Capítulo 10
Olívia dormiu na minha casa na véspera da nossa viagem, então chegamos juntas ao aeroporto, antes de Cristofer. Ele já havia mandado uma mensagem me tranqüilizando dizendo que estava a caminho.
Nosso balcão de check-in era bem de frente para a porta de entrada, e eu falava efusivamente com Olívia quando ele apontou porta a dentro.
Senti meus olhos se arregalando à medida que ele se aproximava. Tanto que Olívia notou meu olhar catatônico e também se virou para olhar.
Cristofer vinha de mãos dadas com Sofia, minha xará, enquanto exibia um olhar que há muito tempo não via.
- Mas o quê... – Olívia sussurrou pouco antes dos dois pararem diante de nós.
- Olá meninas – nos cumprimentou sutilmente. – Esta é Sofia.
O olhar tímido da garota era notável. Ela já me conhecia, e eu a conhecia também. Mesmo que na minha última ida ao seu café ela não estivesse lá, eu havia memorizado seus olhos verdes brilhantes de outras idas.
- Olá, querida – Olívia respondeu com um sorriso genuíno.
- Oi, Sofia – eu disse sorrindo também. Meu sorriso carregado de agradecimento por ela estar fazendo tão bem ao meu amigo.
- Divirtam-se – ela desejou apertando as mãos dele, eu pude ver.
- Não que vir junto? – ofereci. Cristofer devia ter me dito que as coisas já estavam nesse pé. Eu não me importaria de tê-la conosco.
- Ah, não. Infelizmente não posso. Mas sei que vocês precisam disso – me sorriu calorosamente.
Eu gosto dessa menina.
- Obrigada – disse puxando Olívia comigo para que os dois pudessem se despedir apropriadamente.
- O que foi isso? – Olívia se apressou em perguntar.
Puxei minha amiga mais para perto de mim antes de falar. Eu também estava surpresa.
- Eu sabia que ele estava gostando de alguém, mas não que fosse chegar a isso. Eles estavam de mãos dadas!
- Eu vi!
E então ele se juntou a nós duas.
- Hmmmmmm – nós duas repetimos ao mesmo tempo, como aquelas crianças que descobrem que colegas da escola estão namorando.
- Quando é que vocês vão crescer?
- Espero que nunca – Olívia disse rindo.
- Não imaginei que era tão sério, mas estou feliz demais, Cristofer – falei com um pouco de água nos olhos.
- Eu também estou – meu amigo confessou e pude ver satisfação plena no fundo de seus olhos.
O avião não era muito grande. Duas fileiras de cadeiras eram separadas por um corredor apertado. Por sorte, eram de três lugares, então sentamos juntos. Corri para a janela como se estivesse em uma disputa com meus irmãos.
- Eu não vou ficar no meio de vocês duas de jeito nenhum! – Cristofer se irritou.
- Eu fico no meio – Olívia deu uma trégua.
Não demoraria muito para chegarmos. Era realmente perto, em três horas estaríamos lá. Falar que o show era em outro país podia assustar, mas era mais perto que algumas cidades nacionais.
Cristofer logo pegou no sono enquanto eu e Olívia conversávamos sobre um paciente. Então, ficamos em silêncio por uma fração de segundo quando ela puxou o ar e quis saber.
- E Gabriel?
- O que tem ele? – olhei para o céu lá fora.
- Já contou para ele?
- Não...
- E vai?
- Não sei – fechei os olhos procurando por uma resposta.
Um tempo atrás eu tinha a mais completa certeza de que, diante de uma situação dessas, eu sairia do hospital diretamente para os braços dele, mesmo ele não me querendo. Não ia usar o fato para me fazer de vítima, jamais, mas ia querer o conforto dos braços dele. Seria a pessoa que confortaria minha dor. Mas algo dentro de mim parecia ter se quebrado, mesmo que eu ainda não soubesse o que era. Eu mal lembrava da existência dele.
- Tudo bem, não é uma cobrança.
Então ela segurou minha mão que eu tinha espalmada sobre minha coxa.
- Talvez você gostasse de saber se fosse ao contrário. Apenas pense nisso.
E foi o que fiz. Agradeci com um aceno de cabeça por sua preocupação e permaneci em silêncio.
Olívia também cochilava enquanto meus olhos estavam estatelados. Meu estômago vibrava em ansiedade a cada segundo que nos aproximávamos da chegada.
Eu já tinha ido a outros shows deles, mas esse era o mais importante e especial. A probabilidade de ser o último transformava o prisma de tudo. Depois de ter tido minha experiência alucinante com Heaven, as coisas tinham se tornando ainda mais fortes em relação a ele.
