Capítulo 24
Meus olhos abriram e se fecharam instantaneamente. O sol invadia o quarto. A cortina tinha ficado aberta na noite anterior e a claridade era insuportável para as minhas pupilas.
Resmunguei espreguiçando enquanto esticava meus braços para cima. Quando meu cérebro finalmente acordou, pude ver que Eduardo não estava ali.
Sentei e os cabelos automaticamente invadiram minha face atrapalhando mais ainda minha vista.
- Ele não pode ter ido - resmunguei pesarosa.
Levantei e olhei no banheiro. Vazio.
Andei até a janela e olhei lá pra baixo.
- Mas que filho da mãe... - soltei imaginando ele fugindo quietinho para não me acordar.
Na minha penteadeira, vi sobre meu livro de anatomia uma folha do caderno velho que eu usava para fazer anotações na faculdade.
Eu uso moletom "horrível", mas você ronca!
E baba...
Me encontre no nosso lago hoje, depois do almoço. 14:00 está bom.
Eduardo
- Nosso lago - repeti em voz alta.
Sorri para o pedaço de papel como se tivesse segurando um bilhete premiado.
Mas o que está dando em mim? Eu não me lembro, mas sou adulta!
O efeito de Eduardo nas minhas reações era assustador. Eu parecia criança. A mesma que queria desenterrar Elvis Presley.
Não pude deixar de sentir um frio na barriga de imaginar ele querendo me ver novamente.
- Talvez seja fome - falei me encaminhando para a cozinha.
- Bom dia, Sofia. Fiz um bolo de laranja - minha mãe contou quando apareci.
- Hmmm, que delícia - disse passando por ela para avançar no bolo.
- Pode se servir - meu pai ironizou enquanto eu já mastigava um pedaço que mal cabia na minha boca.
Eu ri colocando a mão na frente da boca para que nada caísse de lá de dentro.
- Você está bem, Sofia? - minha mãe quis saber.
- Eu? - perguntei apontando o indicador na direção do meu peito. - Ué? Estou. Por quê?
Ela balançou a cabeça como que para espantar algum vislumbre de pensamento.
- Não. Nada, querida. Só conferindo.
- Não me lembrei de absolutamente nada ainda. Mas me sinto bem.
- Isso é ótimo - falou parecendo forçar o entusiasmo.
Mas o que será que está acontecendo?
Meu pai observava tudo com o olhar apreensivo.
- Talvez nunca aconteça - confessei me sentando com eles. - Mas eu ainda posso criar novas memórias, não posso? - sorri para eles.
- Claro que sim, querida - ela finalmente relaxou. - Estamos indo. Se precisar de qualquer coisa, sabe onde nos encontrar.
***
Quase não consegui almoçar. O meu estômago parecia ter encolhido.
Fazia tempo que não sentia tanta ansiedade.
Coloquei um jeans preto por segurança desta vez e uma regata com flores que eram extremamente coloridas. Queria aproveitar um dia atípico de calor durante o outono.
O vento batia quente nos meus cabelos enquanto eu dirigia de janela aberta. Conferi umas duas vezes o batom vermelho que eu estava usando no espelho retrovisor para ter certeza de que não estava borrado.
A vaidade estava aflorando depois que meu estômago tinha virado um viveiro de borboletas por culpa do Eduardo. Eu me preocupava em parecer bem tempo todo.
Quando entrei na estrada de terra perpendicular à rodovia, meu coração e meu estômago se pronunciaram.
- O que será que me fez sentir frio na barriga pela última vez antes de perder a memória? - falei para mim mesma. - Tanto faz - dei de ombros. - Hora de novos frios na barriga.
O carro dele já estava parado lá quando cheguei.
Caminhei até onde estivemos da última vez, aproveitando para respirar profundamente.
Ele estava sentado sobre algo que parecia uma colcha. Eu sorri sozinha.
- Oi - falei chegando perto dele.
- Oi - respondeu olhando para cima com uma das mãos sobre os olhos por causa da claridade. - Você lembrou o caminho!
- Não tem graça.
- Tem sim - respondeu rindo. - Mas olha só; Hoje estou preparado - falou passando as mãos sobre o tecido no chão.
- Que cavalheiro. Hoje não vou me sujar.
- Não. Nem vai deixar meu carro imundo.
- Claro. E eu pensando em cortesia... De qualquer forma - falei me sentando mesmo sem ter sido convidada. - Eu vim com o meu próprio carro - sorri irônica para ele.
Ele ergueu os dois braços em rendição.
- Cadê o moletom? - perguntei avaliando o jeans apertado e a camiseta branca de tecido de má qualidade.
- Eu estava com calor, e quis variar. Mas não se alegre. É só por hoje.
