|29| 𝙐𝙢 𝘼𝙢𝙤𝙧 𝙉𝙤 𝙄𝙣𝙛𝙚𝙧𝙣𝙤
Aviso: O ano está acabandooooo! Feliz Natal adiantado, kkkk desculpa gente por isso. Meu natal foi agitado.
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O coração de Isabella palpitava, estava mergulhado em um sentimento ruim. Parecia como um tambor e por um momento lembrou da cama confortável no qual acordou quando Morpheus a levou para o Sonhar. Certamente era muito melhor do que estar no inferno.
━ Ali! ━ Sussurrou Matthew, esticando uma de suas asas para apontar.
Na neblina que se erguia do outro lado do portão, passos ecoavam, pesados, fortes, meio arrastados, do tipo que davam gastura. Isabella apertou os olhos a tempo de conseguir vislumbrar uma silhueta disforme e enorme que lentamente emergia daquela neblina alta. Parecia que as nuvens brancas que um dia tiveram seu lugar no céu desceram para a terra.
Era estranho.
Porém nada era o fim, tudo só estava começando. A pele de Isabella sofreu um arrepio involuntário e nada bom quando uma voz muito pesada e grossa chegaram aos seus tímpanos:
━ Alguém bate á porta. ━ Os passos persistem, a voz ecoa por todos os lados como se viesse de todos eles, os cercando. ━ No portão da danação.
Isabella estreitou os olhos para Morpheus. Ele estava sério, o olhar duro e insondável vidrados á frente com sua pose naturalmente ereta, contudo ela notou que os ombros dele estavam rijos assim como os músculos por baixo do sobretudo.
Tentando manter a pose e a calma com um olhar duro assim como Morpheus - porque não queria ser um alvo fácil aos olhos de demônios -, ela voltou a atenção para os passos que fazia seu coração acelerar as batidas, nervoso.
━ Se é ladrão, bandido, ou puta, que importa? ━ Persistiu a voz.
No entanto Isabella apertou os olhos. Aquilo foi uma indireta demoníaca? Se questionou, agora o nervosismo dando lugar a uma desconfiança que começava a despontar.
Por quê? Se identificou com um dos três adjetivos? ━ Caçoou, a voz cada vez mais tenebrosa.
━ Alguém bate á porta, e espaço não falta. ━ Cada vez mais a silhueta crescia, a cada passo. Tanto que os olhos e rosto de Isabella estavam erguidos para o alto.
Morpheus inclinou em direção a Isabella e, com a voz branda, sussurrou:
━ Deixe que eu falo com ele.
Matthew se incolheu para perto da curva do pescoço de Isabella.
━ Nunca pensei em contestar o senhor, mestre.
━ Até o fim da criação. ━ O gigante demônio parou a pouco espaço dos portões. Sua imagem estava meio turva por culpa da neblina.
Como se fosse planejado, Morpheus deu passos a frente, se aproximando. Matthew ficou para trás no ombro de Isabella e ela própria decidiu que no momento era Dream quem devia resolver dar passos a frente para conversar com o demônio. Ela nunca viu um, nunca falou com um, então falta de experiência ela tem de sobra nessa ocasião. Melhor quieta do que atrapalhando.
━ Saudações, Squatterbloat. ━ Disse, os olhos sempre focados no demônio, lividos como os traços de sua face.
O demônio ficou quieto, apenas observando, e Matthew notou que ele deu um sutil aceno. Foi tão fraco que era quase imperceptível, mas seu temor o fazia ver até vultos, imagina uma suave saudação?!
━ Quero uma audiência com seu soberano.
O demônio riu e inclinou a cabeça com um sorriso provocativo no rosto.
━ E quem seria você?
━ Eu sou o Rei dos Sonhos. ━ Morpheus não se demorou para responder. ━ Soberano dos Reinos do Pesadelo.
O gigante demoníaco deu um leve balançar de cabeça, aparentemente se divertindo com a situação.
