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Ao dar play na multimídia, você ouvirá: Jimmy Eat World - Hear you me
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O minueto de Bach já estava ecoando há um tempo quando a poeira pinicou o nariz de Amélia. Fazendo uma careta, ela abriu os olhos. A primeira coisa que viu, de maneira desfocada, foi um livro caído a sua frente. Sem pensar muito, tirou o celular do bolso do vestido e desligou o despertador.
— Você ronca — Ícaro disse, de algum lugar que ela não conseguiu localizar.
Amélia esfregou os olhos e se sentou, sentindo todos os músculos gritarem de dor. Ela emitiu um grunhido, sabendo que suas costas estavam arruinadas. Olhou ao redor e localizou o fantasma sentado a poucos metros atrás de si.
— É claro que não ronco — protestou, se espreguiçando.
— Tem razão — retrucou ele, sorrindo. — Você é tão chata dormindo. Um sonambulismo iria me divertir.
A moça nem se dignou a responder; não estava em seu pleno estado de atenção no momento. Pendendo a cabeça para o lado, a fim de alongar o pescoço, observou com mais atenção o livro jogado em sua frente.
— É o seu livro — falou, bocejando. — Ainda preciso terminar de ler.
— Te empresto daqui uns dias. — Ícaro se levantou, antes que Amélia pudesse pensar, e pegou o objeto do chão.
— Certo... — estranhou ela, mas não disse mais nada relacionado ao assunto. — Vai me passar o endereço da empresa?
O espectro torceu o livro desgastado nas mãos, mordendo os lábios.
— Não sei se é uma boa ideia — soltou, por fim.
Amélia suspirou. Levantou-se com lentidão, parte pela dor em seu corpo, parte por ainda estar pensando no que dizer. Foi para perto de Ícaro e tentou dar o sorriso mais encorajador possível.
— Achei que íamos resolver isso juntos, não é? — falou. — Não sou do tipo que vai atrás de pessoas desconhecidas por hobby. — Ela fez uma careta. — Posso tentar ser corajosa hoje, se você deixar, porque acho que vale a pena.
— A Amélia das suas memórias não era decidida assim. — Ele a encarou, divertido. — Você realmente é um ser humano fascinante. — A jovem revirou os olhos em constrangimento, mas lançou um sorrisinho para o fantasma, que reiterou: — Muito bem, anote aí.
Na mesma hora, Amélia puxou o celular e digitou o endereço fornecido em suas notas.
— Ipiranga, é? — analisou ela. — Isso dá, no mínimo, uma hora e meia de viagem.
— Tem outras filiais espalhadas, mas é nessa que meu pai fica. — Ele deu de ombros, se desculpando.
— Vamos lá, então. — Estava começando a se dar conta do que ia fazer e a hesitação deu as caras, no entanto, Ícaro não precisava saber. — Esse bairro não é de gente rica?
Ele torceu a boca.
— Boa sorte.
"Droga", ela pensou.
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Amélia tinha uma folga sobrando, já que tinha abdicado dela no início do mês e, por causa disso, o trabalho não foi o maior dos seus problemas. Depois que chegou no seu apartamento, tomou um longo banho e preparou seu café da manhã. A dificuldade mais real e palpável foi escolher o que deveria vestir. Na dúvida, se decidiu por uma camisa social que não a faria parecer patética.
Porém, quando o motorista do Uber parou em frente à tal empresa (porque do jeito que era desorientada, provavelmente teria se perdido, indo para um lugar que nunca tinha pisado na vida, de transporte público), se achou patética do mesmo jeito. O prédio era menor do que ela havia imaginado, sim, mas a elegância certamente compensava.
Demorou o máximo que pôde para acertar o pagamento com o motorista, pensando no que diabos iria fazer a seguir, cogitando como tinha se metido numa confusão daquelas por vontade própria.
Quando o veículo deu meia-volta e a deixou plantada na calçada, a jovem sabia que era tarde demais. Leu a fachada: Maynaro Contabilidade. Pelo menos, avistou uma vantagem despontando ao longe: seria fácil inventar uma desculpa, já que, bem, sua própria chefe queria abrir uma empresa e, para esse feito, contadores eram necessários.