Quando o piloto informou que já estávamos em processo de descida, meu coração veio à boca. Fiquei me perguntando se no meu estado de saúde eu deveria ficar tão afobada. E a resposta eu sabia bem. Algumas vezes ser médica era um fardo.
Estava olhando as luzes da cidade brilhando pela janela quando senti Olívia segurando minha mão mais uma vez. Ajeitou seu encosto e se aproximou de mim tocando sua cabeça na minha enquanto também via a paisagem que tinha como fundo o céu alaranjado do enoitecer.
O frio na minha barriga percorria todo meu corpo. Minhas mãos ficavam geladas e suadas. O coração disparado.
À espera do taxi, respirei fundo o ar fresco da noite. Não via a hora do dia seguinte chegar.
Quando disse em que hotel ficaríamos, Cristofer arregalou os olhos e rapidamente se virou para mim assustado. Olívia também não escondia o espanto.
- O que é, gente? Pra que guardar dinheiro? Não vejo mais objetivo.
Olívia revirou os olhos enquanto Cristofer me dava um soco simbólico no ombro.
O hall do hotel era deslumbrante. O chão de mármore brilhava sob nossos pés. Um lustre enorme, com uma quantidade de pedras que eu jamais havia visto também brilhava sobre nossas cabeças.
O som de um piano vinha suave pelo corredor, provavelmente proveniente do bar. Me senti como Julia Roberts em Uma Linda Mulher.
Caminhamos até a recepção que se erguia num balcão de mármore marfim, da mesma cor que o do chão.
- Temos uma reserva – falei para a senhora de meia idade que nos recebeu com um sorriso simpático.
- Ah, sim. Senhorita Montenegro – me chamou pelo sobrenome depois que pegou meu documento e digitou rapidamente no computador.
Suspirei aliviada por estar tudo certo.
- A cobertura de vocês é nesta torre – falou enquanto Olívia me encarava boquiaberta. – Julio vai acompanhar vocês e levar suas bagagens. Se precisar de qualquer coisa, não hesite em nos comunicar.
Olívia estava tendo um mini ataque cardíaco enquanto Julio, um rapaz por volta dos vinte anos se aproximou com um carrinho dourado.
Agradeci quando ele prontamente pegou e acomodou nossa bagagem num carrinho e indicou para que fossemos na frente.
Quando o elevador de portas douradas se abriu, Carter surgiu lá dentro me fazendo bufar inconformada.
Cadê Heaven?
- Você está bem? – Olívia quis saber.
- Carter... – resmunguei para Olívia entrando no elevador, ignorando a presença dele.
- Nos encontramos já – Julio falou do lado de fora.
O ascensorista nos saudou gentilmente e Cristofer riu quando escutou minha conversa com Olívia.
Ficamos em silêncio toda a subida. A tensão no ar era notável. Eu sentia que os olhos deles iriam saltar a qualquer momento do rosto.
Esperaram as portas se fecharem quando andamos para o corredor em direção ao quarto para me bombardearam.
- Cobertura? Você enlouqueceu de vez? – Olívia sussurrou.
- Sim? – Respondi com uma pergunta já que eu não tinha a menor ideia da resposta.
- Você me surpreendeu – Cristofer falou enquanto avaliava o tapete fofo que estava sob nossos pés no corredor.
Enfiei o cartão na porta e antes de abrir me virei para ele.
- Sou uma médica de renome. E jovem! Guardo dinheiro porque não vou a lugar algum nunca. Então parem de me irritar. Eu quero ser feliz enquanto dá tempo. Eu não estou louca. Nunca estive tão sóbria. Nunca senti a vida com o peso que eu tenho sentido ultimamente. Não se enganem, a realidade é bem palpável para mim no momento.
Os dois me olhavam espantados
Percebendo a seriedade das minhas palavras, continuei.
- Agora, movam esses traseiros para dentro e calem a boca.
Num gesto exagerado, abri a porta dupla de entrada como se eu fosse uma rainha enfadonha.
As portas se abriram nos deixando de olhos e bocas arregalados.
Entramos no que parecia ser uma sala. Um sofá em capitonê com um encosto de formato irregular em tecido champanhe estava posicionado bem no meio do cômodo. O tapete parecia ser tão fofo que dormir nele não seria um problema. A mesa de centro dourada em estilo provençal tinha um vaso de rosas brancas com um cartão e chocolates. As janelas eram enormes. Do chão ao teto. Uma delas era uma porta que dava para uma sacada que tinha uma mesa em tom de ouro envelhecido e as cadeiras combinando. As cortinas de um tecido semelhante ao do sofá caiam pesadas e estavam presas, deixando as luzes da cidade brilhantes à vista.