━ É um palhaço à toa. ━ Disse ele. Ficou poucos segundos calado e, por fim, ergueu a cabeça apontando o queixo para Morpheus. ━ Onde está sua coroa?
Aquilo de certo deve ter atingido Dream de alguma forma, pois alguns poucos passos atrás de suas costas, Isabella - que alternava o olhar lentamente do demônio para Morpheus - viu que os ombros de Morpheus ficaram tensos no mesmo instante.
━ Morda a língua, demônio. O soberano do inferno não será gentil com quem insulta convidados de honra. ━ Enquanto falava, o demônio dirigiu seu olhar cínico para Isabella e o corvo em seu ombro. ━ E eu sou tão convidado neste reino quanto monarca no meu.
A atenção do demônio, Squatterbloat, voltou para um Dream com o queixo erguido como quem trata um acordo com um inimigo.
━ Onde está seu rubi?
Um silêncio se abateu. Matthew mexeu desconfortável suas asas, incomodado com a demora da resposta de seu chefe. Isabella de vez em quando se conectava com as emoções de Matthew, mas não ousava se expandir pois temia sentir apenas sentimentos como dor, amargura, ressentimento, agonia, e tristeza. Afinal, estavam, literalmente, no inferno.
Isabella estreitou os olhos para Morpheus, as palmas das mãos começando a suar frio.
━ Quer ter senhor assombrados? ━ Ditou Morpheus.
"E desde quando demônios sonham?!" Sussurrou Matthew com o bico no pé do ouvido de Isabella - que assustou-se com a voz dele. Estava concentrada no momento e sentiu a tensão.
Uma pausa silenciosa antes do Lorde dos Sonhos voltar a falar após um persistente olhar incisivo.
━ E também as horas despertadas? ━ Um passo á frente. ━ Ou abrirá os portões do inferno ━ Dois passos lentos á frente. ━ e nos deixará passar?
O demônio o observou, parecia pensar, até que sons de um molho de chaves soaram. O olhar de Morpheus nunca abandonou os de Squatterbloat, até mesmo quando o ranger dos portões ecoaram ao abrirem sozinhos após o demônio dar um passo para trás e, em seguida, outro para o lado.
━ Agora, nos leve ao palácio.
━ Alguém bate á porta. ━ Squatterbloat nem hesitou. Virou as costas e, com mais passos fortes e pesados, voltou a andar.
Isabella inclinou. Viu que a pele do demônio era mais branca que o comum, um branco morto. Era careca, feições pesadas e naturalmente rígidas, pele aparentemente grossa, vestia uma roupa de puro couro de animal no qual Isabella não soube identificar. Haviam cicatrizes por toda parte das costas, sem contar as flechas que ali se encontravam enterradas.
Aquilo deu uma aflição tão forte em Isabella que um de seus pés arrastou para trás, mas não deu um passo definitivo. Morpheus virou-se, conectando seu olhar com o rosto pálido de Isabella, e esticou seu braço. Deu dois pequenos passos e finalmente tocou o cotovelo dela, a fazendo dar um salto de susto e recuar o braço no qual sentiu o toque, os olhos esbugalhados pousando sobre Morpheus.
━ Vamos. ━ Indicou com a cabeça o demônio que seguia a frente entrando na neblina.
Isabella suspirou, concordando com um breve aceno. Morpheus deu um passo para o lado. Entendendo o recado, ela deu um passo a frente para se colocar ao lado dele.
━ Não se afaste de mim. Assim como os demônios, o inferno pode ser traiçoeiro. ━ Alertou.
Isabella resfolegou.
━ Eu nem ousaria me afastar. ━ Sua voz era nada mais e nada menos que um sussurro baixo, mas nunca trêmulo.
Intimamente satisfeito com aquela resposta, ele assentiu e voltou-se para frente. Juntos, começaram a andar logo atrás do demônio que era incoberto aos poucos pela neblina densa. Atrás deles, os portões automaticamente se fecharam, o único que olhou para trás foi Matthew, porque Isabella tinha seus olhos fixos á frente e em Morpheus, concentrada em não se perder naquela densidade escura e esbranquiçada. Muito gelada.