- Sei - concordei com a cabeça mirando o lago à nossa frente. - Como se esse jeans mais apertado que um nó de bexiga fosse muito melhor.
- Escuta aqui - ele falou rindo inconformado. - Qual é a da implicância com as minhas roupas?
- Apenas isso - me voltei para ele. - Implicância.
Ele balançou a cabeça afirmativamente enquanto o lábio inferior se pronunciava para frente.
- Nossa, que bom - fez um ar de inconsolável.
- Para você não ficar triste, aqui - estendi um outro livro para ele sobre "anatomia" humana.
- Ah não... - falou pegando.
- Olhe antes.
Ele abriu o livro e virou novamente para mim com os olhos arregalados.
- Mas o que é... isso? - perguntou virando o livro de lado para ver a imagem.
- Outra abordagem da anatomia humana. Sabia que você ia gostar.
- Esse é mais interessante - continuou virando as páginas.
- Meninos - sibilei.
- Você devia estudar cérebros - zombou.
- Vou considerar isso.
Ficamos alguns segundos nos encarando e visivelmente segurando a vontade de rir devido ao desconforto.
- Por que fugiu? - eu quis saber.
- Já estava para amanhecer e eu não queria ser pego como um adolescente pelo seu pai.
Eu ri.
- Seria cômico.
- Seria trágico.
- Seria.
- Que bom que veio.
- Que bom que me chamou - a conversa estava ficando muito séria.
- Eu te chamei aqui por uma razão.
Ergui uma sobrancelha em desconfiança.
- E não - ele se antecipou. - Não envolve meleca corporal ou assassinatos.
- O que você quer, então?
- Vem - pediu levantando e estendendo a mão para mim para que eu fizesse o mesmo.
Segurei sua mão de dedos longos e ele me alçou para cima me fazendo ficar bem próxima a ele.
Fez o ritual de passar o polegar na minha bochecha e em seguida a beijou. Parecia fazer isso de propósito para que eu perdesse os sentidos e não raciocinasse mais corretamente.
- Eu tenho a cabeça um pouco estragada, você não devia fazer isso comigo - pedi fechando os olhos.
- Eu peço desculpas - falou enquanto um sorriso pesaroso percorreu seus lábios -, mas não prometo que vou parar - falou antes de começar a me puxar pela mão para frente.
- Onde estamos indo?
- A lugar nenhum - andou até a beira do lago. - Chegamos.
- Não.
- Sim.
- Não - repeti dando meia volta, mas ele me agarrou pela cintura me girando no ar me posicionando novamente de frente para a água.
- Não faz isso! - ria enquanto ele me pousava de forma delicada no chão novamente. - Acabei de comer, vou ter uma congestão.
- Não seja chata - falou no meu ouvido. Estava parado atrás de mim.
Senti os pelos do meu braço se arrepiarem. Meus olhos se fecharam como se eu tivesse chupado um limão.
- O calor está acabando definitivamente. Eu quero aproveitar o finzinho dele. O que me diz? - se curvou para frente, por cima do meu ombro para ver minha expressão.
- Você definitivamente é louco - respondi tirando a alpargata amarela.
Ele sorriu em resposta tirando as botas horríveis.
A gente vai mesmo ficar sem roupa?
Ele era mais rápido que eu. Arrancou as botas sem desamarrar usando os próprios pés. Em segundos estava com uma cueca boxer azul marinho.
Tatuagens?
Tinha algumas espalhadas pelo peito e nos braços. Eu queria muito saber a história de cada uma.
Segui tirando a calça também, mas continuei com a minha regata florida que era comprida, já que minha calcinha era branca e eu não estava interessada em causar mais problemas para a cabecinha infantil de menino dele. Ou estava?
- Anda com isso - pediu impaciente.
- Estou te segurando? - perguntei com as mãos na cintura.
Então ele pegou uma delas e segurou forte.
Olhei das nossas mãos entrelaçadas para ele. Imaginava estar com uma expressão horrenda a julgar pelas reações dentro de mim.
- Você ainda confia em mim?
Fiz que sim com a cabeça e ele me puxou novamente, mas dessa vez suavemente até a linha entre a água e a areia.
Pisou primeiro na água me levando junto com ele. A água estava agradável, mas eu quase não sentia de qualquer maneira.
- Você sabe nadar, não é?
- Claro que sei - respondi, e o clima mágico estava desfeito para voltar ao nosso tratamento habitual.
- Então, nade! - falou ao bater os braços avançando lago a dentro me deixando para trás.
- Você já tinha tudo isso premeditado na sua cabecinha mais uma vez, não tinha? - perguntei o alcançando.
- Até tinha, mas saber se ia dar certo, isso eu não sabia.
- E por que não? - cheguei mais perto espremendo os olhos para poder vê-lo direito diante de tanta claridade.
