diante da lembrança. Minha boca se abriu suavemente enquanto meu corpo pareceu fraquejar assim que lembrei da minha queda no banheiro de casa.
Perdi totalmente o equilíbrio soltando o frasco de perfume para conseguir me manter de pé. O barulho do vidro se estilhaçando no chão me fez acordar e, quando dei por mim, já estava descendo as escadas correndo, dois degraus de cada vez. Foi tão rápido que derrubei a toalha que estava no meu cabelo no chão do corredor.
Encontrei meus pais em posição de alerta no pé da escada.
- Sofia? - meu pai começou enquanto eu permaneci catatônica vestindo uma blusa de lã coloria por cima do roupão. - O que foi esse barulho? Você está bem?
Não respondi. Olhei para baixo quando levei minha mão à cabeça tocando a cicatriz que tinha e então voltei a olhar para os dois com uma expressão assustada no rosto.
- Eu - fiz uma pausa olhando de um para o outro - lembrei. Lembrei de tudo.
Os dois ficaram em estado de choque com a minha confissão. Parados sem dizer nada como se o ar tivesse sido sugado dos pulmões de uma só vez.
- Eu - repeti sentindo o meu rosto quente - lembrei de tudo. - precisei sentar quando repeti a frase.
O degrau em que eu estava me fez ficar quase que na mesma linha do olhar dos meus pais.
Minha mãe levou a mão na boca em sinal de seu espanto. Meu pai coçou a testa com força como se estivesse irritado. Mas nenhum dos dois falou nada.
- Por quê? - soltei finalmente.
Com a mão ainda na boca, minha mãe balançou a cabeça negativamente sem emitir um som que fosse.
- Por que esconderam tanta coisa de mim? - falei mais tranqüila do que esperava. - Não pensaram que eu fosse recobrar a memória?
- Pensamos em te preservar de tanta tristeza - meu pai finalmente falou.
Assenti olhando para baixo, tentando assimilar o efeito do comprimido condensado de memória que eu parecia ter tomado.
- Íamos te contar aos poucos, querida.
Eu apoiei a cabeça na parede.
- Querida - vamos lá para cima, não fique sentada nesse chão gelado.
Assenti mais uma vez quando meu pai me levantou gentilmente pelo braço.
Entramos no meu quarto e minha mãe viu o estrago no chão.
- Deixa que eu limpo isso aqui, querida - se apressou em pegar uma toalha no meu banheiro para conter o líquido.
- Está decepcionada com a gente? - meu pai quis saber quando minha mãe se levantou com a toalha ensopada de perfume na mão.
- Não sei... - sentei na cama incapaz de continuar sustentando meu corpo. - Estou com raiva, aborrecida e cansada como se eu tivesse apanhado, mas entendo o que vocês tentaram fazer por mim.
- Me perdoe, Sofia. Foi tudo ideia minha - minha mãe pediu sentando ao meu lado na cama.
- Eu perdôo, mãe, mas como a gente perdoa e automaticamente para de sentir raiva? - perguntei sinceramente olhando nos olhos tristes dela.
- Ah, meu deus... - ela suplicou colocando as duas mão no rosto.
- Desculpa, mas eu não sei o que dizer. Acho que tenho que ficar um pouco sozinha.
- Não... - ela meio que suplicou.
- Vem querida - meu pai pediu. - Vamos dar espaço para ela - meu pai estendeu a mão para minha mãe que imediatamente segurou a dele de volta. Olhou para mim uma última vez.
- Está tudo bem, podem ir.
Minha mãe levantou relutante da minha cama e seguiu meu pai que fechou a porta depois que ela passou.
Fiquei sentada sentindo o cheiro quase que sufocante de baunilha.
Levantei vagarosamente para abrir um pouco a janela e sentir o ar se renovar, mesmo que estivesse congelante.
A cortina balançou quando o vento frio entrou e eu toquei o parapeito da janela com as duas mãos, lembrando de todas as vezes que Eduardo tinha entrado ali.
Eduardo?
Voltei meu rosto para dentro do quarto. Vi a revista sobre a cama e fui até ela. Os olhos verdes e o cabelo... era o maldito! Maldito Heaven!
- Maldição! - quis gritar, mas só um grunhido saiu da minha boca.
Taquei a revista longe escutando um pedaço dela se rasgar quando chegou ao chão. Todo o choro que eu não tinha sentido vontade de chorar agora se acumulava na minha garganta.
A lembrança de todos os momentos com ele me fez querer morrer. Cada segundo, cada palavra, cada contato... um truque.
Eu estava doente novamente.
Passei a noite em claro.
Deitada na minha cama eu não conseguia pensar em nada com clareza. Mas forcei minha mente. Comecei a planejar minha volta para casa. Sairia assim que amanhecesse. Precisava fazer novos exames, pagar contas. Se eu estivesse doente novamente, talvez não pudesse recuperar meu emprego.
Meus olhos queimavam de cansaço, mas não tinha sono.
Assim que vi a luz surgindo no horizonte, sentei na cama e calcei as alpargatas. Coloquei um casaco por cima da blusa de lã colorida que eu tinha ganhado da Olívia, um jeans que estava sobre a cadeira da escrivaninha e desci as escadas enfiando um gorro de lã na cabeça.
Deixei um bilhete avisando que fui comprar pão, como se eles fossem mesmo se tranqüilizar com isso depois da noite anterior.
O ar gelado me recebeu quando abri a porta e saí em direção ao carro do meu pai.
Dirigi até o lago que tinha sido palco da minha loucura por diversas vezes.
