PARTE I - PAIXÃO QUE FALA
Capítulo 4 - O Eros
– Alô...?
– Elizabeth? – perguntou uma voz masculina do outro lado da linha.
– Sim...? – ela respondeu confusa, sem reconhecer o interlocutor.
– Lembra de mim?
Elizabeth tentou buscar aquela voz em sua memória, sem resultado.
– Desculpe...
– Sou eu... – disse o interlocutor, como se já esperasse por esta resposta. – Alessandro.
Aquele som foi como uma resposta às suas preces. Há dias ela se sentia angustiada com saudade do amigo, de quem não tinha notícias há quase oito anos.
– Alessandro? – Sua voz estava maravilhada, beirando a euforia. – Não posso acreditar... Como conseguiu meu número?
– Eu encontrei o teu primo na internet e ele me passou. Ele disse que você não gosta de conversas virtuais...
– Não tenho a menor paciência para isso...
Ela não se continha de alegria. Há muito tempo queria reencontrar Alessandro. Devia ter mudado muito. Sua voz mudou. E como estava linda aquela voz...
– Ainda mora em Franca? – perguntou Elizabeth.
– Não. Meu pai passou a viver como cigano desde aquela época, sempre indo de uma cidade para outra. Chegamos a nos mudar duas vezes no mesmo mês! Parecemos nômades em busca de recursos. Agora estou em São Paulo, mas por pouco tempo.
– E para onde você vai? – perguntou Elizabeth, sem decidir entre a tristeza por ele estar novamente se mudando e a esperança de que viesse para mais perto.
– Eu decidi que já é hora de deixar de lado as mudanças e me fixar em um lugar. Saí da casa dos meus pais depois da faculdade, e agora consegui me estabilizar profissionalmente, então, estou regressando a Atibaia.
O coração de Elizabeth deu um salto de felicidade.
– Chegarei dentro de uma semana e quero te ver.
– É claro! – ela disse, tentando conter a euforia, que era mais típica de Simone do que dela.
– Onde podemos nos encontrar?
– Podemos tomar suco no Pepe...
– Não acredito... Ele ainda tem aquele lugar?
– Certas coisas nunca mudam...
– Então eu te ligo quando chegar. Tenho uma coisa maravilhosa para te dizer...
***
Ninguém entendeu quando Elizabeth correu para abraçar Eduardo assim que ele chegou para o chá. Nem ele entendeu muito bem, até que ela lhe disse "obrigada".
– O Alessandro te ligou... – concluiu o primo.
Ela assentiu com a cabeça.
– E ele vem aí...
– Ah, o palhaço Muqueca vai voltar!...
Este era o apelido do Alessandro na infância. Assim mesmo com "u", para deixar o vulgo ainda mais engraçado. A explicação era bem simples para qualquer um que o conhecesse, já que ele fazia todo mundo rir de suas palhaçadas e do modo como falava errado, e volta e meia caía de maduro...
– Ah, o Alessandro está voltando? – indagou Carol, com um sorriso amigável. – Até que enfim! Não pensei que ele fosse conseguir ficar tanto tempo longe desta cidade... Gosto daquele menino.
– Mamãe, eu acho que o Alessandro deixou de ser um menino há muito tempo – disse Elizabeth, contendo seu entusiasmo, mas intimamente recordando com delírio a voz grave e sedutora que lhe falara ao telefone.
– Tem razão – admitiu Carol. – Ele deve ter uns vinte e cinco ou vinte e seis anos...? Eu não me lembro se ele é mais velho que você dois ou três anos...
Elizabeth não disse nada, e se desligou completamente das outras pessoas. Estava ansiosa para rever o amigo. Mais do que já estivera em toda a vida.
***
Exatamente uma semana depois, Alessandro ligou e marcou o encontro com Elizabeth na cantina do Pepe. Ela chegou ansiosa para revê-lo, sem saber se o conseguiria reconhecer. Mas não precisou, porque foi ele quem a reconheceu. Ela viu quando um rapaz se levantou de um banco em frente ao balcão e caminhou até ela. Era alto e moreno, de cabelos negros descendo pela orelha, bem bonito, corpo forte...
"Um anjo...", ela pensou, enquanto o via se aproximar passo a passo, quase desfilando, com um sorriso iluminando seu rosto.
Os dentes de marfim cintilaram como o flash de uma câmera.
"Não... Deve ser um deus... Dionísio ou Apolo, talvez...".
Os cabelos contornavam como uma moldura aquele rosto moreno, tão lindo que faria os anjos chorarem de inveja.
"Quem sabe...? Eros! O mais belo de todos... deus do amor...".
Os olhos se iluminaram a menos de um metro dela, fazendo o coração de Elizabeth decolar, ao infinito e além...
"Sim, deve ser Eros...".
– Oi, Elizabeth – ele disse, com a mesma voz inebriante com que lhe falara ao telefone, trazendo-a de volta de seus devaneios. – Como está linda...
