|01| 𝙉ã𝙤 𝘾𝙤𝙣𝙛𝙞á𝙫𝙚𝙡
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O corpo da jovem imortal permaneceu caído a comando dela, encolhida com as pernas tapando seu íntimo e os braços seus seios pois ainda queria manter algum resquício de dignidade e não importava o quão fraca estivesse, se algum estúpido daquele lugar tentar violar seu corpo intocado, ela revidaria de tal forma que esse ser desejaria morrer ao ficar vivo.
Sua respiração agora era calma, ela não sabia quanto tempo fazia que estava naquele lugar frio e inóspito. Com sua visão periférica notava as partículas de poeira ao redor embora todo o espaço estivesse vazio. Não era possível ouvir nada, estava escuro e somente as velas iluminavam o ambiente com uma luz bruxuluenta que formavam sombras fantasmagóricas. As algemas ainda estavam presas em torno de seus pulsos e tornozelos, sua cabeça doía com pontadas significativamente fortes que a empediam de fazer algo com a ajuda de sua mente, porém seus olhos viram.
Ela estava presa dentro de um círculo pintado no chão, com desenhos estranhos. Em silêncio, ela ergueu uma de suas mãos no ar, lentamente, e seus dedos bateram contra um escudo invisível que a impedia de esticar o braço. Deixou sua mão cair e a trouxe para perto do corpo.
Com o tempo que ficou sozinha naquele lugar, ela conseguiu pensar, embora com dificuldade. O homem estranho a denominou de Morte, disse ter capturado mais um dos perpétuos e parecia feliz com aquilo, mas adiantaria dizer a ele que ela não é a morte?
Esse é outro ponto significativo: Isabella estava transbordando de ódio como nunca esteve em todos os seus anos de imortalidade e a primeira palavra que proferisse seria para manda-lo para o inferno, não para afirmar que ela não é a Morte.
Seu maxilar estava trincado desde o momento em que percebeu que estava a mercê de um possível feiticeiro, que ele poderia ter lançado um feitiço naquela água na qual ela pisou, e agora estava ali. Se ele sabia fazer feitiços e tinha dons, assim como ela, o que ele faria a seguir? Enquanto ele pensa que ela é a Morte dos tais Perpétuos ela ficaria ali e ele não a tocaria - por medo -, mas, talvez, no momento em que ele caísse em si e notasse que ela não é quem esperava ser, ela poderia estar perdida.
Isso se ele for um feiticeiro poderoso, porque se for um amador, ela não teria com o que se preocupar.
Isabella pisca uma, duas, três vezes até que o som de passos inquietantes e lentos soam se aproximando. Seus olhos miram a brecha por baixo da porta grossa de madeira e segundos depois uma sombra se materializa. Ela fica parada, focada, esperando que quem quer que fosse entrasse logo, e quando o som da fechadura sendo destrancada soou e a maçaneta girou com certa relutância, a incredulidade perpassou por suas íris verdes.
Era um garoto ainda jovem que colocou a cabeça para dentro. Muito jovem, aliás. Ele abriu apenas um pouco para que sua cabeça pudesse passar e quando seus olhos encontram Isabella deitada de lado no chão sujo e frio com os joelhos dobrados e encolhidos contra o corpo assim como seus braços na tentativa de tapar sua nudez, ele exala visivelmente assustado.
Isabella o encara no fundo dos olhos embora eles não estejam no rosto dela, percebe que o olhar que ele dava para seu corpo não era minucioso e não continha resquícios de malícia. Era apenas uma criança sendo afetada pela falta de empatia de seus antecessores.
Mas ela não tinha certeza se ele era de confiança. Tanto que o assistiu piscar e balançar o rosto, tirar a cabeça do pequeno espaço aberto na porta e em seguida entrar se esgueirando e fechando tentando não fazer barulho. E quando o click soou, ele virou, espremendo as costas contra a madeira. Parecia estar amedrontado sendo encurralados por valentões.
Seus olhos, desta vez, subiram para o rosto dela, para os lábios rosados, as bochechas levemente coradas, os cabelos sutilmente cacheados e castanho-avermelhados, as sobrancelhas, e enfim seus olhos verdes que o encaravam como se pudessem revelar sua alma.
E de fato ela não podia, mas poderia sentir. Sua mente, pés, e mãos estavam incapacitadas, mas ainda podia usar parte pequena de sua empatia para lê-lo através de seus sentimentos.
Daquele garoto ela sentia uma vibração amedrontada, com estranheza misturado a tristeza e, lá no fundo, pena e culpa. Seus olhos arregalavam a medida que encaravam com mais afinco aquela imensidão esverdeada que o lembrava um campo verdejante em um dia magnífico de tarde sem nuvens e com um sol radiante.