- Puta merda! – Cristofer deixou escapar.
Não nos abalamos com a sua boca suja. Continuamos a olhar tudo como se estivéssemos sonhando.
Duas portas, uma em cada lado da sala estavam abertas mostrando que havia mais dois cômodos, provavelmente os quartos.
Larguei minha bolsa numa poltrona e sentei no sofá enquanto pegava o envelope com o cartão próximo às flores.
Olívia e Cristofer também se sentaram.
- Olha... – Olívia começou ao colocar as pernas para cima, apoiando os pés de salto alto na mesa de centro. – Eu acho um absurdo...
Quando respirei fundo para pedir que ela não me criticasse, ela continuou.
- Você não ter comprado passagens de primeira classe.
Caímos na risada segundos depois da gracinha.
- Nunca viajei em condições tão miseráveis – Cristofer ironizou.
Fiz uma careta para eles.
- Nossos mais sinceros agradecimentos por sua visita. Estaremos a seu dispor para tornar seus dias conosco mais agradáveis. Sejam bem-vindos – li num tom esnobe jogando o papelzinho novamente na mesa e recostando com as duas mãos atrás da cabeça.
- Melhor que isso, só se eles me carregarem no colo – Olívia riu.
- Não duvido – Cristofer falou sério, mas estava brincando.
Uma batida suave na porta me fez lembrar que Julio ainda estava com as nossas coisas.
- Olá mais uma vez – ele disse quando abri para que entrasse.
Dispôs nossas bagagens nos quartos. As minhas e de Olívia do lado direito e de Cristofer do lado oposto.
Agradeci e dei uma gorjeta para o rapaz que agradeceu e se colocou à disposição mais uma vez.
- Estou oca – falei massageando a barriga, me sentando mais uma vez e abri um dos chocolates de cortesia.
Arranquei minha bota de salto, tirei as meias e coloquei meus pés no tapete felpudo. A sensação era deliciosa misturando-se ao sabor do chocolate. Gemi de prazer e quando abri os olhos os dois me encaravam como se eu fosse de outro planeta.
- Vocês deviam provar isso aqui. O chocolate e o tapete. Você não! – me direcionei para o lado onde Carter estava.
- Ele está aqui? – Cristofer quis saber.
- Infelizmente – suspirei.
- Isso vai acabar logo – Olívia se apressou em dizer.
- Eu sei que vai – disse sem alegria alguma pensando na possibilidade de acabar mesmo, literalmente. Morrer passava por meus pensamentos como relâmpago vez ou outra.
Alcancei o cardápio antes que o pensamento fúnebre se apossasse de mim.
- Hmmm – passei os olhos pelos pratos e suspirei. – O que vocês querem jantar?
- Quero profiteroles – Olívia gritou do quarto.
- Delícia. Mas vamos deixar o eufemismo à Carolinas como sobremesa. E o prato principal?
- Quero comer alguma massa – Cristofer pediu e me lembrei de sua restrição alimentar.
- Apóio - respondi.
- Tudo bem pra você? – Cristofer gritou em direção ao quarto.
- Está ótimo! – ela gritou em resposta.
Aproveitei que a comida ia levar algum tempo para chegar e fui tomar um banho para lavar a alma e o cheiro de viagem que a gente fica.
O banheiro não poderia ser diferente. Espaçoso, amplo e com diversas opções de iluminação. A banheira extremamente moderna, redonda e branca não era acoplada ao chão. Diferente das que eu estava acostumada a ver nos hotéis que havia ficado. Apesar disso, ela se ajustava perfeitamente bem com o modelo clássico do banheiro. O piso de mármore em tom de creme, os suportes para toalha dourados assim como as torneiras.
A água quente em contato com a minha pele era uma maravilha. A espuma que se formou me envolvia como uma nuvem. Fechei meus olhos e acabei cochilando.
- Sofia? – Olívia bateu na porta. – Nossa janta chegou. Venha molhar a mão do nosso amigo.
Abri meus olhos preguiçosamente e me levantei sentindo o frio me corroer a pele. Me enrolei na toalha pra tirar o excesso de água e então coloquei um roupão.
- Ah... – gemi de prazer ao contato do tecido atoalhado e macio na minha pele.
Saí com o roupão do banheiro e meu coque desmazelado por culpa do meu cochilo quando vi que Cristofer arregalou os olhos em minha direção.
Será o roupão?