[...]
Eles andaram, Squatterbloat avançava á frente com passos largos mas nem um pouco rápidos, então havia Morpheus - sério como de costume desde o momento em que sua visão cruzou com a audácia do demônio - e ao lado dele estava Isabella e Matthew.
Isabella estava entorpecida, olhava tudo ao redor. Aonde estavam agora era um tipo de floresta que ela nunca vira, ainda coberta com a mesma névoa, com árvores que não cresciam perto uma das outras mas seus galhos acima eram tão largos que por si já tocavam. Não havia nada verde, não tinha sinal de folhas, eram árvores de galhos nus e cinzas assim como a terra.
Terra essa na qual Matthew arregalou seus pequenos olhos negros ao ouvir estalos a cada passo do demônio ou de seu mestre ou da mulher no qual permitiu ceder seu ombro amigo para ele. Naquela terra havia ossos de todos os tamanhos, alguns apareciam, outros emergiam até a metade, e Matthew tinha certeza de que tinha mais mergulhados por aquela terra seca e aparentemente fria assim como o ar que o rondava.
Ela, Isabella, a princípio deu um passo em falso que quase custou seu tornozelo, mas sua sorte foi que Morpheus estava logo ali, ao lado. Ele a segurou com firmeza e sua agilidade ajudou para que ela não viesse a atingir o chão. Em silêncio ela lançou um olhar para ele em agradecimento e Dream apenas anuiu em concordância. Agora sua mão se mantém perto dela, muito perto, perto o suficiente de impedir outra futura queda embora ele permanessa com os olhos á frente, queixo empinado, e tenha fator de cura avançado além da imortalidade.
Só depois dessa quase queda que Isabella realmente notou os ossos. Antes seu foco estava nas árvores porque havia um vento, meio fraco mas gelado, que passeava pelo local e fazia com que ela tivesse a impressão de que as árvores sussurravam. Por um momento pensou que poderia ter, sem querer, expandido sua mente e os sussurros que ouvia eram de condenados que estão pagando seu preço longe dali, mas não tinha tanta certeza assim, ainda mais quando os sussurros estavam embolados de tal forma que não era possível serem decifrados.
━ Sabe onde estamos? ━ Matthew sussurrou alto o suficiente para Isabella e Morpheus, desejando excluir Squatterbloat.
Isabella com certeza não sabia a resposta. Olhou para o céu escuro e pesado, então em volta, mas quem respondeu foi Morpheus.
━ A paisagem está sujeita aos caprichos da Estrela da Manhã. ━ A voz dele parecia retumbar dentro da mente dela quando o olhou.
━ A Estrela da Manhã? ━ Sussurrou ela de volta. ━ Acho que já ouvi falar.
Matthew agitou suas asas levemente, de forma que não incomodasse Isabella.
━ E vamos ter que passar, também, por esse lugar esquecido por Deus? ━ Indagou, incrédulo e desapontado.
Isabella franziu o cenho. Virou um pouco o rosto para Matthew e não soube se ria por achar engraçado o jeito desinformado dele ou de nervoso por estar indo encontrar uma pessoa que nunca sequer passou por sua mente um dia trocar palavras - ou ao menos ela deseja que sejam apenas palavras casuais ao invés de farpas e ameaças veladas.
Como quem está lendo um livro desejado e é tristemente interrompido com perguntas de uma pessoa incoveniente, Morpheus vira de repente a cabeça para o corvo e a inclina.
━ Lúcifer, a Estrela da Manhã. ━ Sublinhou muito bem para que não haja mais questões referentes a esse tópico.
Mas é de Matthew, o corvo falante que quando está nervoso vira um tagarela compulsivo, que estamos falando aqui.
Dream voltou sua visão para frente, talvez pensando que o restante do caminho pudesse ser silencioso como antes. Afinal, ele tinha algumas preocupações em sua mente nos quais o aflingiam.