Relativamente mais segura, Amélia caminhou para a entrada, que se abriu automaticamente com sua aproximação.
Uma vez dentro, analisou com brevidade os arredores: piso de madeira, paredes beges, plantas verdes e bem-cuidadas espalhadas, elevadores nos cantos. O clima também estava regulado graças ao ar-condicionado. Definitivamente, não conseguia imaginar Ícaro trabalhando num lugar daqueles. Não combinava com sua atmosfera artística.
A moça encaminhou-se para o balcão de recepção e cumprimentou a recepcionista com um "boa tarde".
— Preciso de uma pequena consultoria para a minha empresa — mentiu, tentando parecer o mais convincente possível. É claro que, para tal efeito, colocou as mãos trêmulas em um lugar que não fosse visível.
A funcionária pediu um momento e fez um rápido chamado em um dos telefones disponíveis. Amélia ficou ensaiando seu discurso na cabeça pelos segundos disponíveis que lhe foram oferecidos, e que foram mais breves que o esperado. Assim que a mulher desligou, indicou, com suas unhas pintadas de azul-escuro, uma porta de madeira no fim do corredor em frente à recepção. Supostamente, era o lugar que a jovem deveria adentrar.
— Normalmente, agendamos, mas não temos clientes marcados para esse horário — explicou ela.
Amélia agradeceu, apesar de não ver a eficiência como uma vantagem naquele caso, e percorreu o caminho indicado. Em frente à porta, deu duas batidas suaves, quando lhe ocorreu o impensado: quem garantia que o pai de Ícaro fosse a pessoa a lhe atender, afinal de contas? Não deveria existir apenas um contador naquele lugar, era óbvio.
Antes que fugisse, porém, a porta foi aberta. Um homem, elegantemente trajado com uma camisa social vinho-escuro, a ofereceu um sorriso de boas-vindas, e a moça não escondeu a surpresa por ver uma figura tão idêntica a Ícaro. Suas preocupações haviam sido desnecessárias.
Desde os cabelos pretos até a barba rala, parecia a versão futurística e autêntica do fantasma.
— Venha, venha, fique à vontade, por favor — gesticulou o homem, parecendo ignorar a expressão esquisita de Amélia, e deixando espaço para que ela passasse.
A jovem fez o que lhe foi solicitado e ouviu a porta se fechando atrás de si. À sua frente, uma mesa grande de madeira estava disposta. Papéis e mais papéis estavam pousados sobre ela, além de uma calculadora financeira que a moça certamente não saberia nem ligar. As paredes, como as da recepção, eram beges, e o piso de madeira rústica fazia barulho quando ela andava.
O homem contornou a mesa e se sentou numa cadeira preta atrás do móvel, esperando que Amélia o imitasse, o que ela não demorou a fazer.
— Sou o Victor. Você seria? — Amélia balbuciou seu próprio nome em resposta. — Pois bem, o que a traz aqui hoje? — continuou ele, apoiando os cotovelos na mesa. Céus, até a voz era do mesmo timbre que a de Ícaro.
— Ah, sim. — Balançou a cabeça, lembrando que tinha uma história para contar. — Eu e minha... — Deveria falar chefe? Soaria estranho. Pigarreou. — Sócia... Queremos algumas orientações para abrir nosso negócio.
— Que tipo de negócio? — perguntou ele, puxando uma caneta de um pote na mesa.
— Uma confeitaria.
Victor fez um ruído de aprovação com a garganta, lançando um olhar simpático para a jovem. Mais caloroso que o filho, ela concluiu.
— Antes de mais nada, precisamos falar sobre documentação e custos.
— Ah, bem, estamos só analisando os valores por enquanto, nenhum projeto tão avançado — apressou-se em dizer.
— Entendo. Nesse caso, só posso te oferecer algumas demonstrações. — Victor se abaixou para alcançar uma gaveta embutida, fora da visão da moça.
O movimento permitiu que a jovem visse um porta-retrato que, outrora, o corpo do homem estava escondendo. Instantaneamente, seu peito se apertou: na foto, estava Ícaro, acompanhado de Victor e uma mulher loira, tão bonita que sua existência deveria ser um pecado. Amélia imaginou que fosse a mãe. Estavam numa praia, sorrindo, o mar ao fundo.
