Capítulo 12
Eu sabia todas as músicas de cabeça. Os dois também sabiam a maioria. Cantei cada uma como se minha voz pudesse ser ouvida por eles no palco. Cada batida que vibrava ao sair das caixas de som potentes, penetravam meu corpo me fazendo estremecer.
O suor escorria da minha testa quando senti uma tonteada. Mas me segurei firme para que Olívia e Cristofer não notassem. O medo tentou contaminar minha euforia, como havia acontecido mais cedo na piscina, mas eu consegui controlar. Nem precisava imaginar Heaven, ele estava ali na minha frente, pulava e sacudia os cabelos enquanto cantava. Sua voz era a única coisa que eu queria ter dentro da minha cabeça. Queria poder substituir meus pensamentos todos por sua voz.
O acorde da última musica começou a tocar e eu senti uma pontada de tristeza. Queria mais.
Não cantei. Não pulei. A multidão gritava enlouquecida enquanto eu estava parada. Queria olhar para eles. Registrar aquele momento. A gente tem mania de não apreciar alguns momentos. Ficamos envolvidos demais. Quis me distanciar disso para sentir a realidade de estar ali, onde eu mais queria estar. Com pessoas que eu amava.
Olívia notou e me abraçou pelo lado esquerdo sem dizer nada e começou a apreciar o momento comigo. Cristofer fez o mesmo do outro lado e então eu derreti como um chocolate dentro do carro no verão.
Chorar de alegria é mais gostoso do que rir.
O som cessou, as luzes se apagaram e acabou. Gritos continuaram sem parar, mas lá dentro de mim, o silêncio dominava. Eu ainda queria mais.
- O que acham de mais uma janta de rico? – Cristofer falou quando viramos para sair.
- Com bastante champanhe dessa vez – eu disse pesarosa.
Ele riu e passou o braço sobre meu ombro enquanto nos encaminhávamos para a saída.
A comida estava como da outra vez, magnífica. Mas eu quase não comi. Estava apreciando o champanhe desta vez.
- Sofia, não vai tirar essa cara de emburrada? Parece uma adolescente – Olívia riu.
- Daqui a pouco passa.
- Daqui a algumas garrafas passa – Cristofer brincou.
Três garrafas depois Cristofer cochilava no sofá enquanto eu falava sem parar com Oívia até notar que ela também já estava dormindo.
- Três garrafinhas e nós três já estamos assim? – falei sozinha.
Encostei minha cabeça no encosto do sofá decidida a dormir por ali também. No entanto, o efeito da bebida não me deixava pensar direito.
Então num estalo eu senti vontade de sair do quarto e ir pro bar.
Levantei com dificuldade do sofá fofo e vi Carter parado perto da porta.
- Shhhhh... – fiz pra ele com o dedo indicador. – Isso mesmo, não fala nada, fica quietinho.
Então ele me seguiu porta a fora pelos corredores enquanto eu ria baixinho e andava cambaleante.
Tive que aguçar a visão dentro do elevador para achar o botão certo.
- Não me segue – falei para Carter. – Vê se me deixa em paz, cacete.
Imediatamente coloquei a mão na boca por causa do palavrão e caí na risada quando o elevador parou e abriu as portas. Nem senti que já tinha descido todos os andares.
Tentei me recompor para caminhar até o bar, e na minha percepção, de cima do meu salto super alto, funcionou. Não trombei, tropecei ou caí, então, sucesso.
Sentei na banqueta com certa dificuldade por ser muito alta, me debrucei no bar e um garçom com cara de mordomo deu uma pigarreada quando se aproximou.
- Senhorita – falou seriamente – posso ajudar?
- Pode – quase não esperei ele terminar. – Quero um desses drinques firulentos cheios de fruta e guarda-chuva – sorri.
- Mas, qual deles?
- Me surpreenda – disse e gargalhei logo depois.
Comporte-se, Sofia.