━ Tipo, o diabo? ━ Matthew virou-se para seu mestre, os olhos piscando.
━ O soberano do inferno não é um mero diabo.
Isabella apenas ouvia e guardava informações que eram soltas, porém, embora a situação não favorecesse esse tipo de pensamento, Isabella não pode deixar de comparar certas coisas. Como por exemplo: Morpheus parecia um leitor voraz que ainda lhe sobrava paciência e tentava responder as questões que lhe eram lançadas o mais curto e rápido possível para que pudesse voltar ao que realmente importa, a leitura.
Mas o silêncio que se abateu não durou muito.
━ Vocês dois se conhecem?
E novamente Matthew se opunha contra o silêncio. Morpheus puxou o ar pelas narinas e soltou, calmamente. Respondeu quase que imediatamente, as palavras saindo rápidas.
━ Nos conhecemos a muito tempo. Quando nos conhecemos, Lúcifer era o anjo Samael.
Aquele nome atravessou a mente de Isabella, lhe causando arrepios e um déjà vu desconfortável.
━ Ah, me esqueci que o diabo já foi um anjo. ━ Matthew negou, balançando a cabeça em reprovação á si mesmo.
━ Não qualquer anjo. ━ Uma breve pausa que deu tempo o suficiente para que Isabella voltasse a pousar os olhos em Dream. ━ O mais belo, sábio e poderoso dos anjos. Fora o criador, Lúcifer deve ser o ente mais poderoso de todos.
Aquilo causou algo estranho em Matthew, algo que desinstabilizou a coragem no qual vinha reunindo desde o momento no qual Squatterbloat se aproximou.
━ Hum... Mais poderoso... Do que, hum, você?
Morpheus demorou para responder. A ansiedade crescendo dentro de Isabella não deixava que ela notasse que suas sobrancelhas estavam arqueadas em uma pressão silenciosa para que Morpheus contasse logo de uma vez, contudo a atenção dele estava mais á frente.
━ Muito mais. ━ Finalmente falou. ━ Principalmente agora.
━ Por que agora? ━ Dessa vez foi Isabella quem o bombardeou pouquíssimos segundos depois de responder.
Morpheus virou o rosto para olha-la, talvez atraído pela sua voz como o metal é atraído pelo imã. Para ela, a face dele era serena e abdicada de toda aquela pesada seriedade.
━ Na última visita, eu era um convidado de honra. Um enviado do meu reino, mas desta vez eu me convidei e não trago símbolos do meu cargo e muito menos venho sozinho. ━ Umedeceu os lábios rosados. ━ Entenda, em todos os reinos existem protocolos e regras á serem seguidas, e uma delas diz que um soberano não pode entrar no reino do outro sem ser convidado.
━ Mas ainda é o Sonho dos Perpétuos, não é? ━ Matthew interveio e Isabella concordou com um aceno meio frenético.
━ Tem sua areia agora. ━ Complementou ela.
Morpheus franziu as sobrancelhas. Em nenhum momento falou a ela que havia recuperado sua areia, então como poderia ter descoberto?
━ Hum... Chefe.... ━ Matthew o chamou, a voz meio trêmula.
━ O quê?
Mas bastou apenas que olhasse para o corvo, que estava olhando para frente, e então seguisse a linha de visão dele e visse somente a densa neblina. Nada á não ser troncos finos de árvores, terra pálida-acinzentada, e ossos por toda a extensão.
━ O Squad-sei-lá-o-que se foi. ━ Murmurou.
Isabella encarou a sua frente.
Que ótimo, perdidos em algum canto do inferno! ━ Riu sua sombra, parecia deliciar-se com as batidas errantes do coração de Isabella.