E a abraçou bem forte. Ela, pequenina, sentiu-se completamente envolvida por Alessandro.
"Meu Eros...", ela pensou, contendo o suspiro.
Ele encostou os lábios em seu rosto e lhe deu um beijo estalado. Ela mordeu o lábio para conter o frenesi.
– Como você está mudado! – disse Elizabeth, comendo-o com os olhos.
Não tinha mais nenhuma espinha e a pele estava lisa como a de um bebê. Até o cabelo estava ajeitado, bem diferente do que ela se lembrava. Deixara para trás o ninho de passarinho, e se tornara um belo homem.
Sentaram-se numa mesa no canto do salão e pediram dois sucos de laranja. Durante algum tempo conversaram sobre o que houve nos anos que sucederam a partida do rapaz. Alessandro morou em diversos lugares: Franca, Campos do Jordão, Rio de Janeiro, Curitiba, Florianópolis... Mas regressou para ficar.
Em diversos momentos, no meio da conversa, Elizabeth mudava a posição das mãos e ajeitava o corpo na cadeira, tentando não se perder no rosto dele.
Logo partiram para assuntos mais atuais.
– Li os seus livros – disse Alessandro. – Adorei. Continua a mesma contadora de histórias.
– E de casos! – ressaltou Elizabeth, corando.
– Namora?
A pergunta fez o coração dela pular. O que era aquele tom por trás da pergunta? Interesse?
– Não – respondeu de imediato.
– Porque não quer! – Os olhos dele avançaram nos dela, como um predador atacando a presa.
Sentiu-se lisonjeada, mas não se deixou ficar quieta, principalmente para não ser apanhada num delírio:
– Talvez... – disse, com a voz trêmula, um tanto encabulada. – E você?
– Eu estou apaixonado – admitiu Alessandro, os olhos ardendo de emoção.
Definitivamente ela não estava preparada para aquela resposta. As palavras dele lhe atingiram como um soco de pugilista na cara. Elizabeth quis desmanchar o sorriso, mas não podia deixar Alessandro perceber sua decepção. Então manteve a expressão igual.
– Estou apaixonado por uma mulher maravilhosa – ele prosseguiu, sem perceber o esforço que ela fazia para dissimular.
– Que bom!... – murmurou Elizabeth, sustentando a expressão sorridente, enquanto tentava se desligar de Alessandro, seu rosto de anjo, sua voz melodiosa e sua paixão por quem quer que seja.
O rapaz se desmanchou em elogios à namorada, e Elizabeth fingia que prestava atenção, enquanto tomava alguns goles de suco e recordava a adolescência com o melhor amigo.
Ele sempre arranjava um jeito de fazer as pessoas rirem, contando piadas ou fazendo alguma palhaçada. E quando todos já estavam com a barriga doendo, ele acabava se esborrachando no chão, ou enfiando a cabeça em alguma gaiola de passarinho, fazendo-os rir outra vez.
Mergulhou tão fundo em suas lembranças, que não fazia a menor ideia se ele tinha dito o nome da namorada, e na verdade, não fazia diferença. Ela não queria saber. Só quando ele mudou de assunto ela voltou a prestar atenção.
– Eu aluguei um apartamento perto daqui – disse o rapaz. – Vou te dar o endereço...
Ele tirou do bolso um cartão de visitas e anotou no verso o endereço e o telefone do apartamento. O número do celular já estava impresso na frente.
– Aí também tem o telefone do meu trabalho. Pode me ligar quando quiser. Você ainda mora na mesma casa?
– Sim – disse Elizabeth, tomando o cartão da mão dele e contendo a fúria do coração quando seus dedos esbarraram nos dele; o contraste de sua mão fria de nervoso com a pele quente de Alessandro. – E o meu telefone também é o mesmo.
Deixou os olhos caírem sobre o cartão. Era um tipo comum, de fundo caramelo, com o endereço de uma firma de advocacia. Virou o cartão para ver a anotação que ele fizera. Sua letra não havia mudado grande coisa. Os mesmos garranchos tortos de que se lembrava.
– Certo... – disse Alessandro, sem tirar os olhos dela, parecendo não compreender alguma coisa em sua reação. – Acho que agora vamos nos ver sempre.
– Eu acho que sim – ela disse, sorrindo de novo para ele, disfarçando a decepção.
– Tudo voltará a ser como antes – disse Alessandro, verdadeiramente animado.
"Será...?", perguntou-se Elizabeth, exalando um suspiro quase imperceptível. "Como antes...".
Ele se curvou para apanhar a carteira no bolso, e ela viu saltar do pescoço dele, através do botão aberto na camisa, um cordão com pingente. Forçou os olhos para ver o que estava escrito nele: "Amigos Para Sempre".
– Não acredito... – ela disse, avançando com o braço para tocar o pingente. – Você ainda tem isso...