Demorei para descer do carro quando estacionei. Permaneci com as duas mão pregadas ao volante olhando para frente, mirando a lâmina d'água que estava calma como se fosse um espelho.
Quase que me arrastei de dentro do carro para fora, andando lentamente até chegar no ponto em que eu costumava sentar com ele.
Meus joelhos se dobraram com facilidade quando sentei. Olhei para os lados imaginando quantas vezes fui feliz num cenário que apesar do céu azul, agora me parecia cinza.
Abracei os joelhos e encarei a água à minha frente, desesperada. Enfiei as duas mãos no cabelo e apertei inconformada.
Foi por isso. Por isso que ele não apareceu no meu aniversário. Por isso nunca queria encontrar meus pais. Aquela música idiota presa na minha cabeça era dele.
Me senti a mais completa idiota lembrando de tudo quando a minha voz insurgiu dos meus pulmões num grito:
- Heaven! - cerrei os punhos com toda força que pude escutando minha voz ecoar e pássaros voarem assustados.
Um choro grave escapou logo em seguida.
- Aparece! Aparece seu desgraçado! - ordenei, mas parecia mais uma súplica.
O sol ficando forte denunciava que eu tinha ficado muito tempo sentada ali. Decidi que era hora de voltar. Enfrentar a realidade e continuar de onde eu tinha parado. Na verdade, eu tinha voltado algumas casas, já que minha doença, provavelmente, tinha voltado.
Mas no caminho, com as ideias a mil, me lembrei de Eduardo, Heaven, ou seja lá quem fosse, e da suposta casa dele perto da minha.
Tinha sido muito real. Parecia muito difícil acreditar que aquilo tudo era alucinação. Ou talvez fosse muito fácil tentar me iludir, querendo acreditar que ele era real.
Segui para casa, mas não parei quando passei por dela. Só parei quando cheguei na casa dele.
Toda fechada, não tinha sinal de ter alguém. Mas eu tentei mesmo assim. Toquei a campainha repetidas vezes. Não quis saber das pessoas reais que pudessem viver lá.
Ninguém atendeu.
Esfreguei meu rosto com as duas mãos quando uma pessoa saiu da casa ao lado. Um senhor de uns sessenta anos, barba branca, o nariz vermelho por causa frio.
- Oi - me aproximei.
- Olá - respondeu quase que num susto.
- Você conhece o dono dessa casa?
Ele coçou atrás do pescoço antes de começar a falar.
- Essa casa está aí vazia para venda há muito tempo.
- Vazia?
- Sim. Há pelo menos um ano. Ou mais.
- Tem certeza?
- Absoluta.
- Meu Deus... - deixei escapar.
- Algo errado? - quis saber.
- Hmm... não - respondi abruptamente voltando para o carro.
Dei a partida no carro e levei alguns segundos para arrancar. Quando finalmente saí, dei com o punho no volante, enquanto mordi a parte de baixo dos lábios. Não havia mais dúvida.
Quando entrei em casa carregando o saco pardo de pão, meus pais me olharam assustados, mas um pouco aliviados.
Meu rosto marcado de choro não era fácil de esconder, e eu não estava mesmo interessada em fazer isso. Como me viram entrar com o pão, não me perguntaram onde estive por tanto tempo.
- Não foram para a floricultura hoje? - perguntei indiferente.
- Não. Ficamos um pouco preocupados com você - meu pai falou meio sem jeito.
- Ótimo - disse me sentando à mesa enchendo uma xícara de café.
Os dois pareciam não entender nada, mas preferiram ficar em silêncio diante do meu espetáculo.
- Vou arrumar minhas coisas e hoje mesmo volto para casa.
- Não - meu pai falou irredutível. - Não vai a lugar algum.
- Preciso voltar pro trabalho agora que mais nada me impede. Eu tenho contas para pagar, eu tenho que reativar meu celular, eu tenho uma vida inteira pra colocar no lugar!
Ele respirou fundo, mas certamente me colocaria de castigo se eu ainda fosse uma menina.
- Tem certeza? - minha mãe falou num tom tão baixo que nem tive certeza se ela tinha realmente falado algo.
- Sim - me levantei e subi as escadas sem olhar para trás.
No meu quarto, recolhi apenas algumas coisas. Não queria levar nada.
Arranquei a foto do Gabriel do espelho e então vi o papel com os nomes das músicas numa folha de caderno. Segurei o papel bem próximo ao meu rosto. A letra definitivamente não era minha. Mas até isso um cérebro doente era capaz de forjar?
Amassei o papel e joguei no chão antes de sair.
Todo percurso até minha casa foi silencioso. Meu pai no volante vez ou outra olhava pra mim pelo retrovisor, mas eu desviava.
Eu já começava a me arrepender de ter sido tão grosseira com meus pais, mas eu estava furiosa, com eles, com a vida e principalmente comigo, com o meu cérebro. Se eles soubessem que o câncer tinha voltado, nunca me deixariam voltar para casa, por isso, preferi não comentar nada.
- Me perdoe, minha filha - minha mãe disse por entre os meus cabelos me abraçando com força na entrada da minha casa.
Eu quis dizer que sim e que eu era uma idiota, mas fiquei em silêncio.
Meu pai estava obviamente chateado comigo e com meu comportamento hostil. Quis chorar quando ele me deu um abraço rápido sem muito contato.
Fiquei parada com minhas malas me rodeando enquanto eles partiram. Não me conformava de ter sido tão mal agradecida a eles que fizeram de tudo por mim nos últimos meses. Mas eles esconderam uma coisa muito séria, e eu estava lutando contra a raiva que sentia dentro de mim.
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