━ Tudo bem, para tudo tem um jeito. ━ Matthew balançou seu corpinho e ergueu os olhos para muito acima. ━ Não entrem em pânico, não entrem em pânico, porque eu não estou em pânico e ainda estou vivo. É só voar para cima, passar por entre os galhos e verificar onde exatamente estamos. Talvez possa ver o demônio Squantet ou alguma coisa ou alguém ou outro demônio que possa nos ajudar. É isso.
Ele abriu suas asas e decolou. Sem dizer nada, Isabella o assistiu levantar vôo, assim como Dream, e o viram subir cada vez mais alto.
━ Oh, não... Não, não, não, não. ━ Começou a voltar para perto deles. ━ Não vou fazer isso. Não quando tenho que passar por aquelas coisas ali.
Enquanto voltava para o ombro amigo de Isabella, ela apertou os olhos e focou seu olhar acima. Ali, finalmente encontrou os donos dos sussurros que agora gemiam de dor ao notarem a repentina movimentação das asas de Matthew que dava um leve zumbido no silêncio. Eram coisas, um dia foram pessoas, mas agora faziam parte da árvore e estavam grudados no alto delas, tinham a cor delas, e o único membro do corpo que possibilitava ser livre do tronco era um dos braços, que estalavam quando mexidos ou fazia um barulho como se alguém estivesse tentando quebrar um tronco forte e grosso ao meio com as próprias mãos.
Morpheus girou. Eles estavam por todos os lados acima, não tinha uma árvore que estivesse livre daqueles corpos. Ele, por impulso, olhou para Isabella, mas quando ela ia lançar um olhar temeroso á ele, a única coisa que teve tempo de fazer quando virou o rosto para a direção de Dream foi dar um salto para trás arregalando os olhos e escancarando a boca, porém nem um som saiu dela. O salto fez com que Matthew quase caísse de seu ombro.
Atónito, Morpheus virou de repente e ali estava Squatterbloat, a pouco espaço de distância.
━ É por aqui. ━ Sua voz grossa e profundamente fria falou, os olhos fitando os de Morpheus.
O demônio deu as costas e voltou a andar. Dream novamente adotou aquele semblante sério e fez sinal com a cabeça para Isabella -que se recuperava do susto.
Andaram por muito tempo, Matthew permaneceu no ombro de Isabella e ela olhava hora ou outra para cima em busca de saber se ali o tempo passa também diferente e também de acordo com as vontades de Lúcifer Estrela da Manhã.
Ao menos sua atenção foi ganha quando ao longe colunas enormes se aproximavam, elas pareciam sustentar uma "passarela" logo acima que levava para sei lá onde. Pensou em perguntar a Morpheus, mas quando o olhou notou que estava livido demais e ela mesma ainda não tinha encontrado sua voz após o susto. Então permaneceu quieta.
A caminhada se prolongou, a vista era nauseante, principalmente quando, ao se aproximarem de uma das colunas, enxergou uma estrada em arpiral em torno dela e pela extensão da parede no qual começaram a passar ao lado havia janelas protegidas com pedaços de madeira com enormes espinhos mortalmente pontudos. Isabella aconselhou que Matthew fosse andando ou voando dessa vez, a estrada era estreita e com pedras e buracos pelo caminho.
Concordando - em não ficar no mesmo volume que aquelas janelas -, o corvo desmontou de seu ombro e pousou no chão, decidindo ficar entre ela e Morpheus - o que não deixou o Rei dos Sonhos nem um pouco satisfeito imaginando de quantas formas Isabella poderia tropeçar e cair. Como se ela não soubesse voar, mas ele ainda não sabia dessa informação.
A vista do alto, quando estavam alcançando o topo, era somente cinza. Estava atrelado a morte, a não-vida, com grandes tufos de fumaça saindo do chão em massa, grandes e grossas que cobriam os céus e ainda assim não havia o menor sinal de uma fogueira que pudesse estar fazendo tal obra chamativa.
━ Nós estamos no caminho certo? ━ Perguntou ela. ━ Esse parece o caminho que leva ao palácio para você? Igual o da última vez que esteve aqui?
Ela estava com o ombro bem encostado na parede, por vezes olhava para baixo.