Alessandro ficou imóvel por um segundo, assustado com o movimento brusco da mão dela em sua direção, ou com a temperatura dos dedos ao esbarrar na pele de seu pescoço. Ela não recuou, e ele rapidamente relaxou a expressão, dando um riso baixo e satisfeito. Conseguiu o que queria: contemplar a surpresa dela ao perceber que ele não havia esquecido a força de sua amizade.
– Usei durante dois anos, e depois, quando fui para a faculdade, guardei numa caixinha com outras recordações. Achei que seria legal usar de novo hoje.
Elizabeth queria estar usando o seu também, mas saiu de casa tão ansiosa para reencontrá-lo, que não pensou em pegar.
– O meu também está guardado – ela disse, recolhendo a mão, e tornando a pousá-la na mesa, forçando o corpo para trás, antes que sua proximidade de Alessandro denunciasse sua atração. – Há alguns dias eu estava mexendo num baú e o encontrei junto com as nossas fotos dos tempos de escola. Não pensei que você ainda o tivesse...
– Eu era meio estabanado com as minhas coisas, mas não com os meus amigos.
Ele não imaginava o quanto fazia bem a ela ouvir aquilo. E seria melhor, não fosse a namorada de quem ele não parava de falar. Mas o que Elizabeth poderia esperar? Era óbvio que um homem como Alessandro devia ter um harém aos seus pés. E depois de tantos anos... Nem todo mundo evita se relacionar como ela. Mas seria ótimo perder o medo nos braços dele...
"O que eu estou pensando?", repreendeu-se Elizabeth. "Ele era o meu melhor amigo!".
Depois, fitando o rosto dele, e escorregando os olhos até suas mãos grandes abrindo a carteira e folheando um pequeno maço de notas para pagar a conta, percebeu o quanto havia mudado.
"Bem... Mas agora ele é um homem feito".
Deu um suspiro baixo.
"E muito bem feito...".
O rapaz pagou pelos sucos, deu outro beijo estalado no rosto de Elizabeth, que a deixou muda, disse "até logo" com um sorriso gracioso, e deixou a lanchonete. Ela ficou ali ainda um tempo, pensando... Era difícil admitir, mas Alessandro mudou. Amadureceu – coisa que ela julgava impossível. Ainda contava casos engraçados, mas agora com um tom mais sério. Tornara-se um homem.
Deu um suspiro, quase sonorizando o pensamento.
"E que homem...".
Elizabeth permitiu-se deliciar com aquele reencontro por mais alguns minutos, sentada à mesa da lanchonete. Queria saborear ao máximo o perfume que Alessandro deixara no lugar. Quando finalmente se sentiu segura o bastante para conseguir ficar em pé e conduzir os pés com consciência até sua casa, Elizabeth se levantou e cruzou a porta da cantina.
Assim que se viu na calçada, os olhos penetrados pelos últimos e agudos raios solares do fim da tarde, Elizabeth se perguntou para que lado deveria se dirigir. Por um infinitesimal instante, ela se esqueceu de quem era e onde morava. Tudo porque, parado a alguns metros da entrada da lanchonete, tentando decidir se abria ou não a porta do carro, Alessandro lançou seus olhos inexplicavelmente sedutores sobre ela novamente.
Então Elizabeth sentiu seus pés enfraquecerem outra vez, e teve a impressão de que poderia cair. Conseguiu controlar os tremores a tempo de não ir ao chão, e forçou o coração a bater regularmente, em vez daquele compasso percussionista similar à bateria de uma escola de samba.
Tinha que manter o controle de si mesma por mais alguns segundos, e agora mais do que nunca, porque, com o mesmo sorriso inebriante com que se apresentou, Alessandro agora caminhava em sua direção.
– Esqueceu de dizer alguma coisa? – ela perguntou, assim que ele se chegou perto dela.
– Esqueci uma coisa, mas não tenho nada a dizer – ele respondeu.
Aconteceu em menos de um segundo. Numa batida acelerada de coração, Alessandro emoldurou o rosto dela entre as mãos firmes e grandes, e na outra, ele já tinha os lábios comprimidos sobre os de Elizabeth, movendo-se desesperadamente.
Era muito errado permitir aquilo. O que acontecera com a namorada a quem havia menos de vinte minutos ele declarava uma paixão absoluta? Será que ela tinha lhe causado a mesma sensação perturbadora que ele lhe despertara? Sinceramente, nenhuma daquelas perguntas importava. Naquele momento a única coisa que importava para Elizabeth era estar nos braços de Alessandro, pelo maior tempo que pudesse.
Quanto tempo poderia durar um beijo? Se o mundo acabasse naquele instante, ela partiria feliz, com a sensação de ter vivido todas as vidas que existiram desde a fundação do mundo, e com o prazer de ter desfrutado todas elas num minuto; o sabor luxuriante de uma era inteira vivida nos lábios de Alessandro.
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