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Ao dar play na multimídia, você ouvirá: The Midnight - Los Angeles

Amélia poderia citar uma ou duas pessoas que a viram de pijama além dos pais. Pudera, sua linha de roupas de dormir era um tanto esquisita e, claro, infantil, para combinar com sua eterna sensação de que nunca havia crescido de verdade.

No entanto, no momento em que sentiu cheiro de café fresco vindo da cozinha, não conseguia pensar em nenhum tipo de vergonha que a fizesse atrasar o momento de comer uma refeição decente pela manhã, depois de semanas tendo a comida como preocupação leviana.

Quando entrou na cozinha pequena, pôde visualizar uma mesa composta de frutas cortadas, pães e, principalmente, café. Ela quase derreteu de satisfação. Natã, já sentado e esperando, olhou para o pijama de bolinhas da amiga.

— Não ouse — advertiu ela, sentando-se na cadeira disponível à frente do rapaz. — Você podia ter me acordado, sabe? Eu poderia ter ajudado.

— Ah, qual é. — Natã revirou os olhos enquanto a moça se servia de café. — Você já me deixou dormir no seu sofá muito confortável.

Amélia fez um gesto de dispensa com a mão.

— É sério — reafirmou ele, observando Amélia pegar um dos pães doces disponíveis e morder. — Obrigado.

— Tá tudo bem, já tive minha recompensa — disse ela, tampando a boca cheia com a mão.

— Falando de boca cheia? Quem te ensinou isso? — O rapaz brincou, fazendo uma careta. Procurou, com os olhos, algo para comer, também. Especificamente, frutas. Tão saudável como sempre.

Amélia riu, sem mastigar nada daquela vez.

— Sabe, é bom ter companhia por aqui — falou. — É desagradável não ouvir nada além da minha própria voz todo dia.

— Você realmente não deve receber visitas, porque nem tinha escova de dentes reserva — respondeu o amigo, arqueando suas sobrancelhas grossas. — Tive que sair pra comprar.

Amélia não conseguiu parar de rir por trinta segundos seguidos, sendo acompanhada por seu companheiro inusitado.

O restante da refeição continuou tão ou mais agradável do que no início. Era sempre muito fácil conversar com Natã; ele sabia exatamente quais eram os assuntos atuais, e selecionava cada um criteriosamente para que interessasse o ouvinte. Seria facilmente classificado como extrovertido por qualquer um que tivesse o mínimo contato com ele.

Amélia sempre adorou isso, pois a poupava de várias situações constrangedoras que se formavam graças à sua personalidade introvertida, o exato oposto.

Em pouco menos de meia hora, o casal de amigos já estava tirando a bagunça da mesa e Natã se ofereceu para cuidar da louça enquanto Amélia colocava uma roupa "minimamente apresentável", de acordo com ele.

Apesar de seu constante desejo de não ser notada, a moça gostava da parte de se vestir, e adorava combinar várias cores e estampas. Ela começou a se sentir mais confortável com isso quando percebeu que ninguém realmente ligava para ela, tão ocupados como estavam em suas próprias bolhas. Nesses momentos, ela agradecia o egoísmo dos seres humanos.

Depois de combinar seus coturnos com uma calça caramelo meio abandonada, saiu do quarto cheirando a perfume de baunilha. Natã já tinha cuidado dos copos e talheres sujos, como prometido, e estava esperando em frente à porta. Amélia checou os bolsos para ver se tinha guardado as chaves e rumou para a porta. O rapaz deu um passo para o lado para que ela pudesse destrancá-la.

— É realmente vazio por aqui — comentou o amigo. — Se você quiser, posso ser uma companhia mais frequente ainda.

Amélia sorriu, entreabrindo a porta.

— Podemos pensar nisso.

A jovem sentiu um puxão repentino em seu braço e a porta se fechou novamente, com pouco ruído. Natã levantou o queixo da moça com a mão, e ela pensou que nunca tinha reparado de verdade no tom de chocolate escuro nos olhos do amigo. Ele escaneou o rosto dela, buscando confirmação e, sem pensar muito, Amélia fechou os olhos.

Não demorou nem meio segundo para que sentisse os lábios cheios de Natã se moldando aos seus. Ele não foi gentil em momento algum, e Amélia não precisava estar na árvore genealógica de Einstein para perceber que, provavelmente, Natã estava esperando por aquilo há um tempo.

O rapaz a puxou para mais perto, se permitindo conhecer o caminho das costas da moça, de cima a baixo. Amélia, já com uma das mãos posicionadas na nuca dele, apertou o cabelo do companheiro entre os dedos e encostou na porta. O gesto permitiu que Natã a prensasse mais contra seu corpo, então, e deixasse sua concentração se dirigir ao pescoço exposto de Amélia, que suspirava entre as mordidas leves que recebia.

Antes que ele pudesse voltar a beijá-la, no entanto, a moça tentou voltar à consciência e o afastou com um leve empurrão, que foi o suficiente para o amigo parar imediatamente o que fazia.

— Ainda preciso chegar no horário — disse ela, tentando não soar ofegante enquanto seu baixo-ventre reclamava com o distanciamento.

— Bom lembrete. — Foi a resposta do rapaz, que passou a mão nos cabelos, com a expressão plenamente satisfeita.

Ambos se encararam por alguns instantes antes de Amélia abrir a porta novamente.

Pelo resto do percurso até o carro de Natã, a moça não se atreveu a dizer nenhuma palavra. Ao chegar no veículo, o silêncio foi tão prolongado quanto poderia ser, e as únicas interações entre os dois vieram em formato de olhares; em êxtase, por parte de Natã, e confusão, por parte de Amélia.

Para amenizar a esquisitice do clima, a moça ligou o rádio e pulou várias estações a esmo, para ter o que fazer. Só se viu obrigada a parar quando uma melodia, meio anos 80, meio rock, preencheu o carro. Ela adorava esse tipo de música, e as sensações que a sequência de canções escolhida pela rádio lhe passava a distraiu do desconforto que estava sentindo.

Graças (e apenas) a isso, a viagem pareceu mais rápida do que seria, normalmente, sob tais circunstâncias. Natã estacionou em frente ao portão de Ivana e Amélia já estava abrindo a porta quando ele disse:

— Vai sair no horário de almoço hoje?

— Só no fim do dia mesmo. — Em resposta, o rapaz assentiu. Amélia não sabia muito bem o que fazer a partir daí, então continuou: — Hoje você vai atender as ligações dos seus parentes, certo?

Natã até conseguiu emitir um mínimo sorriso ao responder.

— Vou sim.

— Ótimo. — Ela sorriu de volta em resposta, genuinamente feliz. — Até mais tarde.

Mesmo depois que a moça havia se espreitado para fora do veículo e batido a porta, Natã esperou que ela entrasse, e só depois foi para o trabalho. Amélia suspirou, já dentro do ar aconchegante da casa, pronta para encarar até dez encomendas com recheio de doce de leite para distrair a sua cabeça.

No entanto, Ivana, que assistiu à entrada de sua funcionária em silêncio, não parecia disposta a cooperar.

— Natã me mandou mensagem só hoje de manhã, acredita? — falou ela da cozinha, em alto e bom som, não deixando Amélia dar seu bom dia usual. — Esqueceu de me avisar que ia dormir no seu apartamento, aquele garoto.

Amélia soltou um ruído esquisito e incompreensível e foi direto para a gaveta de aventais. Ivana riu.

— Se ele está feliz, eu também estou, sabe?

"Ótimo", a moça pensou. Não bastava já ter que lidar com seus próprios sentimentos — que, diga-se de passagem, nem ela sabia quais eram —, agora teria que encarar as expectativas da mãe de seu melhor amigo. Mas o que ela esperava, afinal? Não podia ser muito diferente disso, não é?

Sem saber o que responder, Amélia apenas se limitou a não dizer nada sobre o assunto e perguntar sobre as encomendas daquele dia, em contraposição.

Ivana entendeu a dica.

Foi assim que o restante do dia de Amélia se resumiu a embalar docinhos e montar flores de açúcar. As encomendas recentes estavam sendo tanto normais quanto entediantes. Além disso, a única entrega que precisou fazer era em uma casa a menos de 10 minutos dali. Em suas classificações de dias "terrivelmente normais" e "normais", ela classificaria como medianamente normal, levando em consideração tudo o que já havia acontecido.

No fim de seu turno, depois de fazer o melhor que podia com a bagunça e se preparar para ir à livraria, Amélia se viu barrada por Ivana, que tinha preparado uma caixa branca cheia de cupcakes para ela. A verdade é que a moça estava tão distraída aquele dia que nem havia reparado (afinal, quantas caixas brancas não via ao decorrer do dia?). De vez em quando, Ivana fornecia alguns dos doces que produziam para Amélia, especialmente quando erravam a conta na quantidade, como naquele momento.

Portanto, Amélia, agora, equilibrava uma caixa mediana nos braços enquanto fazia seu caminho — habitual, arriscaria dizer — para ver Ícaro. O movimento estava mais intenso que o normal, mesmo sendo noite, e ela se perguntou se estava perdendo algum evento importante. Ou, provavelmente, era só o dia de pagamento das pessoas (e não o dela, já que as datas com Ivana eram diferentes).

A maioria dos vendedores ambulantes ainda zanzava pelas ruas anunciando produtos. A moça desviou de um brinquedo que soltava bolhas de sabão sozinho no meio do trajeto, e a vendedora se desculpou enquanto Amélia fazia um gesto de dispensa com a mão livre. Como boa geradora de desastres, acabou esbarrando em um manequim no processo de desvio das bolhas inofensivas. Por sorte, conseguiu impedir uma possível queda segurando o vestido do manequim pela manga. Com uma careta, ela ajeitou a boneca no lugar, arrumando a peça de roupa novamente o melhor que podia.

A moça apreciou o trabalho e pendeu a cabeça para o lado, observando o vestido com mais calma. Era bem bonito, de coloração cinza, tecido leve, mangas longas e comprimento curto.

— Até que ficou bem em você — sussurrou para o manequim.

— Posso ajudar? — Uma mulher loira surgiu no campo de visão de Amélia, aparentemente do nada, fazendo a jovem imediatamente disfarçar o papo com a boneca.

— Gostei desse vestido — disse ela, sorrindo amarelo.

— É a última peça desse modelo — respondeu a funcionária, solícita. — Acho que estava esperando por você.

E foi exatamente assim, com um discurso barato e o apreço inexplicável que Amélia tinha por tudo que tivesse "destino" nas entrelinhas, que agora carregava não só os cupcakes de Ivana, mas um vestido novo. Tratou de chegar na livraria o mais rápido que podia antes que fosse persuadida por mais um vendedor minimamente esperto.

Teve que andar de lado para conseguir atravessar o corredor estreito com as coisas que carregava. Miriam estava nos fundos e apenas levantou as sobrancelhas quando a viu, o que era um cumprimento até educado em comparação com o tratamento recente.

Amélia andou até a mesa da velha, que a observava com nítida desconfiança, retirou um cupcake de chocolate e nozes da caixa e estendeu para Miriam.

— Trabalho com uma confeiteira, então... — Ela tentou começar a se explicar, mas o olhar gélido que recebeu a fez parar no mesmo instante.

Céus, a moça nunca achou que iria achar uma humana normal mais assustadora que um fantasma. Decidiu apenas pousar o doce na mesa e sair, cautelosamente, à procura de Ícaro.

Ela percorreu alguns dos títulos com os olhos, indo das prateleiras de comédia até às de ficção científica. Agora que já se sentia mais confortável, prometeu a si mesma que iria parar com calma e comprar mais uns dois livros em alguma de suas visitas.

O fantasma estava no corredor seguinte, analisando, com o que parecia ser bastante interesse, uma das infiltrações na parede.

— Nunca pensei que uma parede pudesse ser tão fascinante — disse ela, em voz alta, e ele se virou.

— Achei que não apareceria — sorriu.

— Por que não? Você não me assusta mais — respondeu ela, pousando a sacola e a caixa no chão. Deu um suspiro de cansaço quando se ergueu, massageando a nuca.

— Pensei que esse dia nunca chegaria. — Ícaro colocou as mãos no bolso. — Como foi o trabalho?

— Normal. — Ela encostou em uma das estantes. — Como foi o seu? Roubando muitas memórias?

— Não muitas, na verdade.

— Precisamos arranjar coisas para você fazer — pronunciou ela, o que fez Ícaro arquear as sobrancelhas. — A infiltração não pode ser sua maior atração todos os dias.

— Acho que sinto falta de sair para ir a festas de vez em quando, realmente — admitiu o fantasma, mordendo o polegar. — Quer dizer, na época eu odiava.

— Por algum motivo, não consigo imaginar você dançando nem nada. — Amélia cruzou os braços, sarcástica.

— Que bom, porque eu nunca soube dançar bem. — Ele sorriu, mas ela viu quando a expressão dele caiu, por mais que o fantasma estivesse tentando disfarçar a tristeza.

— Ah, nem uma valsinha? — Tentou brincar, mas a situação só pareceu piorar pela expressão desolada e saudosa de Ícaro.

Amélia suspirou por dentro. "Merda", pensou, tentando reprimir o impulso de se aproximar. Falhou. Não conseguiu controlar suas pernas, chegando perto do fantasma e, pela primeira vez, encostando em sua mão voluntariamente. A expressão de choque de Ícaro foi o suficiente para fazer a moça relutar e, em seguida, decidir que não ia se afastar, apesar de começar a sentir seu corpo ficando gelado pelo contato.

— Hora de aprender, não? — disse, então, colocando uma das mãos no ombro do espectro e esperando que (céus, por favor), ele se mexesse.

Ícaro, sutilmente, pareceu sair da bolha de descrença e, com muito cuidado, envolveu a cintura da moça. Amélia não sabia como descrever a textura da "pele" de Ícaro; era quase como a de um ser humano normal, no entanto, tão fria que a comparação a um cubo de gelo era igualmente cabível. Ela tentou controlar o ar branco que saía junto a sua respiração; por outro lado, Ícaro parecia cada vez mais desesperado.

— Isso realmente, realmente não é recomendável — soltou ele.

— Não mesmo.

Amélia riu.

A moça começou a murmurar uma das músicas que tinha ouvido no carro de Natã de manhã e iniciou o processo de obrigar o fantasma a dar dois passos para a direita e dois para a esquerda, como seu pai a tinha ensinado antes de sua formatura no ensino médio.

Ícaro era realmente péssimo e, a cada pequeno erro, Amélia franzia os lábios em diversão. Aos poucos, ele começou a rir de si próprio e até se permitiu aproximar mais o corpo ao de Amélia — que, a essa altura, já tinha esquecido das suas reações corporais negativas e estava se concentrando em murmurar a canção do modo mais afinado possível.

— Essa música é muito antiga pra uma pessoa como você saber — brincou ele, se esforçando para não fazer mais um passo errado.

— Vai ver estou na época errada. — Ela coçou a bochecha.

O fantasma a olhou de um jeito esquisito. Amélia captou confusão, talvez um tanto de reconhecimento e... Arrependimento?

— O que foi? — A moça mordeu os lábios em ansiedade.

— Gostaria que estivéssemos na mesma época — respondeu ele, simplesmente. — Provavelmente, teríamos sido melhores amigos.

Amélia franziu as sobrancelhas.

— Sabe, você não parece tão velho assim. Quando foi que...?

— Por que você não passa a noite aqui? — interrompeu o espectro.

— Como é? — Ela riu, desacreditada. — Tem algum colchão inflável escondido nessa livraria e eu não reparei?

— É sério. — Ícaro parou de dançar, apesar de manter a mão na cintura da moça. — Poderíamos montar uma festa decente.

— Uma festa? — Amélia deu um sorrisinho e balançou a cabeça. — De duas pessoas?

— E por que não?

A jovem olhou para a caixa de cupcakes que recebeu de Ivana e para a sacola com seu vestido novo. Tecnicamente, já tinha um vestido e comida.

— Além do mais, você mesma disse que não tem mais medo de mim — justificou o espectro, quase implorando com seus olhos vazios, porém cheios de desejo.

— Tem razão. — Ela deu de ombros. — Mas você não come, não é? Porque eu tenho cupcakes comigo e não pretendo dividir com quem não precisa.

Ícaro pareceu tão feliz que até riu com genuinidade da brincadeira ruim, se desvencilhando da, anteriormente, parceira de dança. Imediatamente, Amélia sentiu o corpo voltar a ficar aquecido.

— Miriam vai fechar daqui a pouco. Me dê uns minutos, vou falar com ela — declarou ele, andando e saindo da vista de Amélia antes que ela pudesse responder.

Incrédula, a moça olhou ao redor, analisando o pouco espaço. Arregaçou as mangas da blusa e se dirigiu à estante de livros mais próxima para empurrá-la; primeiro com as mãos, depois com as costas. Força nunca havia sido sua melhor qualidade. Bufando de esforço, ela conseguiu afastar apenas duas estantes antes de Ícaro reaparecer.

— Resolvido. Ela já estava indo para casa, aliás. Provavelmente ia te expulsar — pronunciou ele, colocando uma toalha de mesa no chão, toalha essa que Amélia classificaria como "de vovó", junto com um rádio antigo. Ela riu da estampa patética do tecido. — Foi a única que achei — defendeu-se.

Ele se prostrou ao lado dela e empurrou as última estantes com as costas em poucos minutos.

— Sabe, sua ajuda teria me poupado trabalho — reclamou ela, colocando os cupcakes em cima da toalha e esticando ainda mais o tecido, para que sobrasse espaço e eles pudessem se sentar.

— Mil desculpas, senhorita. — Ícaro já tinha começado a fuçar no rádio para encontrar alguma estação interessante. Coincidência ou não, acabou parando na mesma que Amélia tinha parado naquela manhã.

Era aquilo, então: já tinham comida e música, os destaques de um evento. Amélia se arriscaria a dizer que só faltava álcool, e, claro, sua roupa nova.

— Preciso me trocar — sentenciou, por fim, pegando a sacola que continha o vestido.

— Uau. Eu diria que você planejou isso antes de mim — respondeu o fantasma, passando a mão no pescoço, enquanto Amélia se deslocava até a estante mais longínqua possível.

— Você acredita se eu disser que estou mais surpresa que você? — A moça pronunciou para si própria.

Andou mais um pouco até se sentir segura o suficiente. Aquele lugar era bem maior do que ela imaginava, mas ela acabou por achar um canto apropriado na busca, sem pensar, em nenhum momento, que a ideia da festa particular era absurda. Amélia não sabia em qual momento tinha parado de se questionar acerca da esquisitice da situação em geral, na verdade.

Tentando não fazer muitos ruídos, a jovem começou a se despir. As roupas caíam no chão com um baque surdo. Com velocidade, ela colocou as antigas roupas na sacola e ajeitou o vestido cinza no corpo com algum esforço; era mais apertado do que ela imaginou. Ao tentar fechar o zíper nas costas, percebeu, tarde demais, que não conseguiria fazer aquilo sozinha de maneira alguma.

Com uma careta cética, a jovem tentou subir o zíper de todas as formas imagináveis e inimagináveis, antes de desistir com um palavrão. Colocando a mão no rosto ardente, ela chamou:

— Ícaro?

Apesar de não ouvir respiração além da própria, ela ouviu os passos.

— Sim?

— Preciso de ajuda.

A presença do fantasma era inconfundível. Amélia soube quando ele estava atrás dela sem precisar olhar.

— Não consigo fechar — murmurou ela, de cabeça baixa, tendo a plena noção de que suas costas estavam expostas.

Amélia sempre odiou praias e piscinas. Na verdade, odiava qualquer coisa que a obrigasse a mostrar alguma parte desnecessária de seu corpo, porque o considerava muito fora do padrão, com suas marcas, colorações e cicatrizes, para querer exibi-lo.

Essa também era a razão de boa parte dos fracassos em seus relacionamentos. Essa era uma das razões pela qual ela tinha tanto medo da aproximação de Natã. Já havia perdido pessoas o suficiente por causa de seus complexos.

Ela estremeceu com o toque gelado dos dedos de Ícaro quando ele fechou o zíper. Com a respiração descompassada pelo constrangimento, ela se virou. Ele sorriu, focando sua atenção no piso.

— Suas manchinhas são bonitas — declarou, sem parecer querer ou esperar resposta, imediatamente rumando para longe.

Amélia sentiu uma pontada de gratidão em algum lugar do corpo que acabou esquecendo de identificar, porque já estava seguindo o espectro.

Uma vez no lugar anterior, a única coisa que restava era começar. Ícaro estendeu a mão, tímido. Ela segurou, tendo plena segurança para fazer, de novo, o que adorava: dançar.

Pelos próximos trinta minutos, Amélia pôde constatar que ele era um pouco melhor em danças descontraídas. Se soubesse disso antes, não teria insistido tanto na valsa, com certeza. Percebeu, ainda, que nunca tinha frequentado nenhuma festa que tocasse música dos anos 80, e que nenhuma até então tinha sido tão divertida e proveitosa como aquela.

— Minha família sempre odiou esse tipo de canção — disse ela, em algum momento depois de suas pernas estarem pesadas, girando com um cupcake na mão.

— Que azar o seu. — Ícaro balançava de olhos fechados. — Minha mãe me fazia cantar algumas com ela quando eu era pequeno.

A jovem mordeu o cupcake e parou de se mexer, imaginando um mini-Ícaro de voz fina e aparência saudável.

— Sua mãe parece ser o tipo que mostra seu álbum de bebê para as namoradas — zombou ela, se sentando, finalmente sentindo o suor na testa e no corpo depois da adrenalina.

— Para a minha sorte, ela nunca conheceu nenhuma. — Ele abriu os olhos, porém não parou de se mexer. — Mas o Gabriel compensava por mim. Éramos quase irmãos, então toda semana tinha alguma garota dele pela minha casa.

Amélia achou graça e lambeu recheio de chocolate dos lábios.

— E seu pai?

Ícaro deu um último giro antes de se jogar na toalha ao lado dela.

— Ele não se preocupava muito com esse tipo de coisa. A faculdade era mais importante pra ele, acho. Bem, eu terminei o curso, como já disse. — O fantasma passou a mão no cabelo. Obviamente, não havia nenhum vestígio de suor ou cansaço. — Podemos dizer que devo tê-lo deixado orgulhoso.

— Aposto que deixou várias pessoas orgulhosas — palpitou Amélia, finalizando seu cupcake. Precisava lembrar de parabenizar Ivana depois.

— Você é mesmo boazinha comigo. — Ele a encarou. Com intensidade, a jovem reparou.

— Acredito que deve sentir falta de todos eles. — Ela retribuiu o olhar.

— Não consigo nem dizer o quanto.

A moça desviou os olhos para amassar a embalagem do cupcake. Subitamente, parou, uma ideia iluminando seu corpo inteiro, como auréolas de anjos no Apocalipse.

— Por que não me passa o endereço da empresa do seu pai?

— O quê? — Se um fantasma pudesse empalidecer, certamente Ícaro estaria ainda mais branco.

— Talvez isso te ajude a ter algumas respostas... E se forem eles o motivo de você ainda estar aqui?

O locutor na rádio anunciava um barbeador. O espectro olhou fixamente para uma das estantes afastadas. Amélia esperou com o coração aos pulos.

— É uma ideia — concordou, enfim.

— Ótimo! — Ela se deitou na toalha, observando o maxilar travado do fantasma. Ele ainda não tinha se virado para vê-la. — Confie em mim.

Amélia não obteve resposta. Quando Ícaro a analisou, não tinha expressividade alguma no ato, e ambos ficaram em silêncio por longos minutos. Acordes e notas perdidas ressoavam nos ouvidos da jovem com suavidade. Aquela música era ótima. Ela fechou os olhos.

Mais alguns minutos com ausência de sons e ruídos se passaram. A moça sentiu o corpo ficando aquecido e a mente se desconectando do mundo real.

— Você quer se livrar de mim tão rápido assim? — indagou ele, e Amélia, de olhos fechados e dificuldade de concentração, ouviu a voz masculina pronunciando tal sentença como se estivesse passando por um túnel.

Ela suspirou.

— Não quero — murmurou. — Você faz eu me sentir viva.

Antes de realmente começar a pensar se havia falado alguma besteira, Amélia caiu na inconsciência, sem saber se o sentimento de estar sendo profundamente observada era fruto de sua imaginação ou não.


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