Um momento de sanidade passou pelo meu cérebro doente e me endireitei e parei o vexame.
- Desculpe – pedi quando ele colocou a bebida na minha frente.
- Sem problemas. Não se preocupe com isso. Dia ruim? – quis saber.
- Ah, não. Muito pelo contrário. Dia ótimo. E agora estou sofrendo porque chegou ao fim.
- Faz meia hora que ele chegou ao fim – falou olhando para o relógio.
- Só termina depois que eu durmo.
Eu ele riu.
Conversei por quase quarenta minutos com o garçom sobre amenidades. Eu que sempre achei um absurdo ter que agüentar papo chato de bêbados desconhecidos.
- É – respirei fundo quando assinei minha conta sem nem olhar para o papel, tanto fazia. – Tenho que subir. Acho que chega.
- Precisa de alguma ajuda? Posso solicitar – quis saber preocupado.
- Então quer dizer que os ricaços sempre ficam bêbados e querem colo? Não... Eu consigo – pisquei para ele.
Deixei uma nota para ele como gorjeta por ter me atendido e me agüentado.
Arquitetei meu trajeto, desde a decida do banco que parecia mais alto agora, até a porta do elevador.
É só traçar a rota e ir.
Traçar a reta e ir?
Fiquei de pé e então ajeitei meus cabelos. Abri e fechei meus olhos para firmar a vista e caminhei lentamente até o corredor de acesso para o elevador.
O sono me corroia por dentro e minha vontade era de deitar nos sofás de veludo no lobby. Mas segui em frente, decidida.
Você consegue.
Quando cheguei em frente ao elevador, ele já estava começando a se fechar e eu quase perdi o equilíbrio.
O ar ficou rarefeito. As paredes pareciam me engolir e minhas pernas tremiam além do tanto que elas já estavam bambas pelo efeito da bebida.
- Heaven? – cochichei com a minha voz rouca de tanto ter gritado no show.
Ele olhava para frente quando eu o notei. Os olhos verdes, o cabelo desgrenhado.
Então as portas douradas se fecharam sem que eu pudesse fazer nada.
Corri os três passos que faltavam para eu alcançar o elevador e dei com as mãos na porta.
- Não! – exclamei apertando o botão freneticamente para as portas se abrirem de novo.
- Abre! – cochichei com a testa colada no metal gelado.
Nada.
Olhei para o mostrador para ver o andar que tinha parado, mas o elevador já tinha começado a descer novamente.
- Droga...
Tirei os saltos, e carreguei eles comigo até a recepção.
Sem o salto era melhor de me equilibrar, mas não estava nem preocupada com meu jeito torto no momento.
- Por favor. Eu queria uma informação – pedi a um homem que estava ali.
- Claro. Pois não?
- Heaven Streak – o nome saiu todo enrolado. – Heaven – respirei e falei pausadamente – Strike. Ele está aqui?
- Sinto muito, mas não damos esse tipo de informação.
- Por favor – implorei com as duas mãos juntas como numa oração.
- Não posso fazer isso – falou desconfortavelmente.
- Eu só queria saber – ameacei a chorar. Então ele sacudiu a cabeça e começou a mexer no computador.
- Heaven? Esse é o nome?
- Sim! – respondi empolgada.
- Não – sacudiu a cabeça. – Não consta nada aqui.
- Tem certeza? Olhou direito?
- Olhei sim. Sinto muito.
- Tudo bem – me senti desiludida. – E me desculpe por isso.
Ele assentiu com a cabeça e eu me virei fazendo o caminho de volta para o elevador.
Eu estava alucinando. Só não sabia se era por culpa do álcool ou do tumor.
Entrei no elevador contrariada. Fiquei olhando para ele me perguntando como eu podia estar tão maluca.
- Vai acabar em breve.
- Sofia? – Olívia falou resmungando quando abri a porta e entrei. – Onde você estava?
- Fui dar uma voltinha, mas agora preciso dormir – falei indo direto para o quarto.