━ O-Oi ━ Ele gaguejou, ainda contra a madeira da porta. Engoliu em seco e prosseguiu: ━ Eu sou Alex. E você?
Teria aquele homem escolhido um de seus servos, o mais inocente, para vir arrancar informações dela sem que precisassem retirar a força? Era isso que ela pensava enquanto mantinha o silêncio no ar, um silêncio profundo capaz de deixar que a respiração pesada do garoto fosse ouvida.
Isabella era orgulhosa, não falaria nada sobre si para seus raptores mesmo que ela não seja a Morte. Eles vão descobrir cedo ou tarde, mas não pela boca e palavras dela.
O garoto, Alex, puxou o ar e entreabriu os lábios, os soltando e esvaziando com força seu peito. Ele trouxe as mãos para perto do corpo enquanto seus dedos esfregavam-se uns nos outros.
━ Eu... Hmm... ━ Estreitou os olhos para um canto vazio da sala, desconcertado. ━ Acho que sei quem e o que você é. ━ Mordeu o interior da bochecha. ━ Seu irmão está aqui.
Que irmão? Ela sentiu vontade de interroga-lo.
━ O prendemos algum tempo atrás. ━ Abaixou o olhar para seus pés. Parecia estar levando uma bronca. ━ Não fique brava conosco. Queríamos apenas você, mas ele veio em seu lugar e agora não diz uma só palavra.
Então não sou eu a única raptada e orgulhosa nesse lugar! Constatou.
O garoto espremeu os lábios e balançou o corpo para trás e para frente.
━ Magus, o homem que prendeu você aqui, logo virá e fará uma proposta para libertar tanto você quanto seu irmão. ━ O garoto estava sendo cauteloso, o olhar sempre baixo, enquanto seus dedos pareciam brincar nervosamente uns com os outros. ━ Eu só... Ele não é ruim, sabe? Ele só é um pai amargurado.
Isabella quis arquear uma sobrancelha em indiferença, mas sentiu a dor vibrando do menino até ela, e sua feição ficou menos rígida que antes. Ela estaria ouvindo com mais atenção o que ele falaria.
━ Randall, o filho dele, morreu e ele apenas quer que você o traga de volta. Só isso. Então você e seu irmão estarão salvos e livres. ━ Murmurou.
Foi um gesto mínimo, mas ela semicerrou os olhos. Eles prenderam dois seres imortais e, claramente, com dons altíssimos, e ainda assim após fazer uma chantagem barata acreditavam que após soltar esses seres, eles irão embora sem tirar tudo aquilo que eles os presentearam e mais um pouco? Seria muito corajoso e imbecíl.
E naquele momento Isabella fez uma nota mental: não confiar em Alex.
O fato dessa nota ser escrita em sua mente dolorida se deriva do fato de que o garoto é sentimentalmente instável, e quando alguém é sentimentalmente influenciável, a mente também entra nessa categoria. Hoje, ele poderia estar ali de cabeça baixa e envergonhado, amanhã poderia ser aquele que empinaria o queixo e a deixasse viver sua imortalidade naquele gélido limbo.
O tempo passou, o silêncio foi orquestrado e certamente inquebrado, e percebendo isso, os ombros tensos do garoto caíram em fatal desânimo. Seus olhos gentis e cheio de nuances inocentes ergueram-se do vazio para os olhos dela, os flagrando ainda nos dele. O arrepio foi instantâneo.
Ele agachou de quatro no chão, de vagar, porém permanecendo perto da porta.
━ Você é a Morte dos Perpétuos, certo? Você poderá trazer o meu irmão dos mortos, não é? Pode, com uma afirmação, libertar seu irmão, sabia? E então pode ser que Magus, no pico de sua emoção e contentamento, os solte e deixe vocês livres novamente, está bem? ━ As palavras saíram em um sussurro afoito, esperançoso até.
Oh, então Randall é seu irmão, o fazendo ser filho do tal Magus, Isabella fez mais uma nota mental.
Se ela não podia fazer nada contra seu inimigo, então o estudaria em seus pontos fortes e fracos.
Alex piscou, ansiava por uma resposta que não estava vindo.
━ Olhe... Magus falou com seu irmão. Na verdade, deve estar falando com ele nesse exato momento, dando a informação de que ele finalmente conseguiu... ━ Seus lábios pararam, ele abaixou os olhos, e entortou sua boca. ━ Pense no seu irmão. Como parte da família, você deve ter notado os três anos nos quais ele ficou em falta, não notou? Por isso assumiu uma forma humana e começou a andar pelas ruas de Londres, não é? Estava a procura dele. ━ Seus olhos brilharam em antecipação. ━ Então, por favor, apenas uma palavra bondosa e tudo não passará de um longínquo pesadelo de poucas horas.