Por um momento, ela esqueceu o propósito de sua visita, a garganta fechada. Ícaro era uma vírgula tremida no meio de uma história sem ponto final. Ainda tinha tanta, tanta coisa para conhecer e sentir. Tanta coisa para viver.
Victor voltou à posição anterior e estendeu alguns papéis para que Amélia visse. Ela engoliu em seco, focando o olhar, e o homem entrou em uma longa explicação sobre impostos, procedimentos burocráticos, tipos de empresa e outros assuntos que a jovem nem tentou entender.
Pelo contrário: estava, desesperadamente, tentando achar uma brecha para citar Ícaro. Limitou-se a assentir e concordar nos momentos certos, para encorajá-lo a falar. Não pôde deixar de reparar que o discurso de Victor era paciente, didático e calmo. Um profissional muito bom, à primeira vista; uma pena que Amélia não tivesse, de fato, uma empresa a ser aberta.
Em um momento de pausa para pegar mais planilhas, a jovem abriu a boca, tendo a plena noção de que era naquela hora ou nunca:
— A sua família é bonita.
Inicialmente, Victor a encarou em confusão, até virar o corpo e parecer se lembrar da foto.
— Muito obrigado. — Sorriu. — É minha esposa, Aneli, e meu filho, Ícaro. — É, Amélia sabia muito bem. — Infelizmente, ele não está mais conosco.
— Meus sentimentos. — A moça torceu os dedos. — Ele parece ter sido um ótimo rapaz.
— Ah, ele era. — Victor pousou os papéis na mesa, passando a mão na testa. — Morreu num acidente de ônibus há uns anos. Sempre disse para ele usar mais o próprio carro. — Riu. — Mas ele tinha medo de dirigir.
— Mesmo? — indagou, surpresa com a informação nova.
— Sim, um teimoso nato. — A voz do homem começou a falhar. Ele pigarreou. — Tinha um futuro brilhante pela frente, sempre foi tão inteligente. Deus sabe o que faz, não é, Amélia?
Ela assentiu em compaixão, apesar de não concordar com a afirmação.
— Quantos anos ele tinha?
— 23.
— Nossa! Muito novo — externou sua surpresa com sinceridade, pois ela mesma não tinha feito 22 há muito tempo.
— Não é? — Ele sorriu, triste.
Antes que a moça respondesse, a porta se abriu sem aviso, o que a fez dar um pulo de susto na cadeira. Amélia se virou e deu de cara com um rapaz loiro, com o cabelo (claramente) assentado por gel e um rosto liso como de bebê.
— Ah! Desculpe, achei que Victor não estivesse com clientes — exclamou com um sorriso simpático. Tão simpático que Amélia parecia reconhecê-lo de algum lugar. — Só vim deixar esses convites para o nosso evento beneficente, perdão.
— Obrigado, Gabriel — agradeceu o contador, enquanto o rapaz pousava alguns panfletos na mesa de madeira.
"Gabriel!", Amélia percebeu o coração se acelerar em adrenalina. Ela conseguiu sentir a energia sociável do rapaz de longe. Não era qualquer Gabriel. Só podia ser o melhor amigo de Ícaro.
Antes que pudesse processar esse fato, ele já estava deixando a sala. Não, ainda não! Precisava conhecê-lo, também, e rápido.
— Infelizmente, tenho um compromisso agora e preciso ir — inventou ela para Victor, meio atarantada. — Vou conversar com a minha... Sócia... E voltamos a entrar em contato, tudo bem? Quanto custou esse nosso encontro? — A moça já estava remexendo o bolso da calça em busca de sua carteira compacta.
— Se voltarmos a fazer negócio, acertamos o preço. Não precisa me pagar nada por enquanto. — Ele estendeu um cartão da empresa e a moça pegou, relutante. Não pagar era mesmo o procedimento? — E foi bom falar um pouco do meu filho com uma moça tão interessada. — Victor a olhou. — Ele gostaria muito de você.
Em resposta, Amélia ofereceu seu sorriso mais brilhante para o homem. Era um pai maravilhoso. Ícaro tinha sorte.
— Obrigada por me contar, Victor. — Ela se levantou e ele fez o mesmo.