━ Eu imaginava algo mais glamuroso. ━ Palpitou Matthew, andando com suas perninhas.
━ Um demônio tem uma centena de motivos para tudo o que faz. Todos malignos. ━ Dream respondeu baixo, o rosto meio virado para trás, para Isabella. Então voltou-se para frente e ergueu sua voz: ━ Demônio!
Squatterbloat parou, apoiando a mão na parede, e virou o rosto abruptamente para Dream, que já o encarava.
━ Esse não é o caminho. ━ Acusou.
Mas o demônio pareceu satisfeito em ouvir a voz do Sonho tão alta daquele jeito, tanto que deu um sorriso mostrando as fileiras de dentes amarelados dentre os podres, e seguiu a caminhada. Isabella, que havia inclinado para o lado para assistir o que o demônio faria, se teriam que ter o trabalho imenso de descer com ela puxando a filinha, franziu as sobrancelhas incrédula com a atitude dele.
━ Demônio mau. ━ Resmungou ela, entredentes.
Estava com frio agora, quanto mais alto iam, mais forte era o frio e Morpheus tinha seu sobretudo grosso e Matthew suas diversas penas quentinhas, mas a blusa com longas mangas de Isabella não eram grossas. Ela não esperava vir para o inferno e encontra-lo tão frio.
Tiveram que novamente seguir os passos do demônio quando, depois de uns três passos de Morpheus, uma voz trêmula ecoou, aparentemente desesperada porém baixa. Isabella teve seu corpo inteiro arrepiado como se uma onda elétrica estivesse passeando por suas veias.
━ Kai'ckul?
Morpheus paralisou e a fila parou. Isabella não viu seu rosto, mas soube de onde a voz feminina veio quando voltou a falar:
━ Lorde dos Sonhos?
Estava trêmula, cansada, falha, e talvez aliviada.
Morpheus virou o rosto de vagar para a janela ao lado de seu ombro e ali apareceu uma mulher morena como ébano, os olhos brilhantes de emoção por culpa das poças d'água que insistiam em crescer, a boca entreaberta em total espanto e surpresa, ou meramente chocada em vê-lo. Ela olhou atentamente para Morpheus.
━ É você.
Isabella inclinou e Matthew ergueu os olhos para assistir de onde estava. Mas, para o espanto de Isabella quando tentou entrar dentro da mente da mulher, ela viu outro homem. Isabella piscou, aturdida, balançou a cabeça e encarou Morpheus. O Sonho, aquele que ficou preso junto à ela, e então novamente entrou dentro da cabeça da mulher para ser apenas uma espectadora, não para ler seus pensamentos.
E ali estava ele, um rapaz moreno cor ébano, olhos escuros, lábios muito fartos, e totalmente diferente do Sonho que Isabella viu. Aquele era o Sonho, o Kai'ckul, que a mulher chamou. Aquilo intrigou Isabella, ela novamente recostou o ombro na parede e se contentou apenas em ser a pulga espectadora, de novo, abaixando o rosto para o chão.
━ Eu te saúdo, Nada. ━ Falou ele, com a mesma voz de sempre quase sussurrada.
As estrelas escondidas em suas orbes ainda estavam lá, no fundo de suas pupilas, brilhando tristemente para a mulher.
━ Kai'ckul... ━ Sussurrou. Os olhos dela também brilhavam, mas eram pelas lágrimas salgadas que logo cairiam. ━ Rezei tanto por este dia.
Aquilo em sua voz era esperança. Ela tinha esperança nele. Mas no que exatamente ninguém além dos dois sabiam porque Matthew estava mais perdido do que cego em tiroteio e Isabella tentava se conformar ou ao menos engolir que aquela mulher o via de maneira muito diferente que ela em aparência física.
━ Eu sabia que você viria por mim.
A frase causou uma dispersão em Isabella, fazendo-a voltar a si e piscar, estantaneamente encarando o Morpheus de pele muito clara e olhos azuis intensos.