- Eu vou com você – me seguiu deixando Cristofer babando no sofá.
- Não vou nem tomar banho.
- Meu deus, você está doente mesmo – falou e logo depois fez uma cara de espanto, mas eu caí na gargalhada e ela acabou fazendo o mesmo.
- Vem... – falei quando me enfiei sob o edredom.
Olívia logo dormiu, percebi por sua respiração e os espasmos vez ou outra.
Meus olhos pesavam, mas a imagem de Heaven se fechando dentro do elevador me corroia por dentro. Eu queria que ele aparecesse de novo. Abri e fechei meus olhos diversas vezes desejando que ele surgisse. Mas acabei mesmo é pegando no sono.
Acordei com a boca seca, a claridade invadindo o quarto. Olhei para o lado com dificuldade e Olívia não estava mais lá. Olhei para o relógio e ainda eram nove da manhã. Suspirei aliviada. Nosso vôo era ao meio-dia. Eles não me deixariam dormir tanto sabendo disso.
- Olha só, ela está viva – Cristofer me saudou.
- Eu estava indo mesmo te acordar, Sofia.
- Eu quase morri do coração quando vi que já estava claro. Até queria tomar café, mas não temos tanto tempo assim, comemos algo no aeroporto.
Deixar aquele quarto maravilhoso era triste. Pelo menos, lembranças boas partiriam comigo.
- Minha cabeça tá me matando – suspirei ao sentarmos na sala de embarque.
Tomei um analgésico e um remédio para enjôo, meu estômago estava um pouco revoltado por culpa da bebida.
- Você nem bebeu tanto assim – Olívia falou.
- Eu fui dar uma voltinha no bar enquanto os dois bebês roncavam no sofá.
- Agora estou me lembrando de você entrando na sala... – Olívia disse com os olhos semicerrados para recordar do fato com clareza.
- Sim... – resmunguei.
- Você foi beber mais? – Cristofer pareceu incrédulo.
- Qual é o problema? Como se nós não tomássemos porres homéricos.
- Quanto ao porre, problema nenhum. Você não ter chamado a gente, sim, é um problema.
Rimos preguiçosamente quando nosso vôo foi anunciado para embarque.
A viagem foi um tormento. Enjôos sem fim e uma vontade enorme de contar para Olívia sobre minhas visões novas envolvendo Heaven. Mas algo me deteve.
- Você está estranha – Olivia comentou quando nos despedimos. Cristofer já havia corrido para os braços de Sofia e ido para casa.
- Estou com ressaca, cansada e com depressão pós viagem – respondi.
- Só isso?
- Ah! Também tenho um tumor ridículo na cabeça. Só isso – ironizei maldosamente.
- Aff, Sofia. Que sem graça – não gostou da brincadeira.
- Sinto muito, mas a realidade é essa – dei de ombros.
- Se precisar de alguma coisa, me avise.
- Olívia – falei irritada.
- O quê?
- Não seja condescendente comigo.
- Do que está falando.
- Eu sei que se irritou com meu comentário, mas ignorou a vontade de brigar comigo.
- Você está chata.
- Eu não quero que sejam diferentes comigo por causa dessa merda de doença! Fui clara?
- Foi sim. Bem clara, e uma vaca também. Estar doente não te dá o direito de ser insuportável – desabafou.
Então eu sorri. Sorri de verdade e abracei minha amiga deixando ela confusa.
- É isso que eu espero – eu disse enquanto ainda estávamos abraçadas. – Que você seja você, mesmo que eu esteja perturbada e sendo uma vaca.
Então ela me apertou forte e escutei um suspiro.
- Desculpa, é difícil.
- Eu sei – disse me distanciando para vê-la.
- Obrigada, Olívia. Obrigada.
Nos abraçamos mais uma vez antes de entrarmos cada uma em um taxi. Fui para casa na companhia das minhas lágrimas.
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