- Precisava estar mais quente e você tinha que colaborar. Mas foi boazinha.
- Você nem imagina o quanto - respondi o afundando pelos ombros.
Ele emergiu com os cabelos molhados que esticaram cobrindo quase que todo seu ombro. Passou a mão nos olhos para tirar o excesso de água.
- Quem trouxe quem aqui para cometer assassinato? - perguntou vindo na minha direção. Tentei fugir me virando e nadando para longe dele, mas ele foi mais rápido que eu.
Mais uma vez me enlaçou pela cintura me puxando para ele.
- Fujona - sussurrou no meu ouvido com o peito colado nas minhas costas.
A voz rouca dele penetrou pela minha cabeça e se irradiou por cada terminação nervosa. Minha cabeça pendeu para trás em direção aos lábios dele instintivamente, deixando meu ouvido mais próximo ainda de sua boca. Escutei sua respiração suave e me virei para ele.
- Eu não fui a nenhum lugar, fui? - perguntei perdida nos olhos dele.
A água escorria pelo rosto dele até chegar na boca. Ficava empoçada no alto dos lábios.
Beijei bem nesse ponto. Não resisti.
Ele emitiu um som engraçado como se estivesse com falta de ar.
Ainda estava de olhos fechados enquanto eu observava a reação dele.
- Você... - falou provocador abrindo os olhos.
- Eu o quê? - tentei não rir.
- Você aparece aqui com esse livrinho de anatomia. Agora isso.
Dei de ombros.
- O que tem demais?
- Bom - falou fechando um dos olhos e olhando para cima parecendo tentar encontrar uma resposta. - Tem isso.
Chegou bem perto de mim, o hálito dele tocando minha pele. Cheguei a fechar os olhos quando inesperadamente ele me empurrou pelos ombros pra dentro da água, exatamente como eu tinha feito com ele momentos antes.
Subi à superfície gargalhando e distribuindo tapas. Mal via onde pegava. A risada dele era o único som misturado com o som da água naquele infinito só nosso.
Segurou minhas mãos descontroladas pedindo calma enquanto eu ainda me debatia.
Fui me acalmando aos pouco vendo a cara dele de susto cada vez que uma investida de tapa passava perto do seu rosto. Ele piscava e desviava o rosto. Era engraçado.
- Calma, pugilista.
Eu tive que parar para rir e ele me rendeu por completo.
- Vai tentar me afogar de novo? - perguntei quando ele conseguiu me segurar me deixando imóvel.
- Não - falou sério.
O sol estava no horizonte e não esquentava mais como antes. Bati meus dentes umas duas vezes quando um calafrio percorreu meu corpo imerso na água.
- Vou te tirar dessa água antes que fique doente - confessou.
Mas eu não queria sair. Não ainda.
Não respondi nada para ele. Só me aproximei dele devagar. Ele tentou se esquivar momentaneamente achando que eu ia tentar empurrá-lo novamente para dentro d'água e eu ri em resposta. Parecia um gatinho que já tinha apanhado.
Quando ele notou que eu era inofensiva, relaxou a expressão facial. Um dos rostos mais lindos que eu me lembrava ter visto.
Dei uma mordida de leve no seu lábio inferior e ele apertou sua mão na minha cintura em resposta. Percebendo o resultado, lambi o mesmo local que havia mordido e esperei. Esperei porque sabia o efeito que causaria.
Estava sério quando me olhou nos olhos. Nem parecia o mesmo. Agarrou meu pescoço e me puxou para ele, tão urgente que parecia que nossas vidas dependiam disso.
Rapidamente envolvi o corpo dele com as minhas pernas. O ar falhava nos meus pulmões pela emoção do momento e por estar respirando muito pouco, mas não me importei. Suas mãos desceram pela extensão das minhas costas até chegar na parte de trás da minha calcinha. Arfei quando ele me apertou com as duas mãos, me pressionando mais ainda contra ele.
- Você está gelada - tomou um pouco de fôlego e conseguiu falar entre um beijo e outro.
- Não estou mais com frio - respondi para que ele ficasse quieto.
- Teimosa. Não quero você doente.
- Se não ficar quietinho é que vou ficar doente - parei em seu colo o olhando de cima.
Ele começou a andar lentamente comigo presa a ele até a saída.
- Você está parecendo feita de gelo. E eu trouxe toalhas - falou quando eu desci e terminei de sair do lago sozinha.
- Sério?
- Sim - respondeu já distante de mim seguindo para o carro. - Afinal, eu premeditei isso tudo.
Voltou com toalhas enormes e fofas que pareciam mais dois cobertores.
- Tira essa camiseta.
- O quê?
- Anda logo - pediu. - Você vai molhar a toalha e vai continuar com frio se ficar com ela.
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