Capítulo 16
Os meses seguintes a minha volta pra casa foram insuportáveis. Não podia trabalhar, o que me irritou profundamente. E algum jornal descobriu o meu milagre e em uma semana eu chegava a receber quatro ligações de vários lugares interessados em contar minha história. Mas eu me negava e repudiava a possibilidade de virar uma atração de circo.
- De jeito nenhum! – falei contando pros meus pais e eles concordaram.
Aproveitei meu tempo para me dedicar aos estudos. Li bastante. Acompanhei algumas cirurgias e continuei minha terapia. As sessões começaram a ficar mais espaçadas e eu estava começando a me sentir melhor.
As notícias eram sempre boas e animadoras. Sentia um torpor absurdo. Minhas melhores expectativas antes da cirurgia jamais chegariam aos pés das boas notícias que eu sempre recebia a cada consulta.
Eu era um verdadeiro milagre, sim. E quase me arrependi de não ter feito reportagens para dar esperanças para pessoas que, mesmo que provavelmente morressem, pudessem terminar as vidas com a tranqüilidade da tentativa.
Certo dia, estava na cozinha quando escutei Cristofer e Olívia conversando na sala. Eles não sabiam que eu estava lá, e pude ouvir como estavam surpresos com a minha recuperação. Eram dois médicos conversando, não os meus amigos. Não pude culpá-los. Se eu estivesse de fora, pensaria da mesma forma.
Os primeiros fios de cabelos começaram a despontar na minha cabeça quando eu menos esperava. Era horrível. Eu ri no primeiro dia. Depois comecei a achar apavorante. Nunca tive vergonha da minha careca. Quase não usei o artifício do lenço. Mas aquele cabelo crescendo ralinho era feio.
Usei a peruca morena que Olívia tinha me dado por um bom tempo. Era a mais natural. Mas ainda assim, alguns dias eu ia loira até a farmácia. Outros, saia pra jantar bela e ruiva. Meus pais achavam o máximo.
***
Meu cabelo estava no ombro quando saí do consultório médico com a notícia mais maravilhosa de todos os tempos. O câncer não havia voltado. As metástases regrediram e eu finalmente poderia ficar tranqüila. Nunca mais ia me livrar da rotina de exames, por segurança, mas o pesadelo estava no fim, mesmo que fosse me assombrar pelo resto da vida, e eventualmente, voltar. Eu conhecia a saga.
Cristofer e Olívia estavam em cirurgia, queria muito contar pros dois, mas teria que esperar.
As portas automáticas do hospital se abriram para eu sair, como se eu tivesse cumprido uma pena e finalmente agora tivesse ganhado liberdade. Respirei fundo, aliviada, e logo meti a mão dentro da bolsa procurando o celular lá dentro para ligar pros meu pais. Mas quando comecei a discar dei um encontrão em uma pessoa e por pouco não derrubei o aparelho.
- Sofia! – Gabriel falou assustado e surpreso.
- Oi... – respondi meio sem jeito, ajeitando meu cabelo que crescia um pouco desordenado.
- Cristofer me falou que você estava bem, mas você parece ótima!
- Obrigada – respondi pensando se contava ou não para ele a novidade. Mas queria que meus pais fossem os primeiros a saber.
- Eu estava indo ao café.
- O dos cupcakes? – perguntei surpresa.
- Isso mesmo. Você conhece?
- Conheço, adoro os bolinhos deles – falei me lembrando de Sofia, a dona do lugar.
- Você gostaria de... tomar um café?
- Poxa. Não posso infelizmente – menti. – Tenho que encontrar meus pais. Mas quem sabe um dia a gente não se encontra por lá? – quis ser simpática.
- Ok – respondeu um pouco sem graça.
Ficamos momentaneamente sem reação. Não sabia se abraçava ele, ou só acenava.
Meio sem jeito nos abraçamos rápida e desconfortavelmente.
Andei com pressa depois que me desvencilhei do abraço. Me sentia envergonhada pela situação. Andando, fiquei pensando no que tinha acontecido. Avaliei minha emoção e os sentimentos.
Nada.
Eu não tinha ficado balançada. Na verdade, eu nem tinha pensado mais nele nos últimos meses. Mais um milagre.
Entrei em casa desesperada por um banho. A água morna relaxou meu corpo automaticamente. Um banho livre. Livre de medo.
Estava secando o cabelo em uma toalha e enrolada em outra quando meu celular tocou. A porta estava aberta, então sai correndo do banheiro até minha bolsa que estava sobre a poltrona no quarto.
- Mãe!
- Oi. Tudo bem, filha?
- Tudo ótimo. Ia mesmo te ligar – falei voltando para o banheiro.
- É mesmo?
- Fui hoje no médico.
- E por que não me contou? – ela perguntou brava.
- Não sei, mãe – falei passando a mão esquerda pelos cabelos – Mas o caso é que eu estou curada mesmo. O intervalo não fez o câncer voltar. Estou em remissão. Finalmente livre! – falei dando um pulinho.
Senti meu corpo subindo no ar e, quando aterrissei, os meus pés descalços em contato com o azulejo molhado derrapou e eu cai. Vi quando meu rosto foi chegando perto da pia e lembro do som alto que fez quando minha cabeça bateu no granito gelado. Em seguida, outro som alto do contato com o piso. Depois foi só escuridão.
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