Os dois se encararam por alguns segundos, e Amélia sentiu que estavam compartilhando um segredo: o quão fascinante era aquele garoto que voou muito perto do céu e caiu. Ela não tinha visto as asas de Ícaro derretendo, porém, quando chegava perto dele, conseguia ver os vestígios de cera que eram invisíveis a olho nu.
Nesse preciso momento, ela decidiu: o céu que o tinha perdido, então, e não o contrário.
A jovem lançou um último aceno a Victor e se retirou da sala com um suspiro pesado.
Tinha conseguido, e nem havia sido tão ruim quanto esperava. Se olhasse para a versão de si própria de meses atrás, não teria feito as mesmas escolhas, com certeza.
Sendo assim, que bom que tinha tomado todas as decisões que a haviam trazido até ali, afinal.
Amélia balançou a cabeça, tendo plena consciência de que não era o momento de ser nostálgica, e escaneou o estabelecimento com os olhos a fim de localizar seu alvo.
O universo a estava ajudando, pois Gabriel estava parado perto de um bebedouro no canto, com um copo descartável na boca e um celular na mão. A jovem soprou mais uma brisa de coragem para seu espírito já turbulento e caminhou até o rapaz.
Como quem não queria nada, também pegou um dos copos disponíveis e encheu de água. Tomou um gole e mordeu os lábios molhados, pensando no que falar. Ele nem a tinha notado ainda, pelo visto, pois sua concentração estava toda localizada no aparelho em suas mãos.
— Fiquei interessada no evento beneficente que você citou — puxou assunto, bem menos segura do que tinha pretendido ser em sua imaginação. — Poderia me falar mais sobre?
Gabriel levantou os olhos do celular e checou rapidamente suas laterais, certificando-se que ela estava falando com ele. Ao confirmar que sim, lançou um sorriso tão caloroso quanto o sol. Se Amélia fosse um cubo de gelo, teria derretido com tanta luz.
— É um evento da minha agência de carros — disse ele, nitidamente empolgado. — Estamos promovendo o uso de combustível sustentável em carros vendidos no Brasil.
— Bacana. — E ela realmente achava que era, apesar de não ter colocado tanta convicção na voz. — É uma pauta relevante, realmente.
— Sustentabilidade sempre é relevante. Você está mais que convidada a aparecer. Tem alguns panfletos ali no balcão, caso queira. — Gabriel tomou o último gole de água e jogou o copo descartável numa lixeira próxima. — A programação vale a pena, te garanto.
Ela sorriu por fora, mas, por dentro, estava desesperada por não saber como inserir o assunto "Ícaro" na conversa. Não teve tempo para pensar, porém:
— Sabe, acho que te conheço de algum lugar. — Gabriel analisou Amélia de cima a baixo. — Da universidade, talvez? Já faz uns anos que me formei.
Bingo.
— Você era da Administração, não é? — Ela agradeceu aos deuses por Ícaro ter dado tantas informações. — Lembro da sua turma. — Que nunca havia visto na vida.
— Legal! Você fazia qual curso?
— Biologia. — Biologia?
— Engraçado, nossos prédios eram bem longe um do outro então... — Ele franziu o cenho.
— Ah! Sim, é que... Eu gostava de ficar andando pelo campus, sabe? — Que desculpa terrível! — Soube o que aconteceu com aquele garoto da sua turma, o que morreu.
Como uma grande nuvem cobrindo o sol, toda a luz de Gabriel pareceu se apagar.
— Sim, sim, o Ícaro. Éramos muito próximos, quase irmãos. — Apesar de falar com suavidade, era transparente o quanto ele estava afetado. — Foi tão de repente. Se ele tivesse usado um maldito carro ao invés de pegar o ônibus...
O mesmo discurso de Victor, Amélia reparou. Ela mesma já estava querendo socar Ícaro por ter medo de dirigir. Mas será que realmente teria mudado o curso das coisas? Sua mãe sempre dizia que as pessoas tinham hora para morrer ou algo assim. Sinceramente, ela não sabia se acreditava nesses discursos vazios. Sempre os viu como uma desculpa para amenizar a dor de perder alguém querido.
Gabriel pareceu se dar conta de que estava entrando em territórios demasiadamente pessoais com uma estranha, porque deu um sorriso sem graça.
Era aquela aura de Amélia: as pessoas pareciam ter propensão a contá-la sobre problemas e emoções em geral.
— Meus sentimentos. — Amélia tentou deixá-lo menos desconfortável falando a coisa mais lógica e aceitável que conseguiu pensar.
— Obrigado. — Gabriel passou a mão no cabelo de gel. — Ele ia ser um ótimo escritor. Uma vez postei uns textos dele escondido na internet, porque ele mesmo não teria coragem.
Amélia riu e tomou o restante da água em seu copo. Engraçado como Ícaro parecia ser tão seguro, mas, na verdade, era tão corajoso quanto ela — o que, claramente, queria dizer que não era nada corajoso.
Ela também lembrou de suas primeiras pesquisas no Google sobre o livro misterioso, quando achou esquisito buscar o título e encontrar o sobrenome "Maynaro". Isso explicava bastante coisa.
Aos poucos, o mistério ia sendo resolvido, afinal.
— Vou dar uma pesquisada e ler o que você publicou por ele — respondeu ela ao rapaz, carinhosamente.
— Talvez ele gostasse. — Gabriel suspirou. — Bom, apareça no nosso evento, te pago um suco.
— Farei o possível. — Ela jogou o copo que segurava no lixo. Torceu as mãos e olhou para baixo. — Tenho certeza de que Ícaro sente sua falta, onde quer que ele esteja.
Quando ela olhou para o melhor amigo do fantasma de novo, conseguiu ver que ele estava fazendo o possível para não chorar. Sem pensar muito, Amélia pousou a mão no braço dele em um gesto de conforto. Gabriel, ao que parecia, não conseguia nem sorrir em retorno.
— Obrigado. — A voz dele saiu sufocada.
Amélia não estava ali para reabrir as feridas de ninguém, no fim das contas. Desfez o contato e se despediu da forma mais amável que conseguiu. Quando estava na porta, conseguiu ver Gabriel caminhando para o lado oposto do escritório de Victor, secando o canto dos olhos.
A jovem não imaginou que seu peito pudesse se comprimir ainda mais quando puxou o celular para pedir um Uber, entretanto, foi o que aconteceu. Nos últimos encontros com Ícaro, não tinha realmente se lembrado de que ele não estava mais entre pessoas vivas. Quando conversavam, não conseguia captar a dor que ele sentia. Na verdade, não tinha nem percebido o quão insensível tinha sido em seu pedido para ir atrás da família do fantasma.
Sua carona chegou e, enquanto o motorista escutava uma estação aleatória de músicas brasileiras, ela não conseguia parar de pensar em Gabriel. Victor parecia ser mais forte, mas o amigo de Ícaro claramente não tinha superado. Pelas histórias que ouviu, Amélia sabia o quanto os dois eram próximos.
Ela queria poder ter contado que Ícaro ainda estava ali, de alguma forma. Porém, estava mesmo? Além do mais, há quantos anos ele teria morrido? Por que ainda estava preso ali? E por quanto mais tempo estaria? Não tinha como saber, não é?
Amélia estava tentando, com todas as forças, não pensar na pior parte: se ele não estivesse mais com ela, o quão dolorido ia ser? Quer dizer, ele não podia ficar para sempre, certo?
Quando era criança e ficava gripada, sua mãe costumava lhe dar alguns comprimidos rosa-claro, que eram doces e azedos ao mesmo tempo. Ela costumava até gostar da gripe, apenas para ter o prazer de sentir o remédio se desfazendo em sua língua e a dor passando. Era um alívio bem-vindo.
No entanto, assim que cresceu, os comprimidos agradáveis foram substituídos por medicamentos de gosto horrível e alívio não imediato. Não demorou para descobrir que suas doenças não seriam mais resolvidas com sabores gostosos e afagos.
Infelizmente, nunca havia se acostumado com essa perda.
Até então, não havia se dado conta de quantas de suas dores estavam sendo curadas pelo fantasma. Sabia, porém, que, depois de uma cirurgia, os pontos não podem ser retirados imediatamente.
O mistério de Ícaro, porém, estava chegando ao fim, e decididamente já não parecia tão doce.
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