Não acreditei que fosse. Ele era mais comportado que a roupa de muitas pessoas que estavam no saguão quando chegamos.
Julio me olhou de forma engraçada, mas demasiadamente respeitosa como sempre.
Entrou no quarto com um carrinho dourado e com todos os recipientes da mesma cor branca. Uma flor, também bramca, num vaso que parecia ser de cristal e uma garrafa de champanhe num balde.
- Com os cumprimentos do hotel – me disse quando olhei de relance para a garrafa.
- Oh! – Disse aliviada imaginando o valor da garrafa. – Que gentileza.
- Bom apetite – desejou dando um passo para trás em retirada.
- Aqui está – entreguei dinheiro a ele.
- Muito obrigado, senhorita Montenegro.
Acenou para os outros dois e se foi.
Cristofer e Olívia caíram na gargalhada no momento seguinte.
- Mas que droga é essa, gente?
Cristofer apontou para o espelho enorme, oval e todo adornado atrás de mim.
Quase cai sentada quando vi meu reflexo.
- Mas que merda – disse séria, mas logo comecei a rir.
Meu rosto estava apavorante com a maquiagem toda borrada. O rímel e o delineador escorreram pelos olhos e um pedaço da bochecha me deixando com um olhar terrível.
- Pobre Julio – Olívia suspirou.
- Cala a boca – devolvi.
- Você está linda como sempre – Cristofer interveio fuçando no carrinho enquanto enfiava um morango na boca.
Parou um pouco e fechou os olhos enquanto mastigava.
- Morangos me lembram Sofia.
- Espero que não seja eu – brinquei.
- Cruzes – ele fez um sinal da cruz.
- Até morango te lembra ela? – falei me aproximando, ignorando a piada dele. Mas ele também me ignorou.
- Que maravilha. Sua Sofia é linda, todos já sabemos, mas estou com fome – Olívia se juntou a nós.
Havia uma mesa de jantar estilo Luis XV do lado oposto às janelas, do lado esquerdo de quem entrasse. Formava um ângulo de 90° graus com o sofá. Maravilhosa.
Mesmo assim, escolhemos o tapete felpudo e a mesa de centro para deliciarmos nosso jantar cinco estrelas. Uma massa que parecia um ravióli extremamente recheada de queijo, coberta de queijo. A quantidade não era grande, mas uma delícia.
Alguns morangos e taças de champanhe depois, nós três estávamos esparramados pela sala. Olívia no sofá, Cristofer e eu ainda no chão. Apoiei meus cotovelos na mesa para ouvir como foi que ele conheceu Sofia. Os olhos dele brilhavam. Tentei pensar em Gabriel. Será que meus olhos faiscavam também quando eu falava dele? Certamente não. Pelo menos, não mais.
Imediatamente passei a pensar em Heaven.
Inferno.
Será que um dia, alguma pessoa real, de carne e osso, me faria soltar fagulhas pelos olhos?
- E então, porque morangos te lembram ela? – Olívia perguntou para Cristofer me fazendo voltar a prestar atenção na conversa.
- Ah! – suspirou olhando para as luzes que vinham da janela – longa história...
- Sei – continuei maliciosamente.
- Eu vou é dormir – falou se levantando.
- Foge mesmo – Olívia provocou.
- Shhh – ele fez colocando o indicador na frente da boca.
Nós duas rimos.
- Vem – levantei puxando Olívia pelo braço. – Nós também vamos. Quero que chegue logo amanhã!
- Acho que o sofá vai servir – ela disse soltando o peso enquanto eu tentava tirá-la de lá.
- Anda!
- Tô indo... – se levantou preguiçosamente e me seguiu até nosso quarto.
- Durma bem, querido – falou para Cristofer.
- Vocês duas também. E silêncio. Sem risadinhas estridentes.
- O humor dele é uma graça, não é? – falei para Olívia como se ele não estivesse logo ali ao nosso lado.
O plano era mesmo fofocar bastante e dar risadas histéricas até cairmos no choro por medo da minha morte.
O quarto me deixou maravilhada como todo o resto. Também com um carpete que era macio e delicioso de pisar. A cama divina. Travesseiros para uma população inteira. Um sonho.
Deitei para esperar Olívia, mas ela devia ter se apaixonado pelo banheiro do mesmo modo que eu um pouco antes. Demorou demais e a cama me abraçava de uma forma tão aconchegante que eu acabei caindo no sono vestida de roupão mesmo.
Senti quando ela se deitou ao meu lado cuidadosamente para não me acordar, mas não consegui despertar meus sentidos e logo já estava sonhando novamente.
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