Um pesadelo que a deixou fraca mentalmente e fisicamente, que obrigou-a a se sentir sujeitada ao sexo masculino quando não se tinha o porquê de terem se desfazido de suas vestes, como se elas os atrapalhassem no momento de carregar seu corpo mole e inconsciente nos braços até ali. Um pesadelo que quebraria sua mente, causaria uma rachadura, e, talvez, futuramente a quebra de algum fragmento importante.
Não, Isabella não falaria nada para Magus. Se sentia usada, colocada em um papel como um mero objeto que não tem uma vida, que não sente dores, e não tem sentimento, como se parte dela não fosse humana.
Por muito tempo, depois que se livrou de seu tio aos doze, foi quando não conseguia mais aturar os abusos e um fragmento de sua mente caiu, estilhaçando em mil pedaços e a fazendo estravassar toda dor que acumulou para ser uma "boa garota", ela ficou sozinha ainda tão nova, sempre se escondendo e buscando, implorando por migalhas, porém fugindo dos dons que tinha e que a atormentava dia após dia a fazendo, mais tarde, crer que ela era uma aberração das mais profanas.
Ela chegou a quase completar o ato de tirar a sua própria vida se não fosse por Thalia, uma mulher que estava entrando na meia idade e morava em uma cabana afastada da Vila na qual Isabella dormia ao relento junto dos moribundos, baratas, e ratos em becos. Graças a Thalia, Isabella pode aprender a se reeconstruir, ela lhe insinuou formas bases de como controlar seus dons para que não agissem de maneira espontânea, contudo ainda assim ela passaria vários e vários anos fugindo deles e fingindo que não os tinha.
Talvez se ela não tivesse os renegado no passado por tanto tampo, se os tivesse aperfeiçoado por mais tempo, sem ter medo e buscando por sabedoria e conhecimento de seus próprios limites, ela não estaria naquela situação que se encontrava agora.
Seus olhos caíram para o chão, metade de seu rosto descansando sobre o piso duro e frio enquanto aquele fato rondava sua mente a fazendo desejar poder voltar ao passado e mudar tudo, recomeçar, conversar com sua "eu" mais nova do passado antes da tragédia e a levar até Thalia mais cedo.
Ao menos Thalia nunca a tratou como uma abominação e parecia, em parte, compreende-la.
Um suspiro nasal escapou do garoto, ele entristeceu após ver que ela nem ao menos tentou mover os lábios e agora parecia o ignorar. Voltando a estar de pé, ele ignorou sua nudez - embora se sentisse extremamente embaraçado com ela - e tristemente deu as costas para aquela na qual pensou ser a Morte, e ainda pensava.
Alex girou a maçaneta e saiu de cabeça baixa, porém tinha ainda um resquício de esperança em seu interior. Ele a fechou, a trancando, e virou para o corredor de onde era possível vislumbrar duas sombras escoradas na parede, um com chapéu e outra com um cigarro entre os dedos. Alex torceu o nariz com o aparente leve cheiro do fumo. Passou por sua mente se ela estaria sentindo esse mesmo cheiro e se também, assim como ele, tinha dores de cabeça só em inalar por pouco tempo.
━ Ei! Alex! O que faz aqui?
O menino pulou, encolhendo os braços e ombros enquanto seus olhos dispararam para a figura que aparecia na dobra do corredor.
━ Senhor Sykes! ━ Ele resfolegou, arregalando os olhos.
O homem alto e moreno caminhou apressado com passos duros até o garoto e o puxou por um de seus braços, porém não envolvia brutalidade.
━ O que fazia ai? ━ Com os olhos indicou a porta. ━ Por acaso ousou entrar e conversar com ela antes de Magus?
O garoto, tão idiota e leso não era, pois balançou a cabeça negando com certa veemência.
━ Não, não. Nem cheguei a de fato tocar na maçaneta, senhor. ━ Suas mãos suavam. ━ Só estava verificando se ela não havia escapado.
Sykes semicerrou os olhos, desconfiado. A chave não estava na fechadura e sim guardada fortemente na palma da mão esquerda de Alex, suando junto a palma de sua pele. Ele a apertava, a escondia como se sua vida dependesse daquilo.
━ Afinal... ━ O garoto continuou, tentando buscar brechas em sua mente para complementar sua mentira. ━ se o irmão dela, que é o Sonho dos Perpétuos, não só precisa de um círculo de amarração como também de uma esfera de vidro para que só assim não escape, imagina ela, que pode ser mais forte e poderosa que ele. ━ Embora trêmulo, ergueu as sobrancelhas lançando uma dúvida: ━ Ela pode estar fingindo para, no momento certo, escapar e matar a todos nós.
Com a ideia lançada no ar, Alex esperou que Sykes acreditasse. Claro que o homem não era burro, por isso era o braço direito de seu pai na Ordem, mas pensando sombriamente nas falas do mais novo, Sykes se sentiu, em parte, a dúvida brotar em seu interior. Parte dele estava desconfiado, a outra não queria arriscar que a Morte fosse libertada e junto de seu irmão aniquilasse toda a Ordem e todos aqueles que estiveram envolvidos com eles, ou seja, Sykes estava apenas pensando em sua família e, principalmente, em sua filha que dormia em uma cama de hospital por três anos.
Ele encarou o garoto.
━ Não quero ver você aqui sem supervisão, entendeu?
Alex concordou, balançando agitadamente sua cabeça.
━ Ótimo! ━ Deu um leve tapa no ombro do mais novo e o empurrou em direção ao corredor. ━ Agora suma. Magus estará aqui em pouco tempo.
Somente aquela última frase fez sua espinha gelar. Alex mal olhou para trás, apenas deu as costas e correu, passando pelos dois homens que ficariam de guarda, e desceu a escada de aço escuro em formato de aspiral até estar em outro corredor. Saiu do caminho que seu pai trilharia para chegar até a Morte e ficou escondido em uma das salas por um tempo.
Somente quando se sentiu mais corajoso e parou de tremer que saiu de seu esconderijo e, cautelosamente, andou pela casa mantendo a atenção em todos os cantos escuros.
Alex é filho do Magus, um pai que é considerado um bruxo e usufruia desse título como se fosse um tesouro, então poderia andar pelo corredor, descer o lance de escadas, passar perto da porta de saída, atravessar a sala, entrar em outro corredor, e parar diante daquela porta proibida.
E lá estava ele.
Rapidamente guardou a chave no bolso de sua calça e, com um engolir seco, suas mãos suadas tocaram o aço frio da maçaneta, a girando com certa lentidão. Assim como fez anteriormente, abriu uma pequena brecha para colocar sua cabeça para dentro, contudo ou invés de ver, ele apurou sua audição para ouvir com mais clareza. Queria ter certeza de que seu pai não estava mais ali.
Engoliu outra vez, em seco, o coração parecia querer subir pela garganta e pular boca a fora, mas ainda assim entrou no ambiente mal iluminado e fechou a porta atrás de si. Tudo feito no mais delicado cuidado, até mesmo seus passos ao descer um pequeno lance de degraus, virar uma curva, descer mais outros degraus, e andar reto até que, ao virar dela, desse de frente com o portão negro que o separava da sala do porão onde o Sonho dos Perpétuos permanecia enclausurado em uma esfera de vidro que fora construída dentro do círculo de amarração graças aos avisos amigáveis de um estranho peculiarmente charmoso com uma aura aterradoramente assustadora.
Os vigias que ali estavam sentados no canto atrás de uma pequena mesa, que liam e as vezes conversavam sobre coisas banais para passar o tempo, não perceberam que havia alguém do outro lado do portão de aço frio, mas o Sonho - que permanecia sentado com as pernas dobradas, os tornozelos cruzados, os braços apoiados em seus joelhos erguidos perto do peito, e a cabeça na maioria do tempo erguida com seu olhar seriamente sombrio, profundo, e assustador sempre mirando á frente - viu o garoto ali, com três passos á distância do portão fechado que somente poderia ser aberto por dentro, ou seja, pelos vigias.
O calafrio subiu pelo corpo de Alex, alojando em sua nuca quando seus olhos encontraram, mesmo á distância, os dele. E como sempre parecia haver um abismo no qual o Sonho não precisava empurrar o garoto pois seu olhar afiado e naturalmente intenso era o suficiente para abrir uma cratera na cabeça do menino.
De última hora desistiu do que pretendia depois daquele olhar, ele mal pensou duas vezes ao correr para fora daquele corredor pequeno subindo novamente para cima e fechando a porta atrás de si tentando não fazer muito barulho. Deixou o ser de lado, disparando para a biblioteca onde fechou a porta e escorou as costas em uma das estantes repletas de livros.
Ele curvou o corpo para frente e flexionou os joelhos, usando-os como apoio para as palmas de suas mãos. Sua respiração saiu como lufadas, nem notou que havia a prendido antes. O garoto fechou os olhos tentando se recompor.
Quando, ao abri-los, ajeitou a postura e virou de frente para uma das janelas, ele a viu. Estava em uma árvore um pouco distante, era um corvo preto com a extremidade de seu peito branco. E ele - ou melhor, ela - olhava para Alex como se não fosse simplesmente mais um corvo comum.
Bastou que Alex se assustasse novamente e corresse para longe da janela para que Jessamy alongasse suas asas e tomasse vôo.
↝ Eu sei que em algum momento eu disse que as atualizações iriam ser aos domingos, mas resolvi mudar porque percebi que se continuasse assim não ia dar certo para mim.
↝ Então as atualizações podem ser á qualquer dia e qualquer hora. Acho melhor assim.
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