Dream piscou, abaixando os olhos por longos segundos. Não suportou olha-la.
━ É doloroso vê-la nesse estado.
As lágrimas rolaram dos olhos ao longo da bochecha dela, traçando caminhos até o maxilar.
━ Então, me liberte, senhor. ━ Respondeu ela, o coração loucamente palpitante. ━ Só seu perdão pode me libertar.
O silêncio voltou. Isabella soube que o que havia ali era uma profunda tensão. A tal mulher, Nada, olhava fixamente para Morpheus - ou Kai'kcul - enquanto Morpheus estava atento a algo abaixo dos olhos dela.
━ Não me ama mais? ━ Lançou a pergunta ao vento, mais lágrimas rolando, e dessa vez a esperança quase oscilando para desespero.
━ Passaram-se dez mil anos, Nada.
A resposta dele fez com que Nada abaixasse, primeiramente, os olhos de vagar e depois o rosto, agora se sentindo realmente perdida. Kai'ckul a observou, deixando-se levar por memórias.
━ Sim, ━ Observou-a, nostalgico. Aquela era a resposta que ela almejava. Tanto que ergueu a cabeça de imediato quando a ouviu vindo dele. ━ eu ainda amo você.
Um sorriso serpenteou pelos lábios cheios de Nada, que se sentiu renovada e feliz. Mal tinha palavras para descrever o tamanho de seu alívio.
━ Mas ainda não te perdoei. ━ Declarou ele, por fim.
Nada fechou seu sorriso, escondendo as fileiras de dentes lindamente brancas, e abaixou o olhar. Agora era ela que não suportava olhar.
Os lábios de Morpheus tremeram, seus olhos começaram a ter poças salgadas também, mas não conseguiu encontrar sua voz e muito menos permitiu que elas deslizassem por suas bochechas. Em vez disso, virou o rosto para frente e ainda se demorou alguns minutos - nos quais Matthew gravou muito bem com seus olhos de burcas negras a face da bela morena. Dream então finalmente ergueu a cabeça voltando aquela pose mandona e autoritária, seguindo adiante.
━ Venha, Matthew. ━ Ordenou, alto e frio, sem nenhuma mais emoção.
━ Kai'ckul, vou manter a esperança. ━ Falou ela de súbito ao notar que ele estava partindo. ━ Não abrirei mão dela.
A voz de Nada derrapou num abismo, quase sucumbindo a um choro embargado, e tal fato fez Morpheus apressar seus passos desejando não ouvir mais.
Nada estava ainda na abertura - que poderia ser classificada como janela. Ali ela se apertava para vê-lo melhor. Não enxergou Matthew, que estava no chão muito abaixo de sua visão, mas ao perceber uma outra movimentação seu olhar avançou para frente, e então chocou-se com os tristes de Isabella.
As duas se olharam em um curto período de tempo, profundamente, porém que parecia ter se passado horas. Lágrimas rolavam incansavelmente dos olhos de Nada e Isabella de alguma forma queria estender a mão e fazer com que tudo parecesse ser somente um pesadelo e que finalmente iria chegar a hora de despertar, mas ela não era o Sonho, muito menos o governante das Terras do Pesadelo para fazer tal coisa no inferno.
A atenção de Nada a acompanhou durante sua passagem na frente da janela e uma lágrima solitária escapou pelo canto do olho direito de Isabella. Ela não sabia, pela primeira vez, decifrar o que estava sentindo. Era um pesar, uma agonia, uma tristeza, e tantos outros misturados que não conseguiu suportar o olhar pesaroso da morena. Teve que desviar e correr para acompanhar Matthew, que estava muito á frente agora.
O demônio os esperava, parecia estar satisfeito com á cena que vira e, quando Isabella - ainda afetada e abatida pelo momento recente - sem querer cruzou com os olhos dele, algo lhe invadiu a mente:
" Um demônio tem uma centena de motivos para tudo o que faz. Todos